Jornalista Andrade Junior

domingo, 4 de junho de 2023

'O jantar de beira de estrada que rendeu US$ 1 trilhão',

 por Dagomir Marquesi


A história da Nvidia é uma parábola sobre a nova era da revolução tecnológica — e o inesgotável poder do capitalismo


Era uma segunda-feira, 5 de abril de 1993. Num cruzamento da Rodovia Interestadual 680, em San José, Califórnia, três homens se reuniram para um modesto jantar numa lanchonete da cadeia Denny’s. Eram três engenheiros sem muito dinheiro — mas com uma visão clara do futuro.

Jensen Huang, Chris Malachowsky e Curtis Priem tinham trabalhado em empresas de tecnologia. E ali na modesta mesa do Denny’s, olhando os caminhões passando pela janela, o trio sintonizou seus sonhos numa mesma ideia. A nova onda era a aceleração de velocidade nos computadores. Os games estavam em alta e precisavam de circuitos cada vez mais rápidos para atender a jogos graficamente cada vez mais complexos.

Huang, Malachowsky e Priem juntaram US$ 40 mil como capital inicial. Para batizar a nova empresa, escolheram a palavra latina “invidia”, que significa inveja. Cortaram a primeira letra e nasceu a Nvidia.

Aquele encontro numa lanchonete de beira de estrada mirou um alvo específico e real do mercado. E acertou na mosca. Em 22 de janeiro de 1999, a empresa entrou na Nasdaq com um valor inicial de US$ 12 por ação. No fim do pregão, o preço estava em US$ 19.65, com uma valorização de 64% num único dia. A companhia imaginada seis anos antes na mesa do Denny’s estava valendo US$ 626 milhões. O taiwanês-americano Jensen Huang, que se tornou CEO, havia saltado da condição de assalariado para uma fortuna de US$ 59 milhões.

Em 2020 o mercado de games estava estabilizado. A Nvidia percebeu que havia outra tendência forte no mercado e se tornou uma empresa fornecedora de circuitos de alta performance para a chamada mineração de criptomoedas. Com isso, ultrapassou a aparentemente imbatível Intel. Com a derrocada das criptomoedas, a Nvidia enfrentou uma crise. Mas saiu rapidinho do buraco de olho na próxima onda: a inteligência artificial. Ninguém falava de outra coisa, e a Nvidia se dedicou a criar circuitos extremamente potentes e rápidos. Estariam apostando numa moda passageira?

Não. Estavam embarcando na mais sólida oportunidade de mercado de tecnologia do século. “Os analistas afirmam que o boom da inteligência artificial oferece promessas muito maiores e duradouras para a Nvidia do que as criptomoedas”, escreveu Asa Fitch para o Wall Street Journal. “Atualmente, a empresa não possui concorrente que possa igualá-la em termos de variedade de chips e softwares para as demandas intensivas em computação da IA generativa.”

O primeiro trilhão

Hoje o QG da Nvidia está localizado no número 2.788 da San Tomas Expressway, em Santa Clara, Califórnia. Emprega mais de 26 mil pessoas. Cada uma de suas ações agora vale cerca de US$ 400. No último dia 25, seu preço subiu mais de 24% num único pregão. Em 24 horas, a empresa ficou US$ 183 bilhões mais valiosa. 

Se a Nvidia fosse um país, seria a 20ª maior economia do mundo, atrás da Turquia e à frente da Suíça

Foi a terceira maior valorização da história de uma empresa em todos os tempos. A Nvidia justificou seu nome como a primeira empresa de chips para computador a se aproximar do vertiginoso valor de US$ 1 trilhão. Existem apenas quatro empresas nesse clube — Apple, Microsoft, Amazon e Alphabet (dona do Google). 

Um trilhão de dólares equivale a pouco menos da metade do PIB do Brasil. Se a Nvidia fosse um país, seria a 20ª maior economia do mundo, atrás da Turquia e à frente da Suíça. A empresa criada numa lanchonete ficou mais rica que Taiwan, o país onde nasceu seu CEO, Jen-Hsun “Jensen” Huang — cuja fortuna hoje é calculada em US$ 36 bilhões.

Qual é o segredo da Nvidia? Entender o momento em que vive. Apostar no próximo passo. Seus processadores estão no interior dos computadores que fazem funcionar bots como o ChatGPT. Chips da Nvidia estão também nos carros de ponta e nos robôs que realizam cirurgias de extrema precisão ou montam veículos.

Entre outros produtos, a Nvidia fornece GPUs — uma abreviação do termo em inglês “graphics processing units”, que significa “unidades de processamento gráfico”, extremamente necessárias nos consoles de games que deram o impulso inicial à empresa. A grande sacada foi usar as GPUs não só como geradores de imagens, mas como superprocessadores para computadores cada vez mais complexos e eficientes. O ChatGPT, por exemplo, usa cerca de 10 mil GPUs da Nvidia.

A caixa de Pandora

O economista Fernando Ulrich deu, em seu canal do YouTube, uma explicação mais técnica dos fatores que fizeram a Nvidia dar seu grande salto. A grande sacada foi unir as CPUs dos computadores tradicionais com as GPUs. Uma CPU é a unidade central de processamento de um computador. O seu cérebro. Ao colocar CPUs funcionando paralelamente às GPUs (os processadores gráficos), a Nvidia usa o conceito de “computação acelerada”. 

