por Marcelo Tognozzi
A começar pelas fake news. Bernardes recebeu o mais duro ataque da campanha através de duas cartas com sua assinatura falsificada, contendo duras críticas aos militares e publicadas pelo Correio da Manhã, então principal jornal da capital Rio de Janeiro. Elas foram meticulosamente preparadas por 3 partidários do Marechal Hermes da Fonseca que, antes de vende-las ao senador antibernardista Irineu Machado, procuraram o próprio Artur Bernardes pedindo 30 mil contos em troca delas. Bernardes mandou-os pentear macacos e achou que não teriam coragem de ir além.
Ledo engano. Machado entregou-as ao Correio. E aí vemos a história se repetir nos detalhes, quase que por inteiro 1 século depois, quando o vale-tudo de reportagens mal apuradas e erros grosseiros acabam sendo transformados em verdade, denegrindo a reputação da imprensa enquanto instituição. Naquele 1921, o Correio até tentou reconhecer a firma de Bernardes, mas o tabelião Djalma Fonseca Hermes recusou, porque a considerou incompatível com a assinatura arquivada no cartório.
Mesmo assim o Correio da Manhã insistiu na fake news. A primeira carta foi publicada na edição do dia 21 de outubro de 1921. O jornal atacou duramente o candidato do Partido Republicano Mineiro. Edmundo Bittencourt, dono do jornal, foi para a Europa em janeiro de 1922 tentar arranjar um perito que confirmasse a autenticidade das cartas e da assinatura. Conseguiu um francês para atestar a autenticidade.
Em fevereiro, o lendário Virgílio de Melo Franco –um dos artífices do Manifesto dos Mineiros 21 anos depois– zarpou para a Itália, mostrou as cartas a peritos da Faculdade de Direito de Roma e, depois, a especialistas do Instituto de Ciências Políticas de Lausanne, na Suíça, comprovando a falsidade das 2 cartas e enchendo de água o chope de Bittencourt.
Mesmo com a recusa do tabelião em reconhecer a firma de Bernardes e as perícias de italianos e suíços, as cartas falsas continuaram repercutindo e incendiando. Serviram de estopim para a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, quatro meses depois da eleição de Artur Bernardes, na primeira ação do que veio a se tornar conhecido como Movimento Tenentista.
Empossado em 15 de novembro de 1922, o 12º presidente do Brasil formou um gabinete de 9 ministros e governou um país conflagrado pela violência, mantendo o Estado de sítio durante todo o mandato. Em 1923 explodiu no Rio Grande do Sul a guerra entre os ximangos liderados por Borges de Medeiros e os maragatos de Assis Brasil.
Uma guerra famosa pela degola, daí o lenço vermelho usado pelos maragatos. Em 5 de julho de 1924, estourou a revolução em São Paulo liderada pelo general Isidoro Dias Lopes, guerreiro da Revolução Federalista gaúcha de 1893 contra Floriano Peixoto, o que lhe valeu uma temporada de exílio em Paris. Anistiado pelo presidente Prudente de Morais, voltou ao Exército. Em 1924, Isidoro conspirou com Miguel Costa, então comandante da Força Pública Paulista, equivalente à PM de hoje em dia.
A mistura venenosa de fake news, agitadores militares e membros da Força Pública rendeu uma revolução curta e sangrenta. São Paulo foi bombardeada inúmeras vezes durante os 23 dias da revolta pelas aeronaves Morane Salnier e Nieuport 21E1, ambas de 80HP, soltando bombas de 60 kg, além de artilharia de 75, 105 e 155mm. Havia gente morta e despedaçada pelas ruas, especialmente na Mooca e regiões operárias, prédios desmoronados, incêndios e nem o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo paulista, escapou das bombas. A população se escondia como podia, muitos fugiram e São Paulo viveu uma onda de saques e estupros.
O governo de Bernardes ganhou esta guerra, mas uma outra começou em seguida com o surgimento da Coluna Prestes-Miguel Costa, mostrando que o conflito viera para ficar. Em 1930, Washington Luís, sucessor de Bernardes, foi derrubado por uma revolução apoiada pelos tenentes e a burguesia. A pacificação só aconteceria 10 anos depois, em 1932, quando Getúlio Vargas sufocou a Revolução Constitucionalista de São Paulo, desta vez sem bombardear a capital dos paulistas, mas castigando especialmente cidades do Vale do Paraíba e Campinas, em operações comandadas pelo então major Eduardo Gomes a bordo do seu vermelhinho, como eram conhecidos os aviões Waco do governo. Os aviões paulistas eram os gaviões de penacho, comandados pelo major Ivo Borges.
Quase 1 século depois da violência e do extremismo dos anos 1920, assistimos à repetição da explosiva combinação de política com forças de segurança no Ceará. O ex-governador Paulo Hartung sabe muito bem o que é isso. Em 2017, 217 pessoas morreram durante a greve da PM iniciada em 4 de fevereiro. A reivindicação era a mesma de sempre: melhores salários.
O caos se instalou no Espírito Santo durante 20 dias até que Hartung conseguiu negociar a paz. Com o movimento do Ceará sendo tratado a golpes de retroescavadeira, o Brasil dá uma marcha à ré rumo a uma era de violência extrema, um trauma não superado e uma lição da história até hoje não aprendida.
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