Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 3 de março de 2023

'Os presos de 8 de janeiro',

 por Ives Gandra Martins


Creio que seja o momento de realmente repensarmos no Brasil a importância do direito de defesa, inexistente nas ditaduras


Duas rápidas reflexões iniciais são necessárias. A primeira é que os idealizadores da marcha de 8 de janeiro fizeram um mal extraordinário ao pensamento conservador, pois sua tresloucada invasão permitiu aos críticos, que atacam os valores de respeito à família, ao liberalismo econômico, às liberdades de expressão e de pensar, colocar, no mesmo balaio, radicais desavisados e democratas autênticos, o que prejudicou a própria lisura do debate político.

A segunda reflexão preliminar é que, como dizia em palestras, escritos e manifestações no próprio Congresso Nacional, o risco de um golpe de Estado seria zero, pois sem Forças Armadas não há golpe, e estas respeitam a Constituição. Há 33 anos lecionando Direito Constitucional e conjuntura na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército para coronéis, dentre os quais, no fim daquele curso, são escolhidos muitos generais, conhecia a maneira de pensar e de servir dos oficiais que assistiam a minhas palestras. Minha própria exegese do artigo 142 da Constituição Federal, amplamente distorcida pela imprensa e por inúmeros intérpretes, segue a linha do que fora aprovado na Constituinte por sugestão do senador Fernando Henrique Cardoso (Estado de São Paulo – pag. 8 – 16/2/2023), contra a do deputado José Genuíno. Foi aquela que, nos Comentários da Constituição, que escrevi com o Celso Bastos de 1988 a 1998 (15 volumes – Editora Saraiva), desde 1997 tenho defendido. As Forças Armadas jamais poderiam ser utilizadas para desconstituir Poderes ou alimentar golpes de Estado.

Foram gestos antidemocráticos, mas é um exagero chamá-los de golpistas, em face da impossibilidade material de derrubarem um governo sem arma

Feitas essas duas reflexões iniciais, passo a examinar o tratamento que vem sendo dado aos presos de 8 de janeiro. Não é a primeira vez que o Congresso Nacional é invadido. No governo de Michel Temer, a invasão da Câmara dos Deputados, atribuída a membros do PT e MST — nesta afirmação baseio-me apenas no que li na imprensa e em redes sociais —, só foi sustada com a declaração de estado de emergência pela Presidência e intervenção do Exército. Na ocasião, detidos os manifestantes, que também depredaram algumas instalações, tiveram tratamento muito menos severo do que os invasores de 8 de janeiro.

À evidência, nem os invasores sustados pela decretação do estado de emergência, nem os de 8 de janeiro teriam a menor condição de dar um golpe de Estado, pois as Forças Armadas nunca os apoiariam. Foram gestos antidemocráticos, mas é um exagero chamá-los de golpistas, em face da impossibilidade material de derrubarem um governo sem armas. Tal impossibilidade era tanto maior, pois se não tinham conseguido convencer os militares com suas manifestações em frente aos quartéis durante o governo de Jair Bolsonaro com muito mais razão não conseguiriam já em pleno governo de Lula.

Condenável o movimento, que prejudicou o conservadorismo consciente no país de forma significativa, mas, à evidência, com nenhuma possibilidade de derrubar um governo, tendo bastado algumas centenas de soldados para desfazer o grupo e deter os manifestantes. Estão, todavia, quase um milhar daquelas pessoas detidas em condições lamentáveis, que ferem a dignidade da pessoa humana. Queixam-se os advogados e os defensores públicos da dificuldade de exercer o sagrado direito de defesa, o que vale dizer que as prisões provisórias ou preventivas se prolongam no tempo por força deste cenário, que, decididamente, não ocorreu quando da invasão da Câmara dos Deputados, na Presidência do presidente Michel Temer.

Como um velho advogado de 88 anos, exercendo a advocacia há 65 e o magistério universitário desde 1964, lembro que grande parte dos 78 itens do artigo 5º da Lei Suprema é destinada à proteção dos cidadãos contra o abuso de poder.

Embora esgotada a edição, quero lembrar que, em 2017, com Marcos da Costa, coordenei o livro A Importância do Direito de Defesa para a Democracia e a Cidadania, editado pelo Conselho Federal da OAB e pela Seccional de São Paulo, no qual, além dos coordenadores, escreveram ilustres causídicos, entre os quais destaco: Alberto Toron; Américo Lacombe; Antônio Cláudio Mariz de Oliveira; Arnoldo Wald; Cláudio Lamachia; Bernardo Cabral; Lênio Streck; Luiz Flávio D’Urso; Pierpaolo Bottini; René Dotti; Teles Castelo Branco; Samantha Meyer Marques e mais uma dezena de outros eminentes advogados.

Creio que seja o momento de realmente repensarmos no Brasil a importância do direito de defesa, inexistente nas ditaduras, mas que é a estrela maior na constelação democrática do Direito brasileiro.


Revista Oeste 



















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