Recebi via e mail e repasso aos leitores.
Merval
Pereira
Embora dentro das normas constitucionais, a deposição
do presidente do Paraguai Fernando Lugo pelo Congresso tem claros indícios de
que foi o desfecho de uma disputa política que se desenrola praticamente desde
que ele chegou ao poder, cerca de 4 anos atrás.
Já houvera antes uma tentativa de impeachment quando surgiram as denúncias de vários filhos do ex-padre católico, dois dos quais ele já reconheceu. Há outros na fila.
O escândalo sexual não foi suficiente, no entanto, para que os opositores de Lugo conseguissem levar adiante a tentativa de impeachment, mas a tragédia recente em que morreram 11 camponeses de um movimento sem terra, e seis policiais, fez com que forças políticas majoritárias se unissem para acusá-lo de “mau desempenho de suas funções”, o que possibilitou o processo de impeachment.
Os agricultores sem terras da Liga Nacional de Acampados, que invadem propriedades e se instalam em tendas, receberam o aval público de Lugo, que os recebeu diversas vezes no Palácio do Governo e na residência presidencial, até que a 15 de junho seis policiais desarmados foram mortos durante a desocupação de uma fazenda em Curuguaty, a 250 km de Assunção.
A reação da polícia provocou a morte de 11 camponeses e a acusação de perda de controle pelo governo.
Mesmo que a motivação seja política, não é possível classificar de golpe o que aconteceu no Paraguai, sob pena de darmos razão ao hoje senador Fernando Collor de Mello que se diz vítima de um “golpe parlamentar”, e já chegou a reivindicar de volta seu mandato presidencial em entrevista.
O interessante é que Collor foi impedido pelo Congresso brasileiro num processo que teve a liderança do PT, tanto na atividade parlamentar quanto na mobilização dos chamados movimentos sociais para apoiar a decisão dos políticos.
Cassado, Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas, o que o leva a alegar que foi vítima de um golpe.
É uma incoerência completa, portanto, que o governo brasileiro acuse um processo congressual de ilegítimo, quando já tivemos essa experiência em nossa democracia recente.
A ameaça de expulsar o Paraguai do Mercosul, além de uma leitura equivocada da cláusula democrática da instituição, pode servir aos interesses da Venezuela, que até agora não foi aceita como membro pleno justamente por que o Congresso do Paraguai não deu a permissão, por considerar que a Venezuela não é um país democrático.
Essa aliás, é uma outra boa discussão, pois o governo brasileiro aceita todas as manobras feitas pelo governo de Hugo Chavez na Venezuela alegando justamente que elas, aprovadas pelo Congresso, são, portanto, legítimas. Lula chegou ao cúmulo de dizer que havia na Venezuela “democracia demais”.
Todos os governos “bolivarianos” da região – Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua – já promoveram diversas alterações em suas Constituições para aumentar o poder dos respectivos presidentes, em golpes seguidos à democracia utilizando-se de seus próprios instrumentos legais.
Aumentaram a composição da Suprema Corte, criaram obstáculos à liberdade de expressão, mudaram as regras eleitorais para favorecer o partido que está no governo, e alegam sempre que as alterações foram feitas com a aprovação do Congresso.
Mas quando o Congresso decide contra o governante “bolivariano”, desencadeia-se imediatamente um movimento regional de constrangimento a esses parlamentos, tentando usar a cláusula democrática como instrumento de pressão.
Agora mesmo os chanceleres da Unasul foram a Assunção para tentar parar o processo de impeachment contra Fernando Lugo, logo acusado de golpe. O chanceler Antonio Patriota foi com a instrução da presidente Dilma para “falar grosso”.
No caso de Honduras, em 2009, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno do presidente deposto Manuel Zelaya ao país, abrigando-o na embaixada brasileira. De acordo com a Constituição de Honduras, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos, vedada expressamente a reeleição.
Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública.
Foi exatamente o que Zelaya fizera, tentando mudar a Constituição através da convocação de um plebiscito. A cláusula pétrea da Constituição de 1982 de Honduras tinha justamente o objetivo de cortar pela raiz a possibilidade de permanência no poder de um presidente, pondo fim à tradição caudilhesca no país.
A preocupação tinha sentido: Honduras é o país inspirador do termo "República de bananas" ou "República bananeira" cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que, no livro de contos curtos Cabbages and Kings, (Repolhos e Reis) de 1904, usou pela primeira vez a expressão, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiado pelo governo dos Estados Unidos.
Mesmo com toda a pressão do governo brasileiro e dos demais países “bolivarianos”, que conseguiram, até mesmo expulsar o país da Organização dos Estados Americanos (OEA), como ameaçam fazer agora com o Paraguai no Mercosul, Honduras promoveu uma nova eleição e o presidente Porfirio Lobo está no governo, já tendo sido reconhecido por todos os demais países e retornado à OEA.
O ex-presidente paraguaio Fernando Lugo parece estar agindo com mais bom-senso do que os governos da Unasul, aceitando a decisão do Congresso
A presidenta do
Brasil (muito democrata) está furiosa com a decisão LEGAL do parlamento paraguaio.
Já houvera antes uma tentativa de impeachment quando surgiram as denúncias de vários filhos do ex-padre católico, dois dos quais ele já reconheceu. Há outros na fila.
O escândalo sexual não foi suficiente, no entanto, para que os opositores de Lugo conseguissem levar adiante a tentativa de impeachment, mas a tragédia recente em que morreram 11 camponeses de um movimento sem terra, e seis policiais, fez com que forças políticas majoritárias se unissem para acusá-lo de “mau desempenho de suas funções”, o que possibilitou o processo de impeachment.
Os agricultores sem terras da Liga Nacional de Acampados, que invadem propriedades e se instalam em tendas, receberam o aval público de Lugo, que os recebeu diversas vezes no Palácio do Governo e na residência presidencial, até que a 15 de junho seis policiais desarmados foram mortos durante a desocupação de uma fazenda em Curuguaty, a 250 km de Assunção.
A reação da polícia provocou a morte de 11 camponeses e a acusação de perda de controle pelo governo.
Mesmo que a motivação seja política, não é possível classificar de golpe o que aconteceu no Paraguai, sob pena de darmos razão ao hoje senador Fernando Collor de Mello que se diz vítima de um “golpe parlamentar”, e já chegou a reivindicar de volta seu mandato presidencial em entrevista.
O interessante é que Collor foi impedido pelo Congresso brasileiro num processo que teve a liderança do PT, tanto na atividade parlamentar quanto na mobilização dos chamados movimentos sociais para apoiar a decisão dos políticos.
Cassado, Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas, o que o leva a alegar que foi vítima de um golpe.
É uma incoerência completa, portanto, que o governo brasileiro acuse um processo congressual de ilegítimo, quando já tivemos essa experiência em nossa democracia recente.
A ameaça de expulsar o Paraguai do Mercosul, além de uma leitura equivocada da cláusula democrática da instituição, pode servir aos interesses da Venezuela, que até agora não foi aceita como membro pleno justamente por que o Congresso do Paraguai não deu a permissão, por considerar que a Venezuela não é um país democrático.
Essa aliás, é uma outra boa discussão, pois o governo brasileiro aceita todas as manobras feitas pelo governo de Hugo Chavez na Venezuela alegando justamente que elas, aprovadas pelo Congresso, são, portanto, legítimas. Lula chegou ao cúmulo de dizer que havia na Venezuela “democracia demais”.
Todos os governos “bolivarianos” da região – Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua – já promoveram diversas alterações em suas Constituições para aumentar o poder dos respectivos presidentes, em golpes seguidos à democracia utilizando-se de seus próprios instrumentos legais.
Aumentaram a composição da Suprema Corte, criaram obstáculos à liberdade de expressão, mudaram as regras eleitorais para favorecer o partido que está no governo, e alegam sempre que as alterações foram feitas com a aprovação do Congresso.
Mas quando o Congresso decide contra o governante “bolivariano”, desencadeia-se imediatamente um movimento regional de constrangimento a esses parlamentos, tentando usar a cláusula democrática como instrumento de pressão.
Agora mesmo os chanceleres da Unasul foram a Assunção para tentar parar o processo de impeachment contra Fernando Lugo, logo acusado de golpe. O chanceler Antonio Patriota foi com a instrução da presidente Dilma para “falar grosso”.
No caso de Honduras, em 2009, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno do presidente deposto Manuel Zelaya ao país, abrigando-o na embaixada brasileira. De acordo com a Constituição de Honduras, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos, vedada expressamente a reeleição.
Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública.
Foi exatamente o que Zelaya fizera, tentando mudar a Constituição através da convocação de um plebiscito. A cláusula pétrea da Constituição de 1982 de Honduras tinha justamente o objetivo de cortar pela raiz a possibilidade de permanência no poder de um presidente, pondo fim à tradição caudilhesca no país.
A preocupação tinha sentido: Honduras é o país inspirador do termo "República de bananas" ou "República bananeira" cunhado pelo escritor americano O. Henry, pseudônimo de William Sydney Porter, que, no livro de contos curtos Cabbages and Kings, (Repolhos e Reis) de 1904, usou pela primeira vez a expressão, que passou a designar um país atrasado e dominado por governos corruptos e ditatoriais, geralmente na América Central.
O principal produto desses países, a banana, era explorado pela famosa United Fruit Company, que teve um histórico de intromissões naquela região, especialmente Honduras e Guatemala, para financiar governos que beneficiassem seus interesses econômicos, sempre apoiado pelo governo dos Estados Unidos.
Mesmo com toda a pressão do governo brasileiro e dos demais países “bolivarianos”, que conseguiram, até mesmo expulsar o país da Organização dos Estados Americanos (OEA), como ameaçam fazer agora com o Paraguai no Mercosul, Honduras promoveu uma nova eleição e o presidente Porfirio Lobo está no governo, já tendo sido reconhecido por todos os demais países e retornado à OEA.
O ex-presidente paraguaio Fernando Lugo parece estar agindo com mais bom-senso do que os governos da Unasul, aceitando a decisão do Congresso
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