Victor Irajá , Veja
A empresária Isabel dos Santos é uma figura digna de ingressar nas páginas de livros de história contemporânea da África e do mundo. Com fortuna avaliada em 3,7 bilhões de dólares, a jornada da angolana pobre que vendia frutas com a avó em feiras de Luanda, capital do país, aos 9 anos de idade, e construiu um império na área de energia e telecomunicações no país, tornando-se a mulher de negócios mais bem-sucedida de Angola, poderia ser o exemplo para a miríade de jovens em situação de miséria ao seu redor. Exemplo de empreendedorismo e garra? Não é bem assim. A multimilionária de 46 anos é filha de José Eduardo dos Santos, presidente mais longevo de seu país — mandou em Angola de 1979 a 2017, quando renunciou ao posto — e sua história está intimamente ligada aos recém-descobertos escândalos de corrupção. A cereja do bolo: três organizações brasileiras aparecem constantemente em sua biografia: BNDES, Odebrecht e PT.
A partir do fim da ditadura de seu pai e com o compromisso do sucessor, João Lourenço, de combater a corrupção, o cerco se fechou contra Isabel. Ela é acusada de atuar como laranja de Eduardo Santos: “Estamos a viver um acerto de contas”, disse na terça-feira passada, 7, em sua conta de Twitter. “Para João Lourenço, a remoção definitiva do cenário política de seu antecessor e de sua família é a garantia de manter um domínio indiscutível no aparato partidário.” Segundo ela, nada de sua fortuna se relaciona ao fato de seu pai ter comandado o pais com mãos de ferro por décadas. Contudo, seu primeiro grande negócio surgiu numa licitação pública. Ela conquistou a concessão de uma rede de telecomunicações, a Unitel. Devido à Guerra Civil vivida pelo país, concorrentes internacionais não apareceram para o pleito, realizado em 2001. Desde então, Isabel conquistava parcerias com as estatais do país, fato que, diz ela, era fruto apenas de seu trabalho. O reconhecimento veio: em 2015, a angolana foi reconhecida pela rede britânica BBC como uma das cem mulheres mais influentes do mundo. O ocaso viria poucos anos depois.
No dia 30 de dezembro do ano passado, a Procuradoria-Geral da República de Angola decretou o bloqueio das contas de Isabel e seu marido, o filho de banqueiro e colecionador de arte Sindika Dokolo em quatro bancos angolanos, fora o bloqueio de ações mantidas por eles. A suspeita envolvendo a magnata envolve o prejuízo de mais de 1 bilhão de dólares por meio de negócios envolvendo estatais do país: a Sodiam, de exploração de diamantes; e a Sonangol, de petróleo. A suspeita é de que as estatais foram utilizadas para operacionalizar esquemas de corrupção. Em relação aos diamantes, suspeita-se de que Isabel e seu marido arquitetaram a venda de diamantes abaixo do preço de mercado para suas empresas e lucrava com a venda das pedras para joalherias. No caso da empresa de petróleo, Isabel é acusada de captar recursos da empresa para seus negócios e nunca ressarcir a estatal. Ela nega qualquer irregularidade nos negócios e atribui o bloqueio a um movimento político para desestabilizar a família Santos.
Angola, por anos, foi um país que rendeu muitos frutos para grandes organizações brasileiras. A Odebrecht, até 2014, era a maior empresa privada do país. Grande parte de seu poderio advinha aos empréstimos de 3,3 bilhões de dólares feitos pelo BNDES para fomentar as exportações da empreiteira ao país africano. Tudo, claro, arquitetado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme VEJA revelou após abrir a caixa-preta do banco de fomento. Conforme descoberto pela Operação Lava-Jato, durante os anos de gestão petista, os presidentes daqui e de lá conquistaram uma relação de parceria, com a anuência do BNDES. O petista fechou com o angolano uma série de parcerias e investimentos, com a colaboração do Clube das Empreiteiras, desmantelado pela força-tarefa, e fechavam projetos no país financiados pelo BNDES, realizados pelas empreiteiras brasileiras. No centro da negociata, a Odebrecht era rainha. A empresa monopolizava os acordos no país, com a anuência de Lula. Em contrapartida às obras conquistadas na África, a empreiteira contribuía para o Partido dos Trabalhadores. Do total de 489 milhões de reais em propinas pagas à alta cúpula petista entre 2009, no fim do segundo mandato de Lula, e 2014, ano em que presenteou Dilma Rousseff com a reeleição, 364 milhões vieram da Odebrecht.
Qual a relação entre Odebrecht e Isabel: a empreiteira é nada menos do que sócia da empresa de petróleo comandada por ela e detém exatos 15% da companhia. Em seu acordo de delação, o ex-manda-chuva da empresa Marcelo Odebrecht revelou o acerto de propinas para o PT relacionados aos contratos conquistados em Angola. A companhia e o partido mantiveram por anos José Eduardo dos Santos como ditador do país. O marqueteiro João Santana, que trabalhou nas eleições do pai de Isabel em 2012, contou em acordo de delação premiada que a empreiteira enviou 50 milhões de dólares para financiar a reeleição de Santos. A ascensão e queda da mulher mais rica da África está umbilicalmente conectada à empresa que um dia foi a maior companhia privada do Brasil.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário