Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 24 de julho de 2023

'Barbie x Tarzan. Ou você acha que nada disso o afeta?',

 por Paulo Polzonoff Jr.


Não assisti a “Barbie”. Digo, assisti ao trailer e a alguns trechos disponíveis nas redes sociais. Também acompanhei com um espanto quase senil as hordas de mulheres e marmanjes que se vestem de rosa para ir aos cinemas. De qualquer forma, foi entre o tédio e o medinho de ser considerado um chato que acompanhei essa adoração em massa da futilidade. Do vazio que se preenche com o nada.

Até por isso não pretendia escrever sobre o fenômeno. Mas aí vi que diante de cada cinema instalaram um estandarte da vitória da Escola de Frankfurt. E mais uma vez politizaram algo que não é do reino da política, e sim do espírito. No meio dessa disputa, qual não foi minha surpresa ao encontrar ele, o materialista liberal. Sentenciando direita e esquerda ao inferno do centrismo amoral e batendo no peito para dizer que o filme do momento “é apenas uma diversão”.

Não é. Dos idiotas úteis de todas as colorações partidárias, aliás, esse é o que me causa mais repulsa: aquele que se recusa a entender o estrago que um filme “só divertido” é capaz de causar à alma – própria e alheia. Ou então aquele que valida o caráter moral (quando não estético!) do produto cultural com o famigerado argumento do sucesso. E quem discordar, já sabe: é invejoso.

Arrisco-me a dizer que há ao menos 60 anos não existe produto cultural que seja politicamente neutro e espiritualmente inócuo. No cinema, na literatura, nas artes plásticas, na música e na arquitetura, a contemplação e a busca pela beleza deram lugar a discursos e a libelos, uns mais velados e outros mais explícitos. Prova disso é o estrago provocado por séries geniais sobre o nada e livros e filmes e músicas que são só divertidos. Ou você acha que essa avalanche de niilismo não o afeta?


OOoOOoOooOOooOOOoooOOO

A questão é saber como e por que os produtos culturais, uma vez transformados em veículos de propaganda, passaram a defender valores contrários ao que vou chamar de bom senso. Ou tradição. Ou Lei Natural. Será que as plateias desejam essa transgressão vazia e orgulhosa? Ou será que esses valores nos são impostos? E é aqui que, pulando de cipó em cipó, chega a este texto ele, Tarzan, o rei das selvas. OOoOOoOooOOooOOOoooOOO.

Em “Tarzan Contra o Mundo”, por exemplo, três cenas chamaram minha atenção por expressarem ideias hoje restritas ao que os críticos chamariam de “filmes hiperultramegaconservadores”. São cenas cujos diálogos fazem referência à busca pelo bem. Na primeira, caçadores que pretendem levar o filho de Tarzan para o circo enfrentam a resistência do ético piloto do avião. “Ficou religioso de repente?”, pergunta o vilão. Ao que o piloto responde: “Prefiro andar na linha quando posso. Facilita as coisas”.

O diálogo de poucos segundos basta para que o espectador entenda que, se ele pretende se aliar ao almejável lado do bem, precisa “andar na linha”. Mais do que isso, o espectador entende que a religião é inimiga da vilania. Adiante, Tarzan e Jane estão indo para Nova York. Chegando à cidade, Tarzan pergunta por que os “nativos” vivem naquela selva de pedra. “[A cidade] os ajuda a concentrarem seus esforços e a fazerem as coisas mais rápido”, explica Jane, bancando a liberal cosmopolita. Tarzan insiste em questionar o porquê dessa pressa toda. “Só os sábios sabem responder a isso”, diz ela.

Será que sabem mesmo? Aqui vale notar o estranhamento do matuto diante de algo que, na correria do cotidiano, nos passa batido: a glorificação da eficiência pela eficiência. Afinal, o que fazemos com o tempo que economizamos com tanta tecnologia? Ajudamos nossos semelhantes, adoramos a Deus ou passamos duas horas num cinema absorvendo o ideário progressista, identitário, materialista, consumista e fútil de “Barbie”?

Por fim, já nas últimas cenas do filme, Tarzan está diante de um juiz que o sentencia à prisão por desacato e resistência. Em seguida, porém, e “levando em consideração o motivo que causou os delitos”, o juiz o perdoa. Tarzan, alheio aos códigos da civilização, conclui com aquela ingenuidade que lhe é característica: “Lei boa. Juiz bom”. E, assim, com apenas quatro palavras o filme ensina ao espectador que as leis de nada servem se não forem justas e se não estiverem nas mãos de homens bons, decididos a aplicá-las com benevolência e sabedoria. Qualquer dessemelhança com o Brasil de hoje não é mera coincidência.

Gazeta do Povo
















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