PAULO SOTERO ESTADÃO
“Juizão” é como meu amigo Juliano Basile, talentoso correspondente do jornal Valor Econômico em Washington, se refere ao juiz de Direito que pauta sua conduta pelo estudo e pela aplicação rigorosa da Constituição e das leis e por uma atitude de reserva pessoal, própria à função institucional de árbitro que o magistrado exerce numa sociedade democrática. Formado em Direito nas Arcadas do Largo de São Francisco, ex-presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto e herdeiro do ofício de seu pai, o saudoso Sidnei Basile, Juliano aprendeu a respeitar os “juizões” observando-os durante os 18 anos em que cobriu o Supremo Tribunal Federal. Exemplos não faltam. No passado recente, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Entre os atuais, há vários, mas seria pretensão identificá-los. Elas e eles sabem quem são.
Pensei nos “juizões” do Juliano ouvindo o juiz Sergio Moro durante as palestras que deu em Washington em recente visita que fez à capital norte-americana a convite do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center, que dirijo desde que deixei o posto de correspondente deste jornal nos EUA, em 2006. Mais de uma vez, perguntaram a Moro se ele pensava em concorrer a um cargo eletivo. Há quem diga que o popular juiz de Curitiba seria imbatível numa eleição presidencial. Como já havia feito anteriormente, Moro desconversou, dizendo que, encerrado o julgamento do caso Lava Jato em seu tribunal, o que espera que ocorra no final deste ano ou um pouco mais adiante, quer “concorrer apenas a umas longas férias”.
Em uma ocasião, porém, ele foi adiante. Disse que escolheu a magistratura como profissão e não tem planos de mudar. O juiz sublinhou o respeito que tem pela função pública que ocupa na primeira instância do Poder Judiciário, explicando que se trocasse a toga por uma campanha política suas decisões na Lava Jato passariam inevitavelmente a ser vistas sob um novo filtro e suscitariam dúvidas quanto às suas motivações. Moro afirmou que tal gesto poderia ter impacto adverso também para seus colegas juízes, assim como para procuradores de Justiça empenhados no combate à corrupção e na afirmação do primado da lei.
Obviamente, a resposta não exclui a possibilidade de o juiz, de 44 anos, abraçar novos desafios no futuro, quando a Lava Jato for assunto dos livros de História. Suas declarações mostram, no entanto, que ele tem plena consciência de que o poder que hoje possui e exerce na luta contra a corrupção sistêmica que quase asfixiou o País decorre da autoridade e da legitimidade conferidas pelo posto que ocupa e da forma como o tem exercido – com discernimento, coragem e amplo respaldo da opinião pública. É como juiz que ele responde às críticas que políticos inescrupulosos e até mesmo alguns intelectuais têm feito à “criminalização da política”.
Indagado sobre isso no Wilson Center, ele disse que “quem criminaliza a política não é a Justiça, mas o político que comete crimes”. Reconheceu que o governo interino de Michel Temer fez declarações de apoio à Lava Jato, deixando de lado, diplomaticamente, o fato de que essas manifestações foram feitas somente depois que a imprensa expôs manobras de alguns de seus integrantes, simpatizantes e aliados no Congresso para melar ou truncar a Lava Jato e investigações futuras. Moro criticou o que chamou de “omissão” do Executivo e do Legislativo na proposição e aprovação de leis que reforcem a ofensiva contra a corrupção sistêmica. “Sejamos claros: o governo é o principal ator responsável por criar um ambiente político e econômico livre de corrupção (…) e ensinar pelo exemplo”, afirmou. “Melhores leis podem ser aprovadas para aprimorar a eficiência da Justiça Criminal e aumentar a transparência e a previsibilidade das relações entre os setores público e privado, reduzindo os incentivos e oportunidades para práticas corruptas.” Tais práticas, lembrou o juiz, causam danos à democracia e à economia do País, onerando orçamentos públicos, afastando os investimentos e dificultando a administração da política econômica.
O juiz defendeu a delação premiada como instrumento essencial não apenas para a promoção da justiça, como também para a defesa dos acusados. Elogiou a atitude das empresas incriminadas cujos diretores assinaram acordos de colaboração com o Ministério Público Federal. Mencionou também a passividade dos executivos do setor privado diante da corrupção, mas, habilidoso, ele o fez citando um raro exemplo positivo: a iniciativa recente e até agora excepcional do Itaú, o maior banco privado do País, de alertar as autoridade após ser alvo de uma tentativa de extorsão por um membro do Conselho Administrativo da Receita Federal. “A Justiça funciona quando o inocente vai para casa e o culpado vai para a cadeia”, disse. “O resultado do processo não deve depender da condição política ou econômica do acusado”, acrescentou, lembrando que “há ainda muito a fazer (no Brasil) em relação a isso”.
Moro usou a oportunidade de estar no Wilson Center – memorial nacional ao 28.º presidente dos EUA, que é nome de avenida no centro da antiga capital do Brasil – para defender sua decisão de aplicar o preceito constitucional que manda o juiz dar ampla publicidade ao processo. “Aproveito a oportunidade de falar no Wilson Center para celebrar a memória do juiz Louis Brandeis, que foi nomeado pela Suprema Corte dos EUA pelo presidente Woodrow Wilson cem anos atrás”, observou Moro. “Brandeis uma vez disse que ‘a luz do sol é considerada um dos melhores desinfetantes’.”
A menção de Moro a Brandeis, um “juizão” americano, no centenário de sua elevação à Suprema Corte, torna tentador pensar que a grande contribuição do juiz de Maringá ainda esteja por vir e ocorrerá quando um ocupante do Planalto tiver a clarividência de alçá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
* PAULO SOTERO É JORNALISTA, DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE FO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS, EM WASHINGTON
extraídadeavarandablogspot
0 comments:
Postar um comentário