Gazeta do Povo
Existem numerosas fábulas que contam histórias sobre a importância de dizer a verdade. Uma delas é a do menino que pastoreava ovelhas e mentia que havia um lobo. Ele gritava por ajuda falsamente. Quando ele realmente precisou de ajuda, ninguém veio em seu auxílio. Acabou sendo devorado por um lobo e expondo as suas ovelhas a um verdadeiro perigo. Lula mente, mas vive numa realidade um pouco diferente, um “multiverso da loucura” na expressão usada por Sergio Moro. E muita gente o acompanha nessa realidade paralela. Mesmo quando Lula mente e engana, é idolatrado e aplaudido por muitos na esquerda, ainda que suas mentiras exponham a sociedade ao perigo de lobos reais.
Ontem, Lula riu do plano do PCC para matar a família de Sergio Moro. Afirmou ser uma “armação de Moro”. Com isso, chama de mentiroso seu próprio ministro da Justiça, os presidentes da Câmara e Senado, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o GAECO de São Paulo e a Justiça, que afirmam de forma unânime existirem provas do plano para matar Moro e o promotor Lincoln Gakiya. Ao mesmo tempo, Lula negou os investimentos de R$ 5 milhões pelo PCC no plano de assassinato, os imóveis alugados para monitorar a família, os carros e o dinheiro apreendido e o mapeamento da rotina dos filhos e dos postos de gasolina usados para abastecer os carros. Como na Lava Jato, Lula nega as provas e constrói uma teoria da conspiração.
A atitude de Lula enfraquece a importante comoção e resposta da sociedade contra o crime organizado para proteger as famílias ameaçadas.
Lula se coloca ao lado do PCC, que se torna vítima de uma armação, e contra os agentes da lei ameaçados. Como o garoto pastor, Lula mente. Contudo, Lula faz o contrário: grita que não há lobo por meio do seu megafone presencial, mas aqui o lobo é de verdade. O efeito é perigoso. Ele desmobiliza a reação social e moral contra o crime organizado. Como presidente, ele é a personalização máxima das instituições e sua atitude enfraquece a importante comoção e resposta da sociedade contra o crime organizado para proteger as famílias ameaçadas. É um falso pastor, que abandona as ovelhas aos lobos, violando a dignidade e o decoro do cargo e traindo seus deveres de proteção dos brasileiros.
O propósito da mentira é claro. Um grupo de jornalistas entrevistou Lula pelo blog 247, nesta mesma semana, aceitando suas mentiras e elogiando fatos inexistentes. Nessa entrevista, Lula revelou que, na prisão, afirmava: “Só vou ficar bem quando ‘f0der’ esse Moro”. A verdade é que Sergio Moro confrontou duas perigosas organizações criminosas: o PCC e o sistema corrupto de Brasília. A reação do crime organizado das ruas e dos palácios vem com suas próprias armas. O PCC reage com fuzis e pistolas. Os corruptos palacianos reagem com o poder da caneta, da articulação política e das instituições.
Essa entrevista de Lula é assustadora, não só pelas mentiras, mas porque as ilusões que cria são repercutidas como se fossem reais.
Esse posicionamento de Lula revela um desejo claro de vingança em relação à Operação Lava Jato e aos que combatem a corrupção como um todo. Ele parece estar obcecado com a ideia de se vingar daqueles que o impediram de morar em um triplex de luxo. Não é à toa que os agentes da lei que trabalharam na Lava Jato vêm sendo atacados de todos os lados. Enquanto Cabral fica solto, Bretas é punido pelo Conselho Nacional de Justiça e o procurador El Hage, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, sem que nada consistente tenha sido provado contra eles. O Tribunal de Contas da União avançou contra procuradores da Lava Jato, numa investida que a Justiça Federal afirmou estar recheada de “manifestas e evidentes ilegalidades”, destacando ainda a existência de indícios de “quebra de impessoalidade” – leia-se, perseguição. Quem capitaneou a investida é o mesmo ministro Bruno Dantas que agora pretende ser nomeado ministro do STF por Lula.
Essa entrevista de Lula ao blog é assustadora, não só pelas mentiras de Lula, mas porque as ilusões que cria são repercutidas pelos jornalistas blogueiros como se fossem reais. Um dos pontos mais chocantes foi exatamente este: a revelação do projeto de vingança de Lula, juntamente com seus absurdos insultos a Moro. A cena de um presidente da República proferindo tamanha violência verbal a um senador é um sinal alarmante do quão grave é o atual período político no Brasil. Em tempos de polarização política e desinformação, é preocupante observar como Lula atacou Moro, criando um ambiente favorável para crimes de ódio na mesma semana em que um petista matou um bolsonarista após uma briga em Mato Grosso.
Contudo, as mentiras de Lula vão muito além disso e são endossadas por seus apoiadores. Em contraste com a fábula em que o menino que mentia muito é punido pela sua desonestidade, Lula é idolatrado mesmo quando mente, engana e suas falsas narrativas colocam em risco a vida de terceiros. Infelizmente, o espaço limitado deste artigo não é suficiente para abordar todas as mentiras e hipocrisias proferidas por Lula durante sua entrevista de apenas 107 minutos com esse grupo de blogueiros. Páginas e mais páginas de crítica poderiam ser escritas para desmenti-lo e apontar suas próprias contradições.
Uma afirmação de Lula, por exemplo, beirou um incidente diplomático ao atacar a maior potência mundial: ele afirmou que a imprensa e a Lava Jato agiram contra ele, na Lava Jato, por influência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Segundo Lula, o governo americano agiu assim porque a Odebrecht ganhou uma licitação em Miami. Essa declaração descaradamente mentirosa levanta suspeitas infundadas sobre as instituições de um país estrangeiro – o segundo com o qual o Brasil mais tem relações comerciais. Tudo isso apenas para tentar apagar os seus crimes e os de seus aliados, que foram apontados em condenações e confessados por vários deles, como Antonio Palocci e Sergio Cabral.
A Lava Jato tirou a oportunidade de que o programa "meu triplex, minha propina" fosse ampliado em todo o país.
Outro ponto interessante da entrevista é sobre como a Lava Jato atrapalhou as empresas brasileiras de engenharia. Eu assumo a responsabilidade por isto: a Lava Jato realmente atrapalhou a corrupção das empresas de engenharia com os políticos – inclusive com ele, segundo a condenação de Lula proferida por três tribunais que examinaram o mérito do seu caso, antes de ser anulada pelo STF por razões formais. Com nosso trabalho, impedimos desvios de verbas e corrupção bilionária em licitações de várias construtoras brasileiras que conjuntamente com políticos assaltaram os cofres públicos. Ao expor sua corrupção, a Lava Jato impactou sim o valor de mercado dessas empreiteiras, campeãs nacionais da corrupção. Além disso, a operação dificultou que elas realizassem obras em países sérios enquanto não fizessem um acordo para devolver o dinheiro roubado e não se comprometessem com a honestidade em seus negócios. E, assim agindo, a Lava Jato simplesmente fez valer a lei.
É bom ressaltar que enquanto Lula pede e dá segundas chances aos criminosos, viajando com Joesley Batista para a China e aplaudindo o multicondenado José Dirceu na cerimônia de aniversário do PT, ele condena os agentes da lei que descobriram seus crimes. Se tivéssemos ignorado a corrupção, a Odebrecht cresceria, roubaria mais e conseguiria construir mais triplex. A Lava Jato certamente tirou a oportunidade de que o programa "meu triplex, minha propina" fosse ampliado em todo o país pela organização criminosa que tomou conta do governo no Brasil.
Além de atacar homens e mulheres da lei que incomodaram ao prender corruptos como nunca, Lula pretende culpar outros por sua má decisão de governança.
Além disso, Lula ocultou o fato de que a depressão econômica e das empresas foi causada pela política econômica desastrosa do PT, que no final do governo Dilma conduziu o Brasil à maior crise econômica da história. Entre 2015 e 2016, o PIB caiu 7,56% – a pior queda desde que o número começou a ser medido pelo IBGE em 1948. Em quase 70 anos, não havíamos tido dois resultados negativos anuais. Até mesmo na pandemia, tomados os anos de 2020 e 2021, o saldo do PIB foi positivo – caiu 3,9% em 2020, mas avançou 4,6% em 2021. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontou que Dilma teve o terceiro pior PIB em 127 anos e atribuiu 90% da culpa disso à inépcia do seu governo. A diretriz do seu governo, segundo o professor responsável pelo estudo, Reinaldo Gonçalves, foi “errar, errar de novo, errar pior”. Contudo, para Lula, a culpa é da Lava Jato.
Lula se vangloriou ainda, na entrevista, de ter iniciado a construção de 12 estádios enquanto era presidente da República. No entanto, é preciso ressaltar a péssima decisão de investir em algo desnecessário em detrimento de questões urgentes do país. A Copa do Mundo foi um gasto que resultou em corrupção equivalente à vergonhosa derrota de 7 a 1 e em prejuízos aos cofres públicos. É irônico que Lula, que proibiu falar sobre gastos com educação no início da entrevista, tenha deixado cortes nos investimentos de educação enquanto construía estádios. No mundo ideal da esquerda que fica babando durante a entrevista, esse é um tópico jamais mencionado.
As palavras de um presidente têm consequências: fomentam o ódio, enfraquecem a governança, expõem os agentes da lei e a sociedade a riscos.
Não satisfeito em culpar a Lava Jato por todos os males do país, Lula agora afirma que não seguirá a lista tríplice para indicar o procurador-geral da República, porque os promotores eram "moleques". Isso é um absurdo. Os “moleques” atacados conseguiram recuperar 25 bilhões de reais aos cofres públicos brasileiros que estavam com corruptos, algo nunca antes feito na história desse país. Além de atacar homens e mulheres da lei que incomodaram ao prender corruptos como nunca, Lula pretende culpar outros por sua má decisão de governança da mesma forma como quer culpar a Lava Jato pelos males do país, transferindo uma responsabilidade que é dele e unicamente dele. Foi ele quem criticou Bolsonaro por não seguir a lista tríplice, quando a Lava Jato já havia acontecido. Nada mudou. O que ele faz agora é renegar uma promessa que fez, mostrando que não cumpre sua palavra.
Outra afirmação interessante de Lula na entrevista é que todos os envolvidos nos crimes do dia 8 de janeiro serão punidos, mas como podemos ter certeza disso se ele próprio busca impedir a instauração da CPI? Pairam no ar acusações de que teriam prometido 60 milhões de reais para deputados que retirassem suas assinaturas. É no mínimo hipócrita criticar a falta de investigação mais profunda sobre os culpados se ele próprio tenta impedir que isso aconteça – e, segundo acusações feitas, por meios que não seriam nem republicanos.
Lula não está à altura do cargo que ocupa. E quem diz isso é a lei, que estabelece que é crime de responsabilidade proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Na entrevista, Lula também criticou o atual presidente do Banco Central, Campos Neto, indicado por Bolsonaro, por manter os juros altos. No entanto, é curioso que ele próprio, Lula, tenha aprovado e aceitado a mesma política quando Henrique Meirelles era o presidente do Banco Central durante o seu governo. Meirelles, aliás, apoia e elogia a decisão de Campos Neto. Por que, então, Lula ataca tanto uma política que ele próprio usou no passado? É importante lembrar que a questão dos juros é sensível e pode ser facilmente usada para assustar a população. Como o Banco Central é independente agora, Lula gera suspeitas sobre a economia sugerindo que ela não está crescendo como deveria por causa dos juros altos.
Como um menino que grita “lobo” e aponta para um inocente, Lula insinua que o Banco Central é composto por inimigos do povo. Tudo isso é uma estratégia política irresponsável para buscar apoio para revogar a independência do Banco Central, a qual é essencial para sua boa governança. A autonomia do banco o torna mais técnico e menos suscetível a interferência política. Além disso, Lula cria antecipadamente um bode expiatório para possíveis falhas econômicas ou insucessos de seu ministro da Fazenda, um político sem as competências exigidas para o cargo que até mesmo o PT tem criticado.
Ao se aproximar do final da entrevista, Lula surpreendeu ao afirmar que, para ser um bom presidente, é preciso ter sorte. A sorte de Lula parece ser nosso constante azar, pois vivemos em um país marcado pela injustiça e impunidade, governados por um condenado por corrupção, sem a sorte de ter nossos problemas resolvidos por governantes que destilam ódio para além de suas promessas vazias.
Falando em promessas vazias, uma outra promessa feita por Lula nesta mesma entrevista me chamou a atenção: a de que ele irá trabalhar pela paz mundial. Diante de um cenário de conflitos e tensões internacionais cada vez mais preocupantes, é reconfortante ouvir um líder político se comprometer com uma causa tão nobre e urgente. Resta saber como alguém que não tem nem conseguido a paz entre Senado e Câmara dos Deputados irá conseguir entre a Ucrânia e a Rússia. Os jornalistas acharam provável que consiga, afinal, no multiverso da loucura, nunca antes na história desse país Lula mentiu.
O problema dessas ilusões é que não são inofensivas. Diferentemente do menino pastor que mentia e sofreu ele mesmo as consequências, Lula coloca a sociedade em risco com as suas mentiras. As palavras de um presidente têm consequências: fomentam o ódio, enfraquecem a governança, criam problemas nas relações internacionais e expõem os agentes da lei e a sociedade a riscos de segurança. De fato, para ficar só neste último ponto, se os agentes da lei não forem protegidos quando combaterem o crime organizado, ninguém mais ousará enfrentá-lo no futuro. As falas do presidente fazem vítimas. Lula não está à altura do cargo que ocupa. E quem diz isso é a lei, que estabelece que é crime de responsabilidade proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Lula precisa ser chamado à responsabilidade.
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2023/03/deltan-dallagnol-em-107-minutos-lula.html
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