Batemos boca, namoramos politicamente e vivemos golpes para bloquear mudanças
Roberto DaMatta:
Vira e mexe, volta e meia, o Brasil, achado por Cabral e governado por Dom João Fujão e os Pedros, da noite para o dia republicou, revela– nu e cru – o seu lado sombrio (da escravidão como indústria e estilo de vida) e mostra seu autoritarismo estrutural. Ele se espreguiça no seu berço esplêndido somente para surgir nos pesadelos dos apadrinhamentos, da corrupção-brás, da política de irracionalidade, do você sabe com quem está falando e das variadas e criativas edições de um mandonismo regulado e bem-comportado, porém, invisível ou inconsciente, balizado pelo axioma segundo o qual nada se nega a um “conhecido” ou amigo.
Batemos boca, namoramos politicamente e vivemos golpes para bloquear mudanças. Cabe perguntar: mudanças para onde, se o sentimento geral é que andamos a passos largos de volta para um gozoso retorno que nos leva a um fascinante Nietzsche e à vaporosidade dos personagens do Kundera ou ao seu pesado peso?
A essa afinidade com o chumbo da má-fé, da hipocrisia e da intriga que marcam o nosso ideal de esperteza malandra.Em junho de 2013, protestos se espalharam pelo País no que ficou onhecido como Jornadas de Junho, que muitos estudiosos classificam como um ponto de virada na República brasileira.
O fato é que não viramos ingleses, nem franceses como gostariam nossos avós mulatos ou pretos envergonhados como sub-raça. Tampouco fomos imperializados pelos ianques contentes em nos ter como consumidores de Coca-Cola, de O Vento Levou... e de Madona e Sinatra. Dos revolucionários russos que hoje se envergonhariam de um Putin que comprova o elo entre gangsterismo e política, com o bom tempero da guerra imperialista, sobra uma tênue tintura dita “comunista” que, como papagaio, repete chavões somente num Brasil boçalizado – no qual existe dosimetria de mil anos, mas não há prisão perpétua e os juízes, fantasiados de bispos, têm privilégios e empreendimentos que eles não hesitam em condenar nos outros.
Um velho brasilianista enfermo e amigo do coração me questiona, provocador: vocês provam o mito do eterno retorno! Do horror de viver repetições porque vocês colocam o fim sem medir os meios e odeiam o trabalho rotineiro que é o traço distintivo do verdadeiro realizar.
Eu furto, você descobre e me denuncia. Sou preso. O tempo mostra que eu fazia o mais razoável do que faz o novo escolhido que prova ser muito mais desanimador que eu. O legalismo é ativado e o pêndulo retorna. As massas falam e tudo volta ao que era antes. Todos ficam felizes. Happy end? Não. Começo de um outro retorno, com os mesmos atores e suas parcas ideias. Mas com a vantagem de que o drama é conhecido. Eu sou você daqui a pouco. A violenta ameaça de extirpá-lo ou liquidá-lo revela que ainda não descobrimos que temos mão direita e esquerda... e uma cabeça que a polarização não deixa lembrar Nietzsche ficaria perplexo. E nós, brasileirinhos que adoramos ser enganados porque somos muito espertos, repetimos. É a vida...
Estadão
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