conta o jornalista André Gustavo Stumpf
O Brasil já foi um país diferente. Não é nostalgia. É constatação.
No tempo dos governos militares, o ministro Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal, descobriu que o colegiado concedia Habeas Corpus para determinado preso e ocorria o seguinte: o sentenciado era solto de manhã e voltava a ser preso no final da tarde do mesmo dia.
Na máquina burocrática brasileira, isso constituía novo processo, novos prazos e novos julgamentos. O engenhoso procedimento esticava o prazo em que o cidadão ficava jogado nas masmorras do sistema.
O ministro foi ao então presidente Castello Branco e disse que ia entregar as chaves do STF. Explicou a situação, que foi resolvida dias depois. O Habeas Corpus voltou a prevalecer.
Este Álvaro era o mesmo que gastava seu tempo, no início de Brasília, consertando pequenos problemas nos apartamentos funcionais. Ele ajeitava torneiras que vazavam ou colocava o fogão para funcionar sem escapar gás. Era conhecido como “seu Álvaro”. Certa feita uma senhora, quis retribuir seu trabalho, com uma gorjeta para a cerveja. Ele agradeceu e disse que cobraria mais tarde.
Outro ministro do STF, importante, sério e incapaz de falar fora dos autos, matriculou-se no curso noturno de eletrônica em colégio público de Brasília. Frequentou as aulas como um estudante qualquer. Chegava sozinho, dirigindo seu carro. E participava das aulas normalmente. Interagia com os colegas.
Seu nome: Vitor Nunes Leal.
São dois monstros sagrados no terreno do direito no Brasil. Pessoas humildes, discretas, com 'savoir vivre', vontade de viver com leveza, sem grandes confrontos. Uma existência simples.
Vitor Nunes Leal foi um jurista culto, elaborado e autor de 'Coronelismo, enxada e voto', um clássico sobre a ação dos grandes eleitores na política brasileira.
Era a imagem do Supremo Tribunal Federal. Uma casa séria, que jamais permitiria algo que afrontasse a sua história. Nada a ver com 'bate boca' que ora ocorrem entre os ministros que atualmente compõem a corte.
Neste sentido o Brasil mudou muito. Com o perdão dos colegas da TV Justiça, eles não podem ser responsabilizados por exercer tão bem seu ofício. Os onze ministros que trabalhavam confinados naquele grande salão, manejando um vocabulário só acessível aos iniciados, de repente se viram jogados no meio da população brasileira. Um julgamento do Supremo passou a ser espetáculo midiático. E neste tipo de espetáculo sempre há o simpático, o bonitão, o do contra, o inteligente e o exigente.
Os ministros se transformaram em atores de novelas de grande audiência. A Casa passou a ser uma instância política, onde cada um defende seu ponto de vista com ênfase às vezes desmedida.
No Poder Legislativo volta e meia surge um bate-boca pesado. Já aconteceu desde brigas homéricas entre parlamentares, até tiro.
Nos anos 60, o senador José Kairala, do Acre, morreu alvejado por Arnon de Mello, pai de Fernando Collor. Ele errou o tiro, que era dirigido a Silvestre Péricles de Góis Monteiro. Briga de alagoanos. Morreu o representante do norte do país que nada tinha a ver com o problema. Os parlamentares convivem com o sucesso e o fracasso. É a paixão da política. Adoram holofotes e manchetes de jornais. Juízes não costumavam ser assim.
- “Me deixe fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura de mal com atraso e pitadas de psicopatia”, fuzilou o ministro Luís Roberto Barroso contra ministro Gilmar Mendes.
Este respondeu afirmando que seu opositor precisa fechar seu escritório de advocacia.
São acusações pesadas, extremamente graves, grosseiras para serem esgrimidas no plenário do Supremo Tribunal Federal.
Não é comum, não é praxe, não é normal.
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