Explica Ulrich: “O que normalmente ocorre no processamento sequencial é que ele funciona em série. Ou seja: um problema é resolvido atrás do outro. A computação acelerada ocorre de forma paralela, acelerando a resolução dos problemas computacionais”. Segundo o CEO Huang, a computação paralela acelera o processamento de um computador de dez a cem vezes. Ao mesmo tempo, o custo e o consumo de energia desabam mais ou menos na mesma proporção.

Para desespero dos profetas do fim do mundo — que nos assustam com ameaças ainda vagas —, a caixa de Pandora está aberta. A inteligência artificial está entrando no dia a dia de todo mundo, e vai estar cada vez mais presente em praticamente todos os setores de nossa vida. Empresas de tecnologia estão numa corrida para oferecer produtos cada vez mais úteis, eficientes e surpreendentes nessa área.

Existe um fator que torna o caso da Nvidia ainda mais espantoso — até outro dia ninguém tinha ouvido falar dessa marca. Ela não é popular como Google, Amazon, Apple etc. Sua existência estava no radar só dos especialistas. E quem estava bem informado se deu bem. Para o investidor brasileiro, bastava ter comprado ações da Nvidia lá atrás apertando alguns botões no aplicativo de alguma fintech para ter um lucro de 25% num único dia e de 160% só em 2023. 

Será uma bolha?

A maior dificuldade enfrentada hoje pela Nvidia é alimentar a demanda cada vez maior por seus processadores. Em uma feira de tecnologia realizada na semana passada em sua Taiwan natal, Huang anunciou que os mais avançados produtos, como o supercomputador DGX GH200, estão em “plena produção. Nós estamos felizes que Google Cloud, Meta e Microsoft são as primeiras companhias do mundo a ter acesso a ele”. A ideia, segundo a Euronews, é fazer com que o DGX GH200 seja usado em supercomputadores que gerarão novos produtos com base em inteligência artificial. Um berçário de inovações.

Segundo Ian Buck, vice-presidente de computação acelerada da Nvidia, “a IA generativa está transformando rapidamente as empresas, desbloqueando novas oportunidades e acelerando descobertas nos setores de saúde, finanças, serviços empresariais e muitas outras indústrias. Com os superchips Grace Hopper em plena produção, os fabricantes em todo o mundo em breve fornecerão a infraestrutura acelerada de que as empresas precisam para criar e implantar aplicativos de IA generativa que aproveitarão seus dados exclusivos e proprietários”.

A Nvidia se tornou a grande estrela da era da inteligência artificial, mas está longe de ser um monopólio em processadores para essa nova realidade. Tim Culpan, da Bloomberg, listou outras grandes empresas que estão sustentando a revolução da IA — as coreanas SK Hynix e Samsung, e a norte-americana Micron Technology, além das empresas de Taiwan, altamente bem-sucedidas nesse ramo. 

Mas por enquanto a Nvidia continua soberana num mercado que envolve muito dinheiro. Elon Musk, que está sempre à frente, pretende criar uma companhia de inteligência artificial e para isso comprou recentemente 10 mil GPUs. Um investimento de dezenas de milhões de dólares, pois ele sabe que deverá estar presente também nesse mercado (além de naves espaciais, carros elétricos etc.).

Será uma bolha como outras do passado? Uma onda passageira, como parece ter sido a febre das criptomoedas? O Wall Street Journal procurou alguns especialistas. Christopher Harvey, da Wells Fargo Securities, afasta qualquer possibilidade de fragilidade no sucesso de uma empresa como a Nvidia: “O que você obtém com essas ações são balanços patrimoniais impecáveis, crescimento de lucros estável, valorações principalmente razoáveis, e tem esse impulso da IA”. Joseph Zappia, da LVW Advisors, destaca que a solidez desse boom está na altíssima demanda: “Simplesmente não há capital de mercado suficiente disponível para sustentar a mania de compra da inteligência artificial”. A única vaga ameaça é a possibilidade de uma regulamentação pesada do governo norte-americano. Mas ainda não há nada de concreto nesse sentido.

O que temos por enquanto é o mercado decidindo como usar a inteligência artificial. A demanda é gigantesca e as novidades surgem a cada dia — no comércio, na produção industrial, no atendimento a clientes, em questões de defesa, na análise das mais complexas questões globais, na criação artística, no apoio psicológico, na medicina mais avançada, na facilitação de processos jurídicos… As possibilidades de utilização da IA não tem limites.

A lenda da Nvidia resume a dinâmica irresistível do capitalismo. Três engenheiros se encontram numa lanchonete e decidem montar um negócio. Trinta anos depois, a empresa que criaram é uma das mais poderosas do planeta. A cadeia de produção gera uma rede de fornecedores, transportadores, técnicos, laboratórios, engenheiros, pesquisadores, e a imensa riqueza criada se espalha em ondas.

Tudo isso sem programas oficiais do governo, ministérios, burocratas, incentivos fiscais ou dogmas ideológicos. Apenas uma visão de futuro repartida à beira de uma rodovia e uma vaquinha entre amigos.













REVISTAOESTE









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