por Silvio Navarro e Cristyan Costa Lula elegível, Lava Jato sob suspeita e total insegurança jurídica. Coisas de república bananeira
Com R$ 4 bilhões recuperados da maior engrenagem de corrupção já engendrada no país, avanços (ainda que tímidos) na legislação anticrime e um consórcio de políticos e empresários que deram as cartas na última década encurralado pela Justiça, o Brasil chegaria a março de 2021 como uma jovem democracia pronta para a fase adulta. Esse seria o principal legado da Lava Jato, com respaldo nas urnas e uma espécie de carta-convite para investidores testarem seus negócios por aqui. Deu tudo errado.
Seguindo a tradição de “república das bananas” — termo cunhado no início do século 20 por um humorista norte-americano e que se tornou símbolo de nação latino-americana politicamente instável e suscetível à corrupção —, o Brasil dormiu perplexo na última segunda-feira, 8, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Lava Jato, decidiu passar uma borracha em sete anos de investigações, pilhas de processos e anos de condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escândalo do Petrolão e todos os seus igarapés de dinheiro surrupiado.
Ex-defensor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apadrinhado de Dilma Rousseff e sócio remido do PT, Edson Fachin parece ter guardado em silêncio um monstrengo jurídico no armário do gabinete desde que assumiu a relatoria da Lava Jato — ele foi o sucessor da cadeira com a aposentadoria antecipada de Joaquim Barbosa. E Fachin gosta de revisitar gavetas. Segundo observadores das esquinas do STF, não agiu sozinho: o colega togado Gilmar Mendes trabalhava para fechar esse “cubo mágico” contra a Lava Jato havia anos — e encontrou no idealismo romântico de outros tempos de Fachin um abrigo para destilar sua ira engasgada contra o ex-juiz Sergio Moro. De Sergio Moro, aliás, restou silêncio — sabe-se lá se por cautela jurídica ou pelo chacoalhão político que o colocou no pelotão da repescagem da eleição de 2022.
A canetada
“Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba.” Com essa decisão, Fachin anulou todas as sentenças contra o ex-presidente Lula. Leia-se: para o magistrado, cabe à Justiça do Distrito Federal cuidar das ações.
O grupo no Paraná responsável pelos processos da Operação Lava Jato informou que cumprirá a decisão do ministro e enviará os processos ao Distrito Federal. As ações contra o ex-presidente serão entregues a um novo juiz, para que ele faça a análise. A redistribuição é feita por sorteio. Esse juiz — ou juízes — poderá decidir se os atos realizados nos processos em Curitiba (tríplex do Guarujá, o tal Instituto Lula e o sítio de Atibaia) são válidos ou se terão de ser refeitos. Lula respondia a quatro processos. Vamos a eles:
“Ou o ministro Fachin tem razão, ou 15 magistrados (entre eles os do próprio Supremo) têm. Se o ministro Fachin tiver, 15 magistrados não souberam examinar um argumento que era fundamental e preliminar do caso”, afirma o jurista Ives Gandra Martins, professor universitário e doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Segundo ele, o ministro deveria ter submetido o processo ao plenário da Corte em razão da envergadura. “Respeito muito o Fachin. No entanto, essa medida jamais poderia ter sido tomada monocraticamente, e sim pelo plenário do Supremo.” Além disso, a canetada pavimentou o caminho para que outros criminosos — especialmente os de colarinho branco — voltem às ruas ou, ainda pior, à política. “Abriu-se um precedente”, finaliza Ives Gandra Martins.
A jurista Janaina Paschoal, campeã de votos para a Assembleia Legislativa de São Paulo, também estranhou o despacho. “Entendo que a decisão está errada porque exorbitou a finalidade do recurso de embargos de declaração”, diz. “Anular um processo não significa que não há fundamentos e que a pessoa seja inocente”, acrescenta, ao alertar para a possibilidade de prescrição dos processos.
“Lula tem mais de 70 anos. Então, o prazo prescricional para ele se reduz à metade”, observou Janaina. Crimes de corrupção, como os do ex-presidente, prescrevem em 16 anos. Portanto, a ação do sítio de Atibaia, que investiga delitos ocorridos entre 2004 e 2014, poderia ser extinta em oito anos — 2022. Conforme a lei brasileira, ninguém pode ser punido por uma irregularidade prescrita.
Já o processo do tríplex do Guarujá considera irregularidades entre 2006 (que prescreveram em 2014) e 2014 (que vão prescrever no ano que vem). Há também a acusação de lavagem de dinheiro, que prescreverá em 2024.
A arte das pesquisas
Se é fato que a corrida presidencial começou para o mainstream na terça-feira 9, com a suposta volta de Lula no tapetão ao tabuleiro eleitoral, também é importante pontuar algumas coincidências que antecederam as manchetes festivas. Na véspera, o recém-inaugurado instituto de pesquisa Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) emplacou uma sondagem no jornal O Estado de S.Paulo intitulada “Lula supera Bolsonaro em potencial de voto para 2022”.
De novo no ramo, o Ipec só tem o nome. Quem o administra é Marcia Cavallari, cuja carreira está ligada há décadas ao enxovalhado Ibope — a de seus auxiliares, idem. Qual o modelo do negócio e se ele envolve a família Montenegro, ainda é uma incógnita no mercado, mas a sondagem se espalhou a toque de caixa na mídia. Um golaço da turma do sapatênis anti-Bolsonaro que viu seus balões de ensaio perderem gás nas páginas, mas conseguiu viabilizar um supertrunfo na mesa.
Para explicar como chegou à manchete obtusa, Cavallari escreveu no mesmo O Estado de S. Paulo que partiu de uma metodologia nova — ou seja, não se trata da tradicional pesquisa estimulada (quando são apresentados nomes para livre escolha do entrevistado) nem da autoexplicativa espontânea (quando o entrevistado fala o nome que lhe vem à cabeça, como Pelé, Faustão, Felipe Neto ou Lula). Com a palavra, Marcia Cavallari:
“Diferentemente de uma pesquisa de intenção de voto, a de potencial busca medir o piso e o teto de aceitação de cada político avaliado. Em vez de apresentar uma lista de candidatos e pedir ao entrevistado que aponte seu preferido, o instituto cita um nome de cada vez e pergunta se o eleitor votaria nele com certeza, se poderia votar, se não votaria de jeito nenhum ou se não o conhece suficientemente para responder. A soma das duas primeiras respostas — ‘votaria com certeza’ e ‘poderia votar’ — é o potencial de votos de cada presidenciável”, disse. É, pois é… muita ginástica.
Antes mesmo de ter a sorte revelada pela nova metodologia do Ipec, o senador petista Humberto Costa (CE), lulista de carteirinha e também conhecido como “Drácula” em listas pouco republicanas de propina, lançou mão de sua bola de cristal no contrapiso das redes sociais, 19 horas antes da divulgação da decisão de Fachin: “Podem se preparar…”, publicou o parlamentar — que escapou até agora da malha fina dos últimos escândalos. São imagens de Lula numa academia de ginástica. [Veja o vídeo abaixo.]
“O sistema judicial está completamente falido”, avalia o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do TJ-SP (Tribunal de Justiça). “Não vivemos mais numa democracia, mas sim numa anarquia. Foi um duro golpe ao combate à corrupção no país.”
A temperatura subiu. Na quinta-feira, numa sessão on-line, Marco Aurélio Mello chamou Alexandre de Moraes de “xerife” e Luiz Fux de “autoritário”. “Vossa Excelência tudo pode! Os tempos são estranhos, e o senhor colabora para torná-los ainda mais estranhos!”, disse Mello. Nessa construção, tudo faz sentido: Fux tem deixado cada dia mais claro sua artéria autoritária, Alexandre de Moraes é um protótipo de xerife tosco do Velho Oeste e Marco Aurélio dança conforme as manchetes de jornais há décadas.
A reportagem da Revista Oeste ouviu uma dezena de juristas e magistrados nos últimos dias, dois ex-ministros do Supremo e congressistas influentes para tentar entender o que restará da decisão de Fachin. Não encontramos nenhuma resposta conclusiva. Mas esbarramos em algo, infelizmente, provável: o STF inventou nesta semana a figura do ex-corrupto.
Revista Oeste
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2021/03/farra-na-republiqueta-por-silvio.html
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