editorial do Estadão Evidente critério partidário na nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE desrespeita o corpo técnico da instituição, responsável pela produção de dados oficiais do País
A nomeação do economista Márcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi um insulto do presidente Lula da Silva à instituição. Primeiro – e mais grave – por se tratar de indicação exclusivamente política de um quadro do PT para um órgão essencialmente técnico, ignorando o compromisso que o próprio Lula, emocionado, assumiu ao tomar posse; segundo, por apartar do processo de escolha o Ministério do Planejamento, ao qual o instituto é vinculado. E tudo isso coroa uma inaceitável interinidade de quase oito meses no comando do IBGE, algo particularmente grave em ano de divulgação do Censo Demográfico.
Pochmann é uma escolha pessoal, político-partidária e ideológica de Lula da Silva. Economista de incapacidade amplamente reconhecida no meio acadêmico, optou pela atuação política, como mostram as duas candidaturas derrotadas à prefeitura de Campinas (2012 e 2016) e o comando de órgãos ligados ao PT, como o Instituto Lula e a Fundação Perseu Abramo.
Em 2007, Lula, então em seu segundo mandato, nomeou Pochmann para a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nos cinco anos em que o economista esteve na função, pesquisadores renomados, mas com visão contrária à dele, foram afastados. Dizendo que o Ipea não era operador do mercado financeiro, Pochmann suspendeu a divulgação trimestral do Boletim de Conjuntura, com projeções das principais variáveis macroeconômicas, muitas vezes desfavoráveis ao governo.
Mas a maior polêmica de sua gestão foi um concurso para a contratação de 62 pesquisadores cujo conteúdo foi duramente criticado pelo forte direcionamento político. Funcionários fizeram, na época, carta aberta em protesto. A direção do Ipea alegou que pretendia mudar o perfil de sua equipe de pesquisa. Funcionários reclamavam de aparelhamento político e da orientação de estudos que respaldassem políticas de governo. O papel do instituto é exatamente o oposto: promover, de forma às vezes contrária às práticas e convicções do governo vigente, estudos que possam orientar políticas públicas.
Se o aparelhamento do Ipea foi ruim para o País, a eventual submissão do IBGE aos interesses petistas seria um desastre. Maior fonte de produção e análise de dados estatísticos oficiais do País, o IBGE fundamenta políticas públicas adotadas pelos governos em todos os níveis. Segue os princípios da ONU definidos em 1994 e, há dez anos, fez ampla revisão de processos para a definição de seu Código de Boas Práticas Estatísticas. Tem um corpo técnico de excelência e funcionários dedicados.
A bem da verdade, faz anos que o IBGE está sendo desrespeitado por gestões federais dos mais diferentes espectros políticos. Sofreu enxugamento abrupto de pessoal desde o governo Collor; viu crescer de forma desproporcional o nível de terceirização que levou a erros em pesquisas durante o governo Dilma; foi deixado à míngua na gestão Bolsonaro. Previsto inicialmente para 2020, o Censo Demográfico que está sendo divulgado neste ano teve o orçamento decepado na gestão Bolsonaro, chegou a ser suspenso e só foi realizado no ano passado depois da intervenção do Supremo Tribunal Federal.
Ao escolher para a presidência do IBGE não um técnico reconhecido na área, mas um fiel sabujo do PT, Lula lança sobre o instituto a sombra da desconfiança. A produção de estatísticas oficiais é uma atividade que depende, acima de tudo, de credibilidade. Sobre este trabalho não pode haver a menor dúvida ou suspeita de influência política – o IBGE, recorde-se, calcula todas as variáveis econômicas que servem de baliza para tomadores de decisão públicos e privados e afere mudanças de costumes e hábitos da população, o que permite aos administradores conhecer o País em detalhe.
O nível de excelência técnica é uma marca do IBGE; e a imparcialidade, um compromisso inquebrantável – tanto que, na divulgação das pesquisas, técnicos e coordenadores se negam a fazer ilações, estimativas ou qualquer tipo de análise que ultrapasse o limite do que mostram os dados. Por ora, não há razão para duvidar que tudo continuará assim. Mas melhor mesmo seria se o IBGE remunerasse o sr. Pochmann para ficar em casa.
Editorial do Estadão
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