Jornalista Andrade Junior

domingo, 5 de janeiro de 2020

Morte do terrorista Soleimani: verdades, mentiras e muitas incógnitas,

 por Vilma Gryzinski

Em primeiro lugar, o mais importante: não vai ter terceira guerra mundial.
O assassinato bem público de Qassem Soleimani, o homem que montou o “eixo xiita”, não pode ter sua importância subestimada, mas também não deve ser superestimada.
Por que Rússia ou China, as únicas potências nucleares que bancariam uma guerra generalizada contra os Estados Unidos, colocariam a própria sobrevivência em risco por causa do Irã?


A garantia de que as potências não se incinerem nuclearmente continua a ser a destruição mutuamente garantida.
Ou seja, todos têm capacidade de que sua tríade nuclear – mísseis disparados por terra, mar e ar – continuem a ser disparados mesmo depois da destruição dos centros de decisão.
Tudo é horrível nisso, mas é a realidade.
Devido à capacidade bélica das grandes potências, quase inconcebível para os humanos comuns, qualquer incidente, ainda mais no Oriente Médio, dispara o espectro “terceira guerra mundial” e os dedinhos entram em ação frenética mundo afora.
Tendências nas redes sociais mostram preocupações coletivas, espontâneas ou manipuladas, e são um termômetro interessante.
Também despertam em jornalistas, no calor dos acontecimentos, o desejo atávico de chamar atenção e prognosticar o futuro. Seguem-se or títulos ou quadros do tipo “Como seria a terceira guerra mundial”.
Existe melhor maneira de chamar atenções?
Mas formar opiniões sobre temas existenciais a partir das conversas dominantes no Face ou no Zap não é exatamente profissional.
Mesmo uma guerra envolvendo diretamente Estados Unidos e Irã é improvável. Ressalvado-se, evidentemente, o fator aleatório, o acontecimento imprevisível que empurra as pedras do dominó da guerra.
Algo nessa escala já aconteceu em 1988. Irá e Iraque estavam em guerra.
A iniciativa tinha sido de Saddam Hussein.
No primeiro de seus muitos erros de cálculo: achava que poderia aproveitar o enfraquecimento militar provocado pela revolução dos aiatolás e dominar o fundo da “boca” marítima do Golfo Pérsico para o escoamento de petróleo.
O resultado foi o oposto, o Iraque ficou bloqueado e tinha que exportar petróleo via Kuwait (ajuda que pagaria depois invadido o vizinho menor).
Os Estados Unidos montaram uma frota para proteger os petroleiros kuwaitianos (na verdade, iraquianos) e aí aconteceu o desastre. O comandante da fragata Vincennes confundiu um avião de passageiros com um de guerra e, com janela de quatro minutos para tomar uma decisão,
autorizou o disparo de mísseis.
Resultado: 290 mortos, incluindo 66 crianças.
O comandante Will Rodgers ganhou uma condecoração – apesar da reputação destruída – e o Irã, 133,8 milhões de dólares de indenização.
Existe a tese, defendida por um desertor iraniano, de que a bomba que explodiu o avião da Pan Am sobre a cidadezinha escocesa de Lockerbie foi um atentado encomendado pelo Irã, como vingança, e não obra da inteligência líbia, como concluíram as investigações.
Embora seja uma potência regional, militarmente muito mais forte do que na época da guerra com o Iraque (durou oito anos e terminou em empate, um atestado da incapacidade bélica iraquiana), o Irã sabe muito bem das consequências de um confronto direto com os Estados Unidos.
Sabe também que é uma minoria temida e odiada pelos vizinhos sunitas, com a exceção dos palestinos do Hamas e da Jihad Islâmica.
Estabelecer uma aliança com os outros países onde xiitas são maioria, minorias significativas ou simpatizantes, foi a grande jogada estratégica, brilhantemente planejada e executada pelo general Soleimani.
Líbano, Iraque, parte do Iêmen e a Síria de Bashar Assad estão hoje no colo do Irã. Custou muito dinheiro, esforço e vidas.
Soleimani seria o primeiro a não querer arriscar uma posição vencedora para vingar um único homem, ainda que um da importância dele.
A melhor vingança é manter as posições conquistadas e até expandi-las.
Imaginem se os Estados Unidos “perderem” o Iraque por causa da morte de dois líderes importantes, o próprio Soleimani e seu clone local, Abu Madi al-Muhandis, ou o Engenheiro, codinome do chefe da milícia iraquiana Kataib Hezbolá, suficientemente importante para ir buscar o mentor, com duas SUVs, na escada do jatinho, com os conhecidos resultados.
Atentados, sabotagens e outras malfeitorias, obviamente, estão na lista da vingança.
E é uma lista de longo prazo.
O bárbaro atentado de 1994 com um carro-bomba contra a AMIA em Buenos Aires, foi colocado na conta de Qassem Soleimani desde o tempo em que ele ainda não tinha virado celebridade com aura heróica no Irã, foi considerado uma vingança pelo assassinato de Abbas Mussavi, dois anos
antes.
Mussavi era o líder do Hezbolá libanês e foi pulverizado num ataque de helicópteros israelenses.
Apesar de toda a gritaria, que só vai aumentar com os atos fúnebres para Soleimani, guerra é mais uma opção dos que sonham ver Donald Trump destruído por um conflito no Oriente Médio.

