Percival Puggina
Alguém aí tem dúvidas sobre o resultado da votação que vai ao plenário do STF com relação à descriminalização do aborto? É certo que não. Lá, os votos são contados antes de pronunciados. Lá, a agenda corrosiva do falso progressismo, traduzida e xerocada do inglês, está em pleno curso. Lá, as visões de pessoa humana, sociedade, estado, política, economia e, frequentemente, de justiça e de direito, são peculiares e comuns a um corpo político bem conhecido que está na origem da unção que os levou ao poder.
Por vezes, os cavalheiros e damas que ali atuam dão sinais de terem à disposição um gentil e bajulador espelho mágico. Crendo-se deuses, não precisam olhar para os réus a quem condenam, como jamais verão os pequenos seres a quem se propõem negar o direito de viver.
Você provavelmente não lembra quem é Amillia Taylor. No entanto, em 2007, jornais do mundo inteiro falaram desse bebê, nascido na 21ª semana de gestação, medindo pouco mais de um palmo, com o peso de uma barra de sabão. Exatos 24 centímetros e 284 gramas. O caso de Amillia permanece como severíssima reprimenda ao egoísmo e à insensibilidade dos abortistas.
Depois da foto da menina, reclinada sobre a mão do médico, com seus pezinhos de dois centímetros, deveria ter ficado proibido para todo o sempre tratar feto como coisa. E não haveria diferença se a foto fosse tirada semanas para trás ou para frente. A natureza permanece a mesma, assim como você, leitor, dentro de dois ou três meses, não terá deixado de ser o que é. Estará apenas dois ou três meses mais velho. Amillia, até nascer, obtinha da mãe os mesmos nutrientes que passou a receber do hospital. Os mesmos que fizeram dela a adolescente que completará 16 anos no próximo dia 24 de outubro. No útero, era tão dependente de cuidados para sobreviver quanto qualquer bebê após o parto. Mesmo assim, há quem encare com frieza polar, com coração de picolé, o ato covarde de arrancar Amillias aos pedaços dos ventres maternos. Por que não fazem isso com alguém do tamanho deles?
A que título o fazem? Não raro sob o indecente argumento de que a mulher é dona do próprio corpo, onde se haveria infiltrado, insidioso, um monstrengo qualquer, um bebê de Rosemary, ou um tumor a exigir radical extirpação. Noutras vezes, mediante alegações emocionais concebidas para justificar o injustificável. É claro que podem ocorrem fortíssimos motivos, para um aborto voluntário. Terríveis dramas pessoais! Mas motivos não são razões da razão. Motivos igualmente fortes também levam a outros crimes e podem ser acolhidos como atenuantes, jamais como legitimação. E, menos ainda, podem originar leis que os liberem ou os regulamentem. Acolher motivos como se razões fossem seria a falência da própria razão e do Direito Penal. Mas quem se importa, se o espelho mágico adulador concede a certas canetas o poder negacionista e terraplanista de revogar a ciência, expurgar o óbvio e recusar à pequena Amillia sua natureza humana.
É a pedra no meio do caminho para a grande chacina. O argumento que não conseguem contornar é a incongruência de legitimar a eliminação de vidas humanas inocentes e indefesas (olhem a agravante aí!) quando a mesma sociedade que o faz preserva, justificadamente, os santuários ecológicos e até os períodos de reprodução de muitas espécies animais e vegetais.
A vítima do aborto é um Pequeno Polegar(*) sem sorte. Tivesse bota de sete-léguas sairia em disparada do cativeiro mortal onde o ogro o vem buscar. E o faria com o mesmo desespero com que enfrenta as pinças que o despedaçam.
* Personagem de um clássico de literatura infantil, dos Irmãos Grimm.
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