Entre o plenário e o presídio - HÉLIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - A menos que se admita que as atividades parlamentares são compatíveis com as de reeducando do sistema penal, o deputado federal e presidiário, Natan Donadon, teria de ter sido excluído dos quadros do Congresso. E, se fôssemos com um gravador na mão perguntar aos legisladores o que acham, a maioria concordaria. O resultado do caso Donadon só foi diferente porque os parlamentares decidiram sua cassação acobertados pelo manto do voto secreto.
O modo clássico de explicar o disparate é decretar que nossos representantes são um bando de hipócritas corporativistas que apregoam uma coisa em público, mas fazem o oposto sob anonimato. Não duvido de que, em muitos casos, seja isso mesmo. Mas, para não perder toda a fé na democracia representativa, vale investigar hipóteses alternativas.
Uma delas é a de que a votação secreta altera não só a dinâmica do processo como também a própria forma de pensar dos deputados. Não é que eles estejam necessariamente mentindo quando dizem que a Câmara precisaria cassar sua bancada de presidiários. Eles provavelmente acham isso mesmo, quando analisam a questão em termos de imagem do Congresso, valor institucional etc.
O problema é que, em votações sigilosas, outras dimensões entram no cálculo. Donadon, afinal, era um colega. Talvez seja um sujeito gentil, é cristão, tem família para cuidar, está sofrendo. Não é incomum que, na hora da escolha, emoções prevaleçam sobre considerações racionais. Isso ocorre o tempo todo com o eleitor comum e é o que explica por que é possível prever qual político vencerá um pleito avaliando só a face dos concorrentes (num bom número de vezes, ganha o mais "bonito").
Já que nossos cérebros nos pregam esse tipo de truque, só o que resta é reduzir as instâncias em que têm a chance de fazê-lo. No caso do Congresso, isso significa eliminar de vez todas as votações secretas.
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