RECEBI O ARQUIVO ABAIXO, DE AUTORIA DE PERCIVAL PUGGINA, POR E-MAIL DE UM AMIGO LEITOR DO BLOG. CLARO QUE DIVIDO COM OS AMIGOS.
AS PERNAS DA MENTIRA
Percival Puggina
Como são longas
as pernas da mentira insistentemente repetida por muitos! Uma delas
atropelou-me outro dia. Centenas de informações sustentam, na internet, que a
anistia de 1979 foi aprovada no Congresso pelo estreito placar de 206 votos a
201. Por essa vantagem mínima, a Arena empurrara a tal anistia goela abaixo
da oposição. Diante de informação tão homogênea e coincidente, eu a comprei
por boa e passei a repeti-la. No entanto, algo não abotoava. Duzentos e um
congressistas, adversários do regime militar, se teriam oposto à anistia?
Seria paradoxal. Por que rejeitariam um projeto que beneficiou milhares de
parceiros? Pesquisando, tropecei noutra das longas pernas em que essa
história caminha através dos anos: o projeto teria sido rejeitado pela
oposição porque se tratava de uma auto-anistia que só interessava aos militares.
Oh, verdade! Oh,
história! O que fazem com vocês duas em nome da ideologia! Dia desses, soube
que o JB disponibiliza um arquivo digitalizado de seus jornais desde os anos
30. A edição do dia 23 de agosto de 1979 quebra a perna dessas mentiras.
Coisa feia. Fratura exposta. A véspera, dia da votação da anistia, fora
tumultuado no Congresso. Pressão nas galerias. Exaltados discursos. O projeto
do governo Figueiredo não anistiava quem tivesse participado de
"terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal". Para estes, as
duras penas da lei. Mas havia uma emenda do deputado Djalma Marinho que
anistiava a todos, ampla, geral e irrestritamente. Essa emenda, levada a
votação, foi rejeitada por 206 votos a 201. Ah! Quer dizer que não houve 201
votos contra a anistia, mas 206 votos contra uma emenda que a ampliava? Os
201 votos que se diz terem sido contra o projeto de anistia, na verdade foram
a favor de uma anistia muito mais ampla? Sim, foi isso mesmo. Aliás, a
maioria parlamentar, a base do governo Figueiredo, entendia que os crimes
contra a pessoa, crimes de sangue, não mereciam perdão. Para quem os cometera
- a justiça. As penas da lei. Já o projeto em si - Lei nº 6683/79 - foi
aprovado em acordo, por voto das lideranças.
O país não se
pacificou. Nos seis anos seguintes, continuou a campanha pela anistia ampla,
geral e irrestrita, finalmente aprovada, em 22/11/1985, por um Congresso com
plena legitimidade democrática, no corpo da emenda que convocou a
Constituinte. Apesar de as coisas terem transcorrido desse modo, a história,
mal contada e muito repetida, sobre longas pernas, insiste, agora, em que a
desejada, pleiteada e ansiada anistia ampla, geral e irrestrita foi uma
injustiça. Curiosamente, reproduz a posição da bancada linha dura de 1979 e
clama pelas duras penas da lei. Anistia, não! Justiça! Justiça! Também acho
injusto que terroristas, guerrilheiros, assassinos e assaltantes responsáveis
por mais de uma centena de mortes andem soltos e recebendo gordas
indenizações. Digo outro tanto de quem torturou e seviciou. Tais impunidades
não são justas!
Mas sei que por
esse caminho não chegaríamos à normalidade democrática. O país só foi
pacificado, só recuperou saúde institucional quando a Política superou a
Justiça através da anistia de 1985. A anistia é um instrumento jurídico a
serviço da Política. Da boa Política! Há conflitos, na história, que não se
resolvem com Justiça, mas com Política. O passado não tinha conserto.
Consertou-se o futuro. Foi esse o bom rumo que o Brasil escolheu e que alguns
pernalongas, arrebatados pela ideologia do ódio, querem desandar.
Zero Hora, 29/07/2012
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