Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 3 de junho de 2022

'A solução para a queda da inflação',

  por Alan Ghani 


Omundo vive uma onda inflacionária. Os EUA estão com uma inflação acumulada em 12 meses de 8,5%; a Europa, 7,5%; e o Brasil, 12%. As causas da inflação mundial são conhecidas. Com o lockdown, houve restrição da produção (da oferta) e a demanda (consumo das famílias e investimentos) ficou reprimida. Além disso, durante a pandemia, houve uma forte expansão monetária, caracterizada por aumento de linhas de crédito, taxas de juros baixas e auxílios emergenciais para a população.

A impressão de dinheiro acima do que a economia conseguia absorver teve efeitos durante o processo de reabertura econômica iniciado em 2021. De um lado, houve aumento de demanda, que estava reprimida e turbinada pelo crédito fácil e auxílios emergenciais. Do outro, a produção estava restrita (gargalos na cadeia produtiva, falta de peças, atrasos de encomendas). Pelas leis econômicas, quando a demanda fica acima da oferta, o preço sobe.

Para piorar, quando começamos a lidar com as consequências econômicas dos lockdowns, veio a guerra entre Rússia e Ucrânia, penalizando ainda mais a produção. Os embargos colocados pelo Ocidente contra a Rússia, grande produtora de petróleo, gás natural, minerais etc., levaram a uma menor oferta de commodities no mercado internacional, contribuindo para a escalada inflacionária. Agravando esse quadro, temos os recentes lockdowns severos na China, em função da pandemia.

Em suma, lockdowns, auxílios emergenciais, expansão monetária, taxas de juros extremamente baixas (às vezes zeradas e até negativas) realizadas pelos bancos centrais mundo afora, somados aos embargos relacionados à guerra entre Rússia e Ucrânia, trouxeram um desequilíbrio entre oferta e demanda. Isso gerou um aumento generalizado e persistente dos preços, o que caracteriza a inflação.

Os combustíveis

Entre esses aumentos, chama a atenção a elevação do preço dos combustíveis. Como é um bem essencial e de alto consumo, acaba pesando bastante no orçamento das famílias. Quando a gasolina sobe, percebemos que o poder de compra do dinheiro diminui, e nos tornamos mais pobres.

A redução tributária poderá trazer um efeito de até 1,5 ponto porcentual na inflação

No entanto, o combustível está mais caro no mundo não por uma decisão administrativa na qual os produtores são tomados exclusivamente pela ganância, mas pelo fato de o produto estar mais escasso. Como dizia o célebre economista Ludwig von Mises: “O preço sinaliza a escassez”.

Como não é possível aumentar a produção de combustíveis da noite para o dia, os governantes procuram atenuar a elevação desses itens com medidas que tenham efeito sobre o preço final da gasolina.

Conforme a ilustração abaixo, os impostos representam, na média, 34% do preço da gasolina, sendo o ICMS responsável por 24%.

Dessa forma, o governo federal enxergou uma possibilidade de diminuição do preço dos combustíveis pela dispensa de tributos federais (PIS/Cofins) até o fim de 2022 e pela redução do tributo estadual ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No caso do PIS/Cofins, a dispensa dos tributos já está valendo. No caso do ICMS, a redução está em andamento em duas frentes: fixação do valor do ICMS em reais por litro, e não mais em porcentuais sobre o preço de venda dos combustíveis, para neutralizar os efeitos da oscilação do dólar sobre os combustíveis — o que agora apenas depende da decisão dos secretários de Fazenda dos Estados; e a unificação da alíquota do ICMS para a gasolina em todos os Estados em 17% — o que depende de projeto de lei que está em andamento na Câmara dos Deputados.

A priori, a alíquota de ICMS é definida pelos Estados. No entanto, houve um entendimento recente do STF de que, quando se trata de um bem essencial, a alíquota do ICMS não pode ser maior do que a dos demais bens da economia. Nesse caso, o governo federal entendeu que a gasolina é um bem essencial, propondo a redução do ICMS para 17%.

A redução tributária poderá trazer um efeito de até 1,5 ponto porcentual na inflação (considerando o efeito também na energia elétrica, além dos combustíveis). A queda poderia ser ainda maior, mas assume-se que uma parte da redução tributária não será repassada integralmente para o consumidor, tornando-se margem para os donos dos postos. Com o passar do tempo, esse efeito tende a diminuir, pelas leis de mercado, ou seja, pela concorrência entre os postos de gasolina.

Superávit primário

Uma redução tributária é sempre bem-vinda, pois, com a diminuição nos preços, sobram mais recursos para as pessoas gastarem e incentiva-se a produção. Porém, ela deve ser factível e viável.

Os impostos são necessários para financiar o gasto público. Dessa forma, a redução tributária só é possível quando o governo consegue continuar se financiando. É por isso que geralmente a redução tributária é acompanhada de uma melhora nas contas públicas, seja pela maior arrecadação gerada por maior crescimento econômico, seja pela redução do gasto governamental.

Na atual circunstância, isso é possível, uma vez que os Estados têm apresentado superávit primário das contas públicas. O processo de retomada da economia e a própria inflação, que ajuda na arrecadação, são responsáveis pela melhora das contas públicas estaduais.

Assim, a curto prazo, a redução de ICMS é factível. Porém, para a redução se tornar sustentável a médio e longo prazo, é necessário que haja crescimento econômico, para manter a arrecadação, ou que haja redução de gastos públicos. Caso contrário, a conta recairá sobre o governo federal, como já ocorreu inúmeras vezes na história econômica brasileira. Nessas ocasiões, os Estados ficavam sem dinheiro e recorriam ao governo federal para conseguir fechar as suas contas (despesas com saúde, salário do servidor etc.)

Nesse sentido, mais importante que a redução do ICMS para 17% é a aprovação de uma reforma administrativa capaz de reduzir as despesas públicas para todos os entes da federação (União, Estados e municípios). Só assim será possível tornar a economia brasileira mais produtiva e mais resistente a choques inflacionários. Só falta agora convencer o Congresso Nacional.


Alan Ghani é ph.D. em finanças, economista-chefe da SaraInvest e professor do Insper


Revista Oeste

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/06/a-solucao-para-queda-da-inflacao-por.html


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