KIM KATAGUIRI FOLHA DE SP
Vocês sabem que eu nunca faltei à luta. Nas primeiras vezes em que Lula concorreu à Presidência da República, quando ninguém acreditava que um operário sem estudo pudesse alcançar tal cargo, eu estava lá, entregando santinhos, militando, confiando.
Quando, depois de sucessivas derrotas e já quase desistindo de nosso grande projeto de país, Lula decidiu afrouxar os ideais socialistas e ceder ao inescrupuloso mercado financeiro para ter uma chance de vencer, eu apoiei. Ouvir a "Carta ao Povo Brasileiro" sendo lida pelo nosso líder doeu, admito. Mas eu sabia que nossa causa era maior do que qualquer amarra ideológica.
Ver, no desfecho das eleições de 2002, o rosto de todos os intelectuais e de toda a elite que duvidava de Lula e desprezava o PT foi uma das coisas mais gratificantes da minha vida. Apesar do nojo das classes engravatadas, refratárias a qualquer tipo de mudança, a esperança venceu. Tínhamos, finalmente, a oportunidade de realizar no presente todos os sonhos do país do futuro.
Infelizmente, o choque de realidade não demorou a aparecer. Logo percebi que, ainda que nosso partido tivesse alcançado o poder, a corja conservadora ainda tomava conta do Congresso, e aquela elite que sempre lutou para que fôssemos marginalizados da política ainda tinha poder.
Governar não seria tarefa fácil.
Foi com essa realidade em mente que, mais uma vez, dei meu voto de confiança ao PT quando o escândalo do mensalão estourou. O esquema era necessário para garantir que todas as pautas sociais e progressistas do nosso governo avançassem. Era roubo? Sim, era. Mas não por interesse pessoal. Pelo contrário! Era pelo sonho de um país melhor.
Já estávamos abrindo mão da economia, mantendo políticas neoliberais —heranças malditas do governo de Fernando Henrique—; não podíamos entregar o social. Foi necessário. Tão necessário, é preciso dizer, como nossas parcerias com obeliscos do retrocesso, como Paulo Maluf e Fernando Collor.
Nos anos 90, criticamos a relação de um com a ditadura e lutamos pelo impeachment de outro. Pragmatismo. Lula fez o que precisava ser feito.
Aos trancos e barrancos, o primeiro governo Dilma manteve as conquistas do companheiro Lula. Apesar de não ter sido abençoada com o mesmo carisma, ela soube comandar o país. Mesmo quando errava, ia até o fim. Sempre teve em mente que recuar, em qualquer circunstância, é uma demonstração de fraqueza.
Mas é claro que o sonho não poderia durar para sempre. Depois de vencer a segunda eleição, os porcos do mercado financeiro obrigaram Dilma a colocar um dos seus no governo: Joaquim Levy. O pragmatismo do nosso querido PT havia, mais uma vez, nos forçado a esquecer as promessas de campanha e a ceder para o retrocesso do neoliberalismo.
Como se isso não bastasse, ainda tivemos de ceder ao conservadorismo parasita do PMDB. Eduardo Cunha, ex-companheiro que já chegou até a ser o bastião de Dilma nas igrejas evangélicas, traiu nosso projeto e venceu a presidência da Câmara, impondo uma derrota inaceitável ao amigo Arlindo Chinaglia. Todos sabem que é o governo quem deve decidir o comando da Câmara. A traição do peemedebista não poderia ser perdoada.
Foram os princípios petistas que impediram nossos deputados de salvar Cunha no Conselho de Ética. Nesse momento, preferi ficar do lado da ideologia de Rui Falcão a escolher o pragmatismo de Dilma Rousseff. Nossa presidenta sinalizava um acordo com o então presidente da Câmara para que ele não levasse à frente o processo de impeachment. Mas a crença de que a punhalada nas costas que havíamos levado no início do ano
não poderia ser esquecida felizmente prevaleceu.
Começamos, então, a tomar as ruas e a estampar os jornais contra o golpe. Nossa militância nunca esteve tão motivada. Estufamos o peito e apontamos o dedo na cara de todos aqueles que nos chamavam de corruptos e os chamamos de golpistas. Mostramos que assaltar a democracia é muito mais grave do que assaltar os cofres públicos. Desgastamos a imagem de Cunha e forçamos o traidor a renunciar. Nossa presidenta foi afastada, mas conseguimos dar o troco.
Depois deste momento de glória, veio a decepção. Sem um presidente da Câmara para atacar e sem uma presidenta da República para defender, acabamos perdendo boa parte de nosso fôlego. Até aí, tudo bem. Já passamos por coisa pior. Nosso grande líder, Lula, ao que parece, conseguirá fugir das mãos de Sérgio Moro, marionete do imperialismo americano, e é o favorito para as eleições de 2018.
O problema é que, na última disputa pela presidência da Câmara, perdemos até o discurso. Criticamos duramente todos os deputados que votaram a favor do impeachment, estampamos cartazes de protesto com seus rostos e literalmente cuspimos em suas imagens. Os deputados petistas, então, resolvem apoiar Rodrigo Maia, deputado do DEM, partido golpista que foi a ponta da lança que derrubou Dilma Rousseff.
Já não bastasse a contradição de continuar votando numa democracia teatral – todos sabemos que golpes sempre são sucedidos por ditaduras –, nossos companheiros ainda escolhem votar em alguém que contribuiu para a nossa queda e que outrora chamamos de golpista.
Isso, para mim, meus amigos, é o fim. Se dissesse que não foi um prazer estar ao lado de vocês, nas trincheiras, durante todos esses anos, estaria mentindo. Minha desilusão não é com vocês, é com o PT. Com este PT, melhor dizendo.
Um partido que não é capaz de se comprometer com sua própria militância é um partido morto. Me nego a cair junto com aqueles que jogaram a nossa luta na lata do lixo.
extraídadeavarandablogspot
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