Marlice Pinto Vilela, Gazeta do Povo
A agenda ideológica do governo Lula para a educação já está se concretizando, como mostra o documento que servirá de base para as discussões da Conferência Nacional de Educação (Conae), a ser realizada em janeiro. Promoção da ideologia de gênero, freio no avanço da educação domiciliar e oposição ao agronegócio em sala de aula são alguns dos inúmeros pontos dispostos no material que foi divulgado pela Presidência da República e o MEC na última quarta-feira (18).
O objetivo da Conae é levantar propostas para o Plano Nacional de Educação (PNE), que deve orientar as políticas públicas na área de 2024 a 2034. Ao invés de estratégias para melhorar a qualidade da educação do país, o texto está repleto de questões político-ideológicas, incluindo até pautas sindicais como piso salarial de professores.
O material propõe que o Sistema Nacional de Educação (SNE) fomente condições institucionais que permitam o debate e a promoção da diversidade “de gênero e de orientação sexual”, sugerindo a formulação de “políticas pedagógicas e de gestão específicas para este fim”. Em outro trecho, considera a necessidade de uma contraposição urgente “às políticas e propostas ultraconservadoras”, garantindo a “desmilitarização das escolas”, “o freio ao avanço da educação domiciliar (homeschooling)” e “às intervenções do movimento Escola Sem Partido e dos diversos grupos que desejam promover o agronegócio por meio da educação”.
Crítica a padrões de qualidade e nivelamento por baixo
“Entrou a parte política, mas a parte que saiu é justamente a de qualidade de educação”, comenta Anamaria Camargo, mestre em educação e diretora-executiva do Instituto Livre pra Escolher. A especialista explica que a meta 7 do PNE, que estipula padrões específicos de qualidade, é duramente criticada neste documento base. Segundo ela, “boa parte dessa pauta política e ideológica que está nesse documento traz práticas que vão contra o que já é comprovadamente benéfico para a educação”.
“É um plano de educação para não ter nenhuma métrica efetiva para aprendizagem e desempenho. Eles dizem explicitamente que isso não deve ser medido”, explica Camargo. O texto afirma que “a Meta 7 ao atrelar a qualidade a uma compreensão de avaliação, que prioriza os testes estandardizados e elege o resultado do desempenho dos(as) estudantes como sinônimo de qualidade, não contribui para essa finalidade educativa”.
Para os elaboradores, a qualidade educacional está ligada a questões sociais de minorias. “O que eles chamam de qualidade social da educação é ver se tem professor especializado em educação quilombola, na educação de campo do MST, em promoção da diversidade da orientação sexual”, comenta.
A questão da equidade é outro ponto que Camargo acredita que merece atenção. “Quando você fala em equidade na educação, você está falando de igualdade de resultados. Não significa igualdade de oportunidades”, explica. Para a especialista, quanto mais exigência acadêmica – oferecendo os insumos necessários – e mais exigência em relação ao comportamento dos alunos, melhores serão os resultados.
Crianças e adolescentes marginalizados devem ser ainda mais exigidos por professores para se aproximar dos resultados dos que estão à frente. Mas, segundo ela, o documento vai na direção oposta ao exigir menos de todo o grupo de alunos, para incluir os que são vulneráveis socialmente. “É nivelar o ensino da maneira mais rasteira possível”, conclui.
Novo ensino médio é tratado como “agenda neoliberal”
O texto pede explicitamente a revogação de políticas como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Base Nacional Comum Formação e a reforma do novo ensino médio, que são tratadas como “agendas neoliberais”. A execução do novo ensino médio foi suspensa por 60 dias pelo Ministério da Educação em abril deste ano, por interesses políticos, como mostrou a Gazeta do Povo. Os professores da base do governo atual não estariam satisfeitos em relação à perda de carga horária e a necessidade de mais formação.
A princípio, os itinerários básicos não contariam com disciplinas como sociologia e filosofia, o que também foi criticado no documento base da Conae. O texto diz se opor explicitamente à retirada de “disciplinas importantíssimas para a formação plena e para a cidadania, como sociologia, filosofia e artes” do currículo.
Oposição ao agro e pautas sindicais
A ideia de oposição à promoção do agronegócio pode ser uma resposta ao trabalho da ONG “De olho no material”, criado por um grupo que se intitula como “mães do agro”. A proposta da ONG é combater as distorções de conteúdos sobre agronegócio nos livros didáticos e solicitar a correção dessas desinformações. A adesão à ONG teve um crescimento considerável desde que foi fundada, em 2021. Segundo seus organizadores, o número de associados aumentou em 158%.
O Fórum Nacional de Educação foi o responsável por coordenar a formulação do documento. A equipe contou com representantes de mais de 50 instituições, entre elas MST, CUT, UNE, CNTE e ABGLT. Também participaram secretarias do MEC, autarquias, órgãos e entidades do setor como Inep, Capes e Undime. Com o envolvimento considerável de sindicatos, um dos eixos é voltado para as pautas dessas agremiações, como a valorização de profissionais da educação através da garantia do direito ao “piso salarial e carreira e às condições para o exercício da profissão e saúde”.
Próximos passos
O documento base da Conae já está sendo discutido em âmbito municipal, estadual e nacional pela comunidade envolvida no setor. As etapas municipais vão até dia 28 de outubro e as estaduais devem acontecer entre 6 e 19 de novembro, segundo o MEC. Anamaria Camargos sugere que os cidadãos procurem participar ativamente dos encontros regionais que, segundo ela, estão sendo pouco divulgados.
“A sociedade civil precisa se organizar de uma maneira mais disruptiva. As crianças vão aprender cada vez menos, se a sociedade não se organizar para atender essas crianças e ensiná-las de algum jeito”, afirma a especialista.
A etapa nacional está prevista para acontecer de 28 a 30 de janeiro em Brasília. Após a conclusão na Conae, as sugestões devem seguir ao MEC para a formulação do texto final que ainda será apreciado no Congresso
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