Carlos José Marques, IstoE
Uma névoa de impunidade e revanchismo paira sobre as ações da Lava Jato.
Os togados da Suprema Corte decidiram por maioria um princípio pró-réu — que não está escrito em lei nenhuma, diga-se de passagem, tratando-se apenas de interpretação sacada do colete de supetão — segundo o qual o delatado tem o direito a falar por último no processo em que figura como réu, depois de todas as arguições da acusação, incluindo os pronunciamentos de eventuais delatores.
Isso mesmo se sabendo que não podem ser adicionados fatos novos nessa etapa do julgamento.
É claramente um tipo de casuísmo que pode colocar tudo a perder sobre ao menos 143 casos já julgados e sentenciados com evidentes e robustas provas de delito.
Há uma modelação acertada para evitar o pior — na qual terão o benefício apenas àqueles que, na primeira instância, reclamaram de não terem sido ouvidos por último e cuja defesa comprove que houve prejuízo concreto ao cliente devido ao fato.
Mas nada garante que a filigrana jurídica incluída daqui por diante não coloque por terra o trabalho de procuradores e magistrados, levando a Justiça a cair novamente em descrédito junto à opinião pública.
Ao estabelecer uma tese que pode vir a anular muitos dos processos concluídos ou em andamento e comprometer futuras ações do tipo, numa suprema algazarra, o STF quis impor limites ao pelotão que desbaratou a maior quadrilha de saqueadores de alta patente da história do País.
Por tabela, deu margem para que os arrivistas de plantão, animados com a nova brecha legal, causem um dano institucional sem precedentes, impingindo derrotas em cascata nos tribunais contra o Ministério Público para safar os poderosos do colarinho branco.
O casuísmo da decisão se dá por atender a circunstâncias específicas e a réus privilegiados, como o próprio ex-presidente Lula (a despeito do seu notório plantel de desvios).
A Corte Suprema, não é de hoje, discorda do protagonismo assumido pelos juízes e investigadores de instâncias inferiores, desde o início há cinco anos daquela que é tida como a mais bem sucedida cruzada de ataque à corrupção do mundo.
Antes da Lava Jato, apenas a investida da “Mãos Limpas” na Itália tinha logrado tamanho feito de perseguir malfeitores.
No caso italiano, a experiência naufragou ao final e ao cabo por conta de injunções políticas que praticamente anularam todos os desdobramentos. Aqui no Brasil, no momento, corre-se o mesmo risco.
Diversas movimentações estão em curso para desmoralizar e desacreditar a Lava Jato.
As denúncias, não completamente comprovadas, do site “Intercept Brasil” miraram inicialmente as estrelas da operação: o juiz Sergio Moro, hoje sofrendo derrotas consecutivas como ministro da Justiça e desacreditado pelo mandatário em pessoa, e o procurador Deltan Dallagnol, pilhado em gravações que estariam a sugerir diálogos nada republicanos e fora de conduta do devido processo legal (na verdade, as conversas hackeadas não apresentam qualquer ilegalidade; talvez no máximo falhas morais como no caso dos comentários sobre a neta falecida do ex-presidente).
Em ambas as situações, assim como nas gestões sobre órgãos fiscalizadores que dão suporte ao rastreamento dos delitos, o objetivo está claro e detalhado: enterrar a Lava Jato, colocando os seus feitos na latrina da imoralidade, apesar do reconhecimento irrestrito da sociedade.
Se alcançado o propósito, as coisas voltam a se manter como dantes, roubando aqui, fazendo vista grossa ali.
Os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) parecem estar mancomunados no mesmo esforço.
As mexidas táticas do governo para barrar as contribuições do Coaf e da Receita aos investigadores — determinadas diretamente pelo presidente Bolsonaro — fazem parte disso.
A suspensão dos trabalhos acerca do laranjal do primeiro filho, Flávio Bolsonaro, também.
Essa foi decretada pelo magistrado do STF Dias Toffoli, que conseguiu dessa maneira, por tabela, sustar dados sobre movimentações estranhas em sua conta e na do colega de tribunal, Gilmar Mendes.
O Congresso, por sua vez, não fica atrás nesse esforço de minar o avanço da Lava Jato.
Ao contrário.
Como palco das maiores maracutaias, tendo seus parlamentares entre os principais atores dessa ópera-bufa, a Casa lidera a sabotagem.
Na calada da noite aprovou, por exemplo, a lei de abuso de autoridade, que cerceia ações dos magistrados, e está cozinhando o pacote anticrime para não ser, quem sabe, apanhado por ele.
É no conluio de interesses podres e nas tentações de poderosos desqualificados que se amarrou o futuro do combate à corrupção.
A essa altura do campeonato, está mais do que claro que nem mesmo o chefe da Nação — curiosamente eleito sob a promessa de realizar uma faxina dos corruptos do País — tem o menor interesse no assunto ou engajamento nesse sentido.
Ainda mais com os próprios filhos encalacrados em esquemas suspeitos, ainda não devidamente esclarecidos.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário