por Rodrigo Constantino
Seus colegas alertaram para o perigo: não é prudente ter um animal desses dentro de casa, pois tais aracnídeos são venenosos e é impossível confiar neles
Era uma vez um tucano, com seu enorme e colorido bico, que ostentava com muito orgulho e vaidade. Ah, se tinha uma característica que definia esse tucano era a sua vaidade! Todos os dias ele olhava seu reflexo no lago antes de sair para suas atividades e pensava: “Não existe bicho mais belo do que eu nesta floresta inteira”.
Mas nosso tucano era também excêntrico, e cismou que queria ter um escorpião de estimação. Seus colegas alertaram para o perigo: não é prudente ter um animal desses dentro de casa, pois tais aracnídeos são venenosos e é impossível confiar neles. Podem até parecer tranquilos e quietos durante o dia, mas na calada da noite costumam partir para o ataque.
Uma sábia coruja ainda tentou persuadir o tucano: esses lacraus vivem há milhões de anos, são seres muito adaptáveis, resistem a quase qualquer clima, e nada disso é por acaso. Eles se adaptam, enfrentam as adversidades, e soltam seu veneno em suas vítimas quando interessa. Até canibalismo praticam, pois quando é questão de vida ou morte um escorpião não se importa de comer outro escorpião.
Os escorpiões conseguem comer quantidades imensas de alimento, mas conseguem sobreviver com 10% da comida de que necessitam, podendo passar até um ano sem comer e consumindo pouquíssima água, quase nada durante sua vida inteira. São, enfim, sobreviventes, e isso configura uma ameaça a todas as presas em potencial. Por que o tucano estava tão seguro de que seria poupado?
O tucano, muito gentil e educado, agradeceu pelos conselhos da velha coruja, mas nada o fazia tirar essa ideia maluca da cabeça: ele teria um escorpião em casa, pois achava o bicho encantador. Saiu em busca de um bem ameaçador, com aquele ferrão erguido no final da cauda pronto para abater a vítima. Ao encontrar um, pegou-o com o bico com carinho e o levou para sua casa na árvore.
O escorpião, para a surpresa dos colegas do tucano, comportou-se como um animal civilizado, sem nenhuma tentativa de aplicar seu veneno à ave que o adotara. Um ano se passou, e ambos — tucano e escorpião — conviviam de forma amigável. Mas o escorpião começou a ferrar colegas do tucano, o que incomodou a ave bicuda, mas não a ponto de abandonar seu bichinho de estimação.
Com o passar dos anos, contudo, o escorpião já tinha destruído todo o entorno do tucano, espalhando seu veneno, paralisando outros bichos da floresta, comendo sua carne. O grau da destruição causada pelo escorpião foi tanto que o tucano optou por expulsar o aracnídeo do local. Ele estava convencido, finalmente, do perigo do bicho, e se deu conta de que, se nada fosse feito, seria sua próxima vítima. Agiu com certa tristeza, é verdade, mas se livrou do escorpião.
Como novo bicho de estimação, acabou arrumando um cavalo arredio. Ele dava coices para o ar, era um tanto bronco, mas não oferecia ameaça real ao tucano ou seus colegas. Ao contrário: o cavalo passou a trabalhar pesado, servia para levar cargas, como força motora para proteger o tucano de inimigos. Mas o cavalo não tinha nenhum refinamento, e como isso incomodava o nobre tucano! Era insuportável para a ave vaidosa ver todos os dias aquele cavalo sem nenhuma compostura, dando coices no ar. Aquele cavalo era selvagem demais, não dava para domesticá-lo como o tucano pretendia.
O tucano, então, tomou sua decisão: o cavalo seria eliminado e ele traria o escorpião de volta. Como o cavalo já havia tido cria, era preciso prender tanto ele como os potros, para que ficassem longe da vista do tucano. A ave bicuda convocou um pit bull para fazer o trabalho sujo. O cão correu atrás do cavalo e seus filhos com enorme satisfação, com baba escorrendo pela boca, até que todos estivessem devidamente trancafiados e bem longe do tucano.
Ele chegou a redigir uma carta alegando que era preciso ter o escorpião de volta em sua vida para salvar sua alegria. Mas a alegria durou pouco
Livre do incômodo equino, o tucano partiu em busca do escorpião e o trouxe de volta para casa, para desespero da coruja. Espantada, ela perguntou se a ave nada tinha aprendido com a experiência recente. Mas o tucano era insistente, tinha além do bico a cabeça bem dura, e estava convencido de que dessa vez daria certo, de que o escorpião tinha aprendido sua lição e voltaria dócil, manso e amigável. “O amor venceu”, disse o tucano a uma incrédula coruja.
Porém, isso não passava de uma ilusão do tucano. Ele chegou a redigir uma carta alegando que era preciso ter o escorpião de volta em sua vida para salvar sua alegria. Mas a alegria durou pouco. Em alguns meses, o escorpião já tinha ferrado vários amigos do tucano, que se mostrava assustado com aquele ferrão poderoso. “Estou com medo”, revelou o tucano a um companheiro. Mas era tarde demais.
Em determinada noite, o escorpião saiu de seu esconderijo numa casca de árvore e meteu seu ferrão no próprio tucano. Agonizando de dor, enquanto o veneno corroía seus órgãos, o tucano ainda balbuciou: “Se ao menos eu tivesse sido mais simpático com o escorpião, tudo poderia ter sido diferente…”
Revista Oeste
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