J.R. Guzzo:
Acabam de se completar sete dias desde que a Grã-Bretanha saiu, enfim, da União Europeia, e já parecem sete anos – ou, talvez, mais precisamente, fica a impressão de que os britânicos nunca realmente entraram, ficaram 43 anos e foram embora da comunidade das nações da Europa.
O motivo básico dessa sensação é o fato de que, após anos de ameaças de que a saída traria para o país problemas impossíveis de se descrever, de tão infernais que seriam, não aconteceu absolutamente nada.
Claro que não: era o que dizia a lógica mais comum, o tempo todo.
Também não vai acontecer.
A Grã-Bretanha, a Europa e o resto do mundo continuarão levando as suas vidas, e ninguém perde nada – a não ser a teoria, ou o desejo, de que o futuro da humanidade deva ser a montagem de uma coleção de países sem fronteiras, sem nacionalidade, sem bandeiras, sem autonomia real e sem alma.
O que prescreve esse futuro derrotado pela maioria dos eleitores britânicos?
Prescreve o adeus, num dia lá adiante, à ideia de que países têm direito a suas próprias leis, aprovadas pela maioria de suas próprias populações, a seus próprios costumes e a suas próprias riquezas.
Bem-vindos a um mundo novo em que as sociedades, e os seres humanos que vivem nelas, colocam em segundo plano os seus governos nacionais e aceitem ser regidas, em primeiro lugar, por organismos internacionais, dirigidos por burocratas concursados, bem pagos e encarregados de produzir um “mundo melhor”.
Melhor como?
Mais “justo” (segundo a definição de justiça aprovada na direção desses órgãos), mais igualitário, mais ecológico, com mais impostos, mais aberto à imigração, mais dedicado aos pobres e mais obrigado, no fim das contas, a fazer o bem.
Há também uma porção de “menos” nesse mundo novo.
Menos indústria, menos comércio, menos riqueza, menos energia elétrica, menos tecnologia, menos religião (sobretudo cristã), menos comida processada, menos combustíveis, menos direitos individuais, menos liberdades.
É cansativo ver ideias mortas passarem por mais uma cirurgia plástica e aparecerem como a resposta moderna para questões que não sabemos como resolver.
Tudo se baseia, nessa conversa, na conclusão de que o capitalismo deu errado, apesar das provas em contrário – e como não dá mais para dizer que a solução seja a sua troca pelo comunismo, aparece a fórmula descrita por alto nas linhas acima.
Em outros momentos, chamou-se a isso de “terceira via”, social-democracia, socialismo “com rosto humano”, etc. etc.
Agora dizem que a palavra certa é “globalismo”.
É uma divagação atraente para gente rica, bem educada e que tem a consciência incomodada pela presença da pobreza no mundo.
A decisão britânica foi uma paulada feia no globalismo – no seu primeiro grande julgamento em eleições democráticas, a maioria da população consultada disse que não quer viver no mundo globalista.
Num discurso memorável no Parlamento, o deputado Nigel Farage, um dos mais hábeis esgrimistas do conservadorismo na Inglaterra, foi ao coração do problema.
“O que a Grã-Bretanha quer da Europa? Se quer amizade, comércio, cooperação, reciprocidade, ela não precisa da União Europeia”, disse Farage.
Não precisamos, apontou ele, de uma Comissão Europeia, um Supremo Tribunal Europeu, um Parlamento da Europa.
Não é preciso ter centenas de repartições públicas regulando da pesca da sardinha a quantos litros de água as privadas devem liberar a cada descarga.
Não é preciso, mais do que tudo, subordinar-se à gente que tem poder, mas não é eleita, e não tem responsabilidade pelo que faz; não responde, nunca, por nada que dá errado.
Não há como responder a isso.
O Estado de São Paulo
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