por Fernando Fabbrini.
“E não venham com papo de cidadania,
respeito, limites, essas babaquices.
Já disse a Greta:
como ousam vocês, adultos, roubar nossos sonhos?”
respeito, limites, essas babaquices.
Já disse a Greta:
como ousam vocês, adultos, roubar nossos sonhos?”
Comentei aqui, na semana passada: o bloco da repressão politicamente correta soltou suas advertências contra cocares, menções étnicas, turbantes, bandanas ciganas e demais tolices. Porém, foram apenas delírios ideológicos. E o autoritarismo da resistência libertária alcançou meia-dúzia de cabeças-feitas, como geralmente sucede nessas revoluções de costumes que duram uma semana.
Apesar disso, atento à liberdade de expressão, fiquei de olho nos reflexos da medida durante as caminhadas pela vizinhança no feriado. E constatei que, de fato, novas fantasias substituíram as proibidas e fizeram o maior sucesso.
Talvez para compensar o “não pode” subliminar, a grande favorita dos jovens foi a fantasia do “pode-tudo”, simples e de baixo custo. No caso dos rapazes, basta uma bermuda, sandálias Havaianas e um caneco pendurado a tiracolo. Para as moças, um saiote, brilho no rosto e a indispensável caneca mais enfeitada.
Talvez para compensar o “não pode” subliminar, a grande favorita dos jovens foi a fantasia do “pode-tudo”, simples e de baixo custo. No caso dos rapazes, basta uma bermuda, sandálias Havaianas e um caneco pendurado a tiracolo. Para as moças, um saiote, brilho no rosto e a indispensável caneca mais enfeitada.
Assim vestida, a garotada usou e abusou das alegorias do “pode-tudo” exercendo seus direitos de folião impune. Posso beber cerveja, pinga, catuaba, gim, vodca e uísque o dia inteiro, mesmo sendo menor de idade? Pode! E posso encher de novo a caneca e a cara toda hora? Pode! E aí, quando der vontade, posso mijar na parede mais próxima, apesar de o banheiro químico estar ao lado? Pode! E cocô? Também pode! Vomitar na calçada? Claro que pode!
No “modo galera” (usuários da “pode-tudo” divertindo-se em grupo) a fantasia ainda permitiu dar porrada no teto de ambulância com sirene ligada, transportando doente em emergência através da Savassi, fazê-la fugir de ré e não deixá-la atrapalhar o Carnaval. Ou descer a Bias Fortes na segunda-feira à noite chutando carros estacionados, quebrando placas de trânsito, abrigos de ônibus e outros alvos que se interpunham no trajeto do alegre grupo – coisas que vimos por aí.
Teve mais. Podia bloquear as portarias, impedir que moradores entrassem e saíssem dos prédios, berrar palavrão em coro contra quem reclamasse, atirar latinhas nas janelas das residências, provocar a polícia? Podia, liberdade é isso. Podia dar umazinha com a gata e largar a camisinha no passeio? Podia! E não venham com papo de cidadania, respeito, limites, essas babaquices. Já disse a Greta: como ousam vocês, adultos, roubar nossos sonhos?
Mergulhados na fantasia empoderada, a moçada se sentiu dona de um mundo legal onde tudo é permitido, um mundo só deles e de mais ninguém. E onde se situa Belo Horizonte, entregue à selvageria pelo populismo, pela cumplicidade demagoga, pela irresponsabilidade. Algum burocrata municipal considerou o gigantesco universo de moradores prejudicados de várias formas nesses quatro dias de zona total?
Um detalhe curioso das fantasias “pode-tudo” veio das cintas onde penduram as canecas. Reparei que várias eram patrocinadas por universidades; ideia dos DAs faturando uma graninha no início do ano letivo. Estavam lá os nomes engenharia, medicina, direito e outros, identificando o curso do pobre universitário que caminha rumo à carreira duvidosa provida pela educação de hoje no país. Ou, pior: como alertam as estatísticas, caminhando a passos trôpegos rumo ao alcoolismo crescente entre os jovens brasileiros. Por tudo isso, até achei bastante coerente e oportuno o merchandising do acessório: o ensino superior virou mesmo uma folia que se encerra numa apoteose grotesca – os espetáculos carnavalescos nos quais se tornaram as cerimônias de colação de grau.
Daqui a um ano tem mais. Vão todos vestir de novo a fantasia infantil de não cair na real. Pobre futuro nosso, quando os que acham que podem tudo virarem adultos.
* Publicado originalmente em O Tempo/MG
EXTRAÍDADEPUGGINA.ORG
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