Jornalista Andrade Junior

sábado, 18 de janeiro de 2020

BERÇOS DE OURO

 por Fernando Fabbrini.

'Cedo ou tarde, a moça rica quer saber de onde vem tanto dinheiro, a grana que pagou as viagens pelo mundo, os presentes, as fazendas da família.'
  A menina nasceu de uma família riquíssima, mas crianças não sabem muito bem o que é riqueza ou o que é pobreza até certa idade. Apenas vivem sonhos e sucessivas maravilhas; passeiam na Disney mais que as outras; viajam de primeira classe, ganham presentes absurdos, mais caros e luxuosos se comparados com os dos amiguinhos. Seus aniversários são os mais chiques da cidade; têm fotos nas colunas sociais ao lado dos pais sorridentes e dos avós orgulhosos.
Crianças ricas, enfeitadas e perfumadas são sempre lindas, inteligentes, espertas, gracinhas, gênios precoces acima da média – assim são tratadas e bajuladas pelos amigos dos pais, pelos professores, pelas vendedoras do shopping, pelos fotógrafos, pelas babás. A vida é linda, e o dinheiro faz todo mundo feliz.
Quando chega a adolescência, melhora ainda mais. O dinheiro misterioso – mas onipresente – compra delícias da juventude; banca festas deslumbrantes de 15 anos; bailes inesquecíveis com chuvas de pétalas, cantores da moda, vestidos longos exclusivos de grife, beijinhos de artistas famosos, pilequinhos socialmente aceitos.
Adolescentes ricos logo crescem, passam dos 18, caem na farra, não perdem um agito. Bebem muito, se metem em confusões, ganham carros importados, destroem alguns – às vezes com vítimas. Porém, se safam de todas as encrencas porque o dinheiro surge novamente nos bastidores, milagroso e eficiente. Tudo resolvido, sem problemas: vida é só prazer.
Cedo ou tarde, a moça rica quer saber de onde vem tanto dinheiro, a grana que pagou as viagens pelo mundo, os presentes, as fazendas da família. E então compreende que é.... bilionária! Uau! Diferente dos demais, especial, uma classe à parte! E assim, com prazer indisfarçável, nota que não precisa trabalhar para ganhar a vida como seus colegas que batem ponto e suam a camisa. Basta fingir que faz qualquer coisa – e tudo bem.
Daí, com mesada vitalícia garantida, a moça toma consciência de seu poder e resolve se dedicar a alguma atividade importante, essas coisas charmosas que saem nas revistas: estudar arte celta em Edimburgo? Ativismo elegante pela preservação dos rinocerontes na África? Ou, então, entediada, largar tudo desse mundo materialista – exceto a mesada em dólares – e morar no Himalaia, meditando na busca de um sentido para viver?
Cansa-se de tudo, incluindo Buda e cheiro de incenso, basta tirar a túnica alaranjada, os colares, tomar um banho e um voo de primeira classe de volta ao seu apartamento em Paris, Roma, Londres ou Miami. Pode regressar ao conforto e à segurança de seus cartões de crédito sem limites e à generosidade da família, idem.
Certa manhã, a moça acorda com pena dos pobres. Coitadinhos. Participa de debates na Sorbonne, escuta discursos sobre a luta de classes e a mais-valia; lê algumas páginas do livro que a amiga revolucionária lhe disse que era genial. Não entende muito do que lê, mas já se sente empoderada para salvar a democracia, a civilização e o planeta da perversa exploração capitalista das elites. E sai em passeata berrando, sacudindo faixas, braços dados com colegas barbudos.
Um dia, um telefonema urgente do Brasil. A família avisa, alarmada, que a fonte secou. O dinheiro fácil desapareceu. Os negócios não vão bem; clientes outrora fiéis – aqueles que recebiam agrados, levavam malas discretas e cheques espetaculares – sumiram. Alguns estão até presos. A mesada será drasticamente reduzida. “Reduza as despesas, corte os supérfluos!” – dizem a ela, preocupados.
A moça rica está indignada, chuta o abajur art-nouveau do quarto. “Isso não vai ficar assim” – promete a si mesma. E imagina um jeito de se vingar.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal 'O Tempo'.








** Publicado originalmente em https://www.otempo.com.br/opiniao/fernando-fabbrini/bercos-de-ouro-1.2284680






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