Mão amputada

Não postamos a foto para não provocar choque.
Mas praticamente todo mundo já viu a imagem que mostra a mão decepada de Qassem Soleimani, identificada por um anel que ele sempre usava.
Os braços também foram arrancados pela explosão dos mísseis Hellfire, disparados por um drone MQ9-Reaper (o Ceifador provavelmente foi operado por um piloto na sede da CIA em Langley; os comandos demoram 1,2 segundo para chegar).
A foto foi considerada autêntica por quem não costuma errar, como o site Times of Israel.
Dúvida: o anel estava na mão esquerda, sendo a recomendação costuma ser para que o uso seja na mão direita (motivo: a esquerda é usada para a higiene íntima).
Soleimani usava o anel de prata com uma grande cornalina, um quartzo laranja ou vermelho. É um costume de muito xiitas, que acreditam assim emular o profeta Maomé.
As regras são estritas. Nenhum muçulmano homem pode usar joias de ouro (a proibição do ferro, aço e cobre também se aplica às mulheres), só prata.
Usar anel na mão esquerda é makrum (condenável), mas não haram (proibido e sujeito a penalidades).
A pedra no anel de Soleimani era uma aqeeq, um tipo quartzo considerado muito auspicioso por ter sido a pedra que “aceitou a unicidade de Alá”.
É o tipo de superstição, para não dizer maluquice, que deixa os puristas sunitas furiosos.
O que nos leva à questão: quem gostou e quem chorou a morte de Qassem Soleimani.

Dando bandeira

Mike Pompeo, o secretário de Estado americano, divulgou um vídeo em que iraquianos correm por uma rua, gritando de alegria.
Isso significa que aumentou a popularidade dos Estados Unidos?
Céus, não.
O Iraque não é Hong Kong, onde manifestantes usam a bandeira americana e cartazes de Donald Trump como forma de protesto contra o regime chinês.
Tanto sunitas quanto xiitas iraquianos, estes protagonistas de uma estranha onda de protestos contra o governo e seu patrocinador, o Irã, são perfeitamente capazes de alimentar ódios simultâneos.
Contra os americanos, claro, e contra o Irã, cujo poder de intervenção no país era encarnado por Soleimani.
A intervenção na Síria, que valeu a surpreendente vitória de Bashar Assad depois que Soleimani conseguiu da Rússia o que o Irã não podia dar – cobertura aérea -, deixou milhões, literalmente, de inimigos para o general iraniano entre a maioria sunita.
Também teve comemoração entre eles.
Para quem está de fora, as perguntas relevantes são um pouco diferentes – e as respostas são
complexas.

O mundo ficou mais seguro?

Só podemos saber no médio prazo. Aumentou, evidentemente, o risco de atentados e a instabilidade permanente no Golfo Pérsico.
Isso tem que ser contrabalançado com o fato de que a crescente impunidade do Irã poderia conduzir a uma conflagração.
Donald Trump pareceu fraco quando suspendeu um ataque de retaliação pela derrubada de um drone americano.
E pareceu impotente quando o pessoal do Engenheiro cercou a embaixada americana em Bagdá, uma fortaleza dentro da Zona Verde.
Quebraram instalações externas, tocaram fogo, pregaram cartazes de Soleimani e do único homem que estava acima dele, o aiatolá Ali Khamenei.
Tinham certeza da impunidade: as milícias xiitas mandam no Iraque, com aprovação do governo.
Qassem Soleimani também se deslocava livremente pelo país, como tinha feito na Síria e no Líbano.
Esconder-se debaixo do nariz de todo mundo era seu estilo, arriscado e ao mesmo tempo bem pensado. Dava, literalmente, bandeira.
Mais de uma vez, esteve na mira de Israel. As operações foram suspensas, por avaliação de risco própria ou a “conselho” dos Estados Unidos.
Quem seria louco, raciocinava Soleimani, de arriscar uma conflagração ou retaliação por varrê-lo do mapa?
A audácia foi aumentando e culminou com a visita a Bagdá imediatamente depois do ataque americano à embaixada.
Aí apareceu o louco.

Veja








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