Ajusta ou empurra com a barriga? - SAMUEL PESSÔA
Um ajuste pode causar desemprego; empurrar com a barriga pode pôr lenha na fogueira da alta do dólar
Até quatro meses atrás, a estratégia do governo estava clara. O ensaio nacional-desenvolvimentista não conseguira produzir aceleração do crescimento, apesar de todos os esforços da política econômica: redução das tarifas de energia elétrica, elevação das tarifas de importação de inúmeros produtos, desoneração de diversos produtos, maiores desonerações para o exportador, elevadíssimos aportes de recursos ao BNDES, fortíssima redução da taxa básica de juros etc.
Esse pacote foi desenhado para detonar um grande ciclo de investimento e, com ele, acelerar o crescimento. Como já tive oportunidade de tratar neste espaço, minha interpretação é que esse conjunto de medidas desorganizou a regulação econômica, dificultou o planejamento empresarial e, como resultado, produziu o contrário do planejado: queda na eficiência de operação da economia e, consequentemente, do investimento.
Assim, a estratégia do governo era empurrar com a barriga até as eleições e pensar no que fazer após a reeleição. De fato era o mais prudente a ser feito.
Já havia indícios de que o governo abandonaria o ensaio nacional-desenvolvimentista. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista à imprensa, sinalizava o fim da política das campeãs nacionais, e o Banco Central dava mostras de retorno a uma política mais dura de combate à inflação.
Aparentemente o governo desistia do crescimento e focava a manutenção do baixo desemprego e, principalmente, o combate à inflação. Ocorrera uma clara ligação entre a primeira queda da popularidade da presidente, ainda antes das manifestações, e a inflação do tomate.
Acontece que a subida da taxa de juros de longo prazo na economia americana e, com ela, a desvalorização de inúmeras moedas de países emergentes ou de economias desenvolvidas muito dependentes da exportação de commodities --casos da Austrália e do Canadá, por exemplo-- atropelaram o calendário eleitoral brasileiro.
Para piorar o cenário, a moeda brasileira é das que mais têm sentido. A desvalorização acumulada do real ante o dólar de 3 de maio até a semana passada foi de mais de 20%, só ultrapassada pela rupia indiana.
Assim, a formulação da política econômica tem que enfrentar o seguinte dilema: ajustar ou manter a estratégia de empurrar com a barriga. O ajustamento vai requerer um pacote, mesmo que limitado, que resultará em alta do desemprego e desaceleração da economia para impedir que a desvalorização do câmbio impacte a inflação. Os custos políticos dessa estratégia são evidentes.
A dificuldade é que a estratégia de empurrar com a barriga pode colocar lenha na fogueira da desvalorização cambial e, portanto, mais inflação. Mais inflação pode ser ainda pior para a popularidade da presidente. Verdadeira escolha de Sofia.
Uma possibilidade é tentar estancar o movimento no mercado futuro de câmbio, que tem liderado a onda de desvalorização. Pode-se, por exemplo, colocar IOF para os agentes com posição comprada em moeda estrangeira na BM&F. A dificuldade é que essa medida pode iniciar uma corrida contra o real no mercado à vista, obrigando o BC a vender grandes volumes de reservas ou a aceitar cotações muito mais desvalorizadas.
Uma resposta possível a uma corrida contra o real seria a centralização do câmbio e, portanto, a eliminação da abertura da conta de capitais para a saída. Essa medida extrema representaria quebra contratual e colocaria nosso regime de política econômica muito próximo do praticado na Argentina.
Dessa forma, retornamos à escolha de Sofia. Um cardápio mínimo para a estratégia de ajustamento seria fazer um forte aumento do preço da gasolina, o que arrumaria as contas da Petrobras e do setor sucroalcooleiro e ajudaria muito na redução do desequilíbrio externo.
Deixar a política monetária livre para colocar os juros onde for necessário e desfazer as desonerações para a indústria, com o argumento de que foram desenhadas para um momento de forte valorização do câmbio e que deixaram de ser necessárias na atual conjuntura. E, finalmente, sinalizar um superavit primário de 2% do PIB, por exemplo, sem nenhuma dedução ou criatividade contábil.
No entanto, talvez ainda haja espaço para a estratégia de empurrar com a barriga. Vejamos.
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