Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 3 de março de 2023

'A explosão do oleoduto e a erosão gradual da imprensa',

  por Paula Schmitt


De repente, óvnis e ETs deixaram de ser coisa de conspiracionista e viraram assunto para a imprensa “responsável”. Por que será?


Nas últimas semanas, o assunto de uma possível “visita interplanetária” saiu dos tabloides e foi parar na capa de jornais que frequentemente se autocongratulam pela seriedade. A agência de notícias Reuters, por exemplo, nos informa que, “após uma série de tiros contra objetos não identificados, o general da Força Aérea norte-americana que monitora o espaço aéreo disse que ainda não descarta a presença de aliens” para explicar os balões sobrevoando o território dos Estados Unidos.

De repente, óvnis e ETs deixaram de ser coisa de conspiracionista, e viraram assunto para a imprensa “responsável”. Por que será?

Não pretendo discutir o assunto em si, porque ele permite mil especulações e nenhuma resolução, mas algo aqui é incontestável e deve portanto ser analisado: o timing. Veja bem: somos alvos constantes de todo tipo de manipulação e propaganda, e é muito difícil entender o que se passa, mas uma coisa quase sempre nos é revelada quando somos alvