Depois que soltaram o ex-presidiário Lula e o puseram no Palácio do Planaldo, a boiada passa fácil
Resumo desta reportagem:
Série de decisões recentes de ministros do STF e do STJ que demonstram maior tolerância ao tráfico de drogas anularam provas diversas de crimes de tráfico e devolveram às ruas criminosos condenados, alguns deles líderes de facções.
Novas interpretações dos tribunais superiores têm gerado impactos diretos à segurança pública e prejudicado especialmente o combate ao narcotráfico. Para especialistas, insegurança jurídica a policiais cresce em escala sem precedentes.
Além de anular provas, entendimentos amplamente restritivos a abordagens policiais vêm inviabilizando as buscas pessoais, importante recurso para localização de drogas, armas e outros objetivos ilícitos.
No início de junho, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular a apreensão de 695 quilos de cocaína encontrados pela Polícia Federal (PF) no Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro. A localização dos entorpecentes foi possível devido a uma denúncia anônima recebida pela polícia em operação que também prendeu em flagrante dois traficantes que estavam no local.
Mas os ministros, por unanimidade, invalidaram as provas sob a justificativa de que os policiais entraram no local sem um mandado de busca e apreensão – como resultado, os dois traficantes foram inocentados do crime de tráfico de drogas.
Já no mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu absolver um homem condenado por tráfico de drogas sob a alegação de que a confissão do criminoso aos agentes sobre o local onde armazenava 257 pinos de cocaína havia sido feita sob “estresse policial” e, por isso, não poderia ser considerada para comprovar a prática do crime. Vale destacar que não houve registro de tortura nem nenhum tipo de abuso por parte dos policiais no caso em questão.
Decisões como essa não são novidade e fazem parte de um expressivo movimento de magistrados das altas cortes para criar seguidos obstáculos para o combate ao narcotráfico. Essas medidas, na prática, traduzem-se em sucessivas invalidações de provas, libertação de criminosos presos em flagrante com vasta quantidade de entorpecentes e criação de restrições sem precedentes à atividade policial.
E, logicamente, as consequências não se restringem aos processos que tramitam nas altas cortes, uma vez que os entendimentos devem ser seguidos por todos os tribunais inferiores, implicando em consequências dramáticas à segurança pública de todo o país.
A título de exemplo, em março deste ano o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS) absolveu um homem que confessou armazenar nada menos do que duas toneladas de entorpecentes em sua residência. O argumento dos magistrados foi de que o fato de ter havido uma denúncia anônima não constitui fundada suspeita e, portanto, não legitimaria a entrada dos policiais na casa sem mandado judicial – entendimento bastante semelhante ao usado na recente decisão do STF mencionada no início da reportagem.
“Nos últimos anos temos visto que especialmente o STJ tem dado interpretação restritiva ao conceito legal, estipulado no Código de Processo Penal (CPP), da fundada suspeita para abordagem e para a prisão em flagrante. Curiosamente vemos essas interpretações restritivas mais presentes em flagrantes de tráfico de drogas”, diz o promotor de Justiça Bruno Carpes, membro do núcleo de pesquisa e análise da criminalidade da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais.
Decisão do STJ que restringiu abordagens fragilizou gravemente o combate à criminalidade
Uma série de decisões da Justiça que tem invalidado apreensões de drogas e outros ilícitos e, como consequência, anulado condenações, tem como base uma decisão proferida no ano passado pela Sexta Turma do STJ, que criou restrições para as abordagens policiais.
O art. 244 do CPP determina que a busca pessoal independe de mandado judicial nos casos em que há “fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”.
Sob a alegação de coibir o “racismo estrutural”, entretanto, o STJ definiu que as buscas pessoais feitas por agentes de segurança são ilegais caso sejam realizadas sob a alegação de atitude suspeita ou mesmo a partir de denúncias anônimas. Como exemplo, no início deste mês o ministro do STJ Sebastião Reis Júnior usou esse entendimento para inocentar um chefe do tráfico do PCC condenado a dez anos de prisão.
O ministro entendeu que a abordagem policial, que resultou na localização de dois quilos de cocaína com o traficante, foi “invasiva”. Segundo ele, não havia elementos suficientes para justificar a busca pessoal no rapaz e, portanto, a ação policial que localizou as drogas teria sido ilegal.
Segundo os autos, no dia da prisão, ao se deparar com uma patrulha da PM, o traficante subiu em uma calçada com sua moto, aparentando nervosismo, o que motivou a abordagem. Durante a busca pessoal, o rapaz chegou a quebrar o celular para tentar apagar mensagens sobre a atuação da facção criminosa da qual pertencia. Mesmo assim, para o magistrado, a ação da polícia foi ilegal, e o traficante foi inocentado.
Novas interpretações caminham para inviabilizar abordagens policiais, diz jurista
Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública e fundador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), explica que apesar de as abordagens policiais sempre terem sido compreendidas como válidas desde que o policial tivesse a fundada suspeita da prática de um crime, alguns magistrados passaram a invalidar a maior parte das provas coletadas pelos agentes nas ruas.
“Inicialmente alguns começaram a entender que se o indivíduo fica nervoso [ao se deparar com a presença policial], ou tenta se desvencilhar da guarnição, não é considerado mais fundada suspeita. Aí se estendeu que se ele correr também não é. Se ele fugir e se abrigar numa casa, ainda assim não há fundada suspeita”, explica Rebelo.
“Então se começou a invalidar praticamente tudo o que o policial usa ou sempre usou como fundada suspeita para uma abordagem. Esse sequenciamento de novos entendimentos em relação à fundada suspeita vêm fragilizando enormemente a atuação policial”, declara o pesquisador. “Caso isso prossiga, futuramente não teremos mais nenhuma situação que seja compreendida como válida para autorizar uma abordagem”, aponta.
A nova forma que a Justiça tem enxergado a legalidade das abordagens policiais também vem alcançando as que são feitas em veículos suspeitos e pode inibir um dos recursos mais efetivos das forças policiais para identificar grandes quantidades de drogas, além de armas de fogo e demais objetos contrabandeados.
No final de maio, a Polícia Militar Rodoviária de São Paulo celebrou a segunda maior apreensão de drogas da história da corporação – foram 12 toneladas de entorpecentes retirados de circulação. Seguindo estritamente o novo entendimento, entretanto, tal apreensão não seria possível: foi justamente o comportamento suspeito do motorista ao se deparar com a viatura que originou a desconfiança dos policiais e, por fim, culminou na abordagem.
Decisões polêmicas envolvem anulação de provas de André do Rap e devolução de helicóptero ao tráfico
Uma sequência de decisões recentes de ministros do STF e STJ fizeram com que um dos principais líderes do PCC, conhecido como “André do Rap”, deixasse a prisão e retomasse seus bens que haviam sido apreendidos pela polícia – o que incluiu um helicóptero do traficante avaliado em R$ 7,2 milhões, que estava sendo utilizado pelo governo de São Paulo para transporte de órgãos, e uma lancha estimada em R$ 6 milhões.
Recentemente, no dia 12 de abril, o STJ decidiu anular provas coletadas pela polícia e encerrar investigação contra André do Rap, cuja condenação ultrapassava os 25 anos de prisão. A justificativa do relator, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, foi de que a ação policial teria sido ilegal porque os policiais fizeram busca e apreensão, colhendo provas que incriminaram o traficante, quando a ordem judicial autorizava apenas a prisão.
Foi nessa decisão que os ministros ordenaram que a Polícia Civil de São Paulo devolvesse todos os bens do traficante, incluindo a aeronave, que na semana anterior à devolução havia carregado um coração para transplante em uma criança. A decisão do STJ determinou que o helicóptero fosse devolvido antes mesmo da publicação do acórdão com a decisão dos ministros, o que impediu que o Ministério Público recorresse da ordem de devolução.
Vale recordar que, em 2020, o STF concedeu habeas corpus a André do Rap, devolvendo o traficante às ruas. Diante de uma forte onda de críticas à Corte, a decisão foi revogada. No entanto, a essa altura o criminoso já havia sido solto e não foi mais capturado.
“Essas novas interpretações dos tribunais superiores causam grande preocupação tanto à segurança nacional quanto à segurança pública de modo geral. Isso também vem dificultando o trabalho dos policiais, que são autoridades que necessitam de balizas legais para dar segurança jurídica à sua atuação e aos cidadãos”, afirma Bruno Carpes.
Para o promotor de Justiça, essas mudanças passaram a se intensificar com o ingresso de novos ministros que, enquanto advogados, promotores ou juízes, mantinham identificação com pautas como a descriminalização das drogas, com o entendimento de que a repressão às drogas gera mais custos do que benefícios à sociedade. “Contudo relembro que a Constituição Federal, em seu art. 5º, enquadra o crime de tráfico de drogas como equiparado a hediondo. Ou seja, o constituinte originário determinou a todos os órgãos públicos – o que inclui, por óbvio, o poder Judiciário – que o crime de tráfico de drogas seja tratado com maior severidade, com maiores sanções”, enfatiza.
Gabriel Sestrem, Gazeta do Povo
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