por Marcelo Tognozzi Lira e Pacheco mostraram afinidade Junção de nordestinidade e mineirice
FOTO ANDRADE JUNIORQuem assistiu aos últimos movimentos políticos da semana viu uma dupla tocando de ouvido. Diferentes entre si, unidos pela mesma vontade de dar um freio de arrumação no país, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, mostraram algo raro na política brasileira: uma afinidade e disposição para o exercício do poder como há muito não se via.
Pacheco chegou ao comando do Senado e recolocou Minas Gerais no centro do poder. Quando ele nasceu, em 1976, o presidente da Casa era o lendário Magalhães Pinto, careca, feio, atarracado, dono do Banco Nacional, ex-governador e um dos homens fortes do regime militar.
Magalhães era de uma astúcia e inteligência raras. Sonhou ser presidente da República, assinara o AI-5 e, em 31 de março de 1964, acendera o rastilho de pólvora que incendiou em Juiz de Fora e explodiu no Rio mandando João Goulart para o espaço. Foi barrado pelo presidente Geisel, que há tempos anotara no seu caderninho o nome de João Figueiredo. Geisel não entregaria a rapadura para o dono do banco, porque a guardou para seu pupilo do serviço secreto. Depois de Magalhães nenhum mineiro presidiu o Senado durante longos 44 anos, até que Rodrigo chegou lá em fevereiro.
O atual presidente do Senado é um homem alto, elegante, fala mansa, jovem e com o DNA do velho PSD mineiro no sangue. Tem um bocadinho de JK, uma pitadinha de Tancredo, uma raspa de José Maria Alkmin, um dedinho de Benedito Valadares e um punhadinho de Gustavo Capanema. Ele não perde tempo nem bate de frente. Suave e firme, já ocupou seu espaço mirando a solução das vacinas pela via das relações exteriores. Tem contado com a experiência da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que quando ministra da Agricultura costurou sólida networking internacional, na qual os chineses têm lugar de destaque.
Do outro lado do Congresso, o presidente da Câmara age no mesmo tom. Seu pronunciamento, reto e direto, foi um cartão amarelo para o governo. No dia seguinte, Lira fez uma vídeo conferência com o presidente do parlamento Chinês, Li Zhanshu, numa clara demonstração de que pretende ocupar, junto com Pacheco, os espaços de poder brotados da incompetência do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Lira já falou com o embaixador americano e com o embaixador chinês, mostrando que o Congresso está disposto a ocupar a pista toda. É incrível a consciência que Lira tem do tamanho do seu poder – e como exercê-lo – evidenciada no dia em que virou presidente da Câmara.
Quando Fernando Collor foi afastado pela Câmara, em 29 de setembro de 1992, uma terça-feira, o vice Itamar Franco demorou mais do que razoáveis 24 horas para sentar na cadeira. Tomou um puxão de orelhas de Ulysses Guimarães: “Não existe vazio de poder, Itamar. Assuma!”. A incompetência da política externa da era Bolsonaro somada à resistência em colocar em prática uma política sanitária eficiente, acabou gerando enorme vazio de poder que acaba de ser preenchido pela dupla Lira e Pacheco.
Na sua fina ironia, Shakespare fez troça com seus conterrâneos na peça Hamlet. O rei está convencido de que Hamlet está louco e decide mandá-lo para a Inglaterra, porque ali todos eram malucos. Os chefes do parlamento também queriam mandar Ernesto para um lugar de doidos, mas como não podem fazê-lo, tomarão o lugar dele e o deixarão falando sozinho.
Lira está sentado em uma verdadeira montanha de pedidos de impeachment de Bolsonaro, a maioria absoluta deles sem fundamento. Pacheco tem toreado uma CPI da Pandemia e, por isso, nada mais natural que jogue duro com o governo que está ajudando a manter de pé. Brigar com um deles, ou com os dois, não é boa coisa.
Rodrigo Pacheco com sua mineirice e Arthur Lira, com sua nordestinidade, são filhos de dois estados com uma imensa riqueza cultural. Tanto nas Alagoas do presidente da Câmara, quanto nas Minas Gerais do chefe do Senado, os costumes, tradições, amores, traições, rancores e até disputas políticas são vividos intensamente nas feiras livres. Elas são o espelho da vida.
Ali, costuma reinar o Curió. O passarinho com 15 centímetros e voz de Sinatra ou Pavarotti pode custar R$ 200 mil ou mais, como Cyborg, campeão dos campeões, orgulho do ex-craque Rivelino e com mais títulos que o dono. Curiós reproduzem sequencias de 28 notas, 12 delas para a introdução e outras 16 para a repetição. Quanto mais macho, mais longo o canto do curió. Alguns aprendem o hino nacional, outros trechos de sinfonias como a 9ª de Beethoven.
Pequenas multidões se juntam nas feiras para assistir às disputas de canto entre curiós. É assim que eles brigam pelas as fêmeas e, reza a lenda, os derrotados nas competições mais ferozes acabam emudecendo para sempre. Sujeito quando tem um curió campeão em casa anda orgulhoso, nariz pro alto. Leva para a feira só pelo prazer de bater no peito e dizer: “É meu!”
Do jeito que a dupla seu Lira e nhô Pacheco está afinada, logo, logo os dois vão levar um curió para feira a bordo de uma daquelas gaiolas de luxo dos passarinheiros do sertão, muito conforto, poleiros com ranhuras para não dar calo e outras sofisticações. O bichinho, invocado, durão, vai encarar todo mundo, cantar o hino, fazer pose e cara feia para a concorrência. O povo juntando em volta, admirando o curió raçudo. Até que um caboclo pergunta: “Seu Lira e qual é o nome dele?”. E Arthur de bate-pronto: “É Jairzinho, seu moço.”
Poder360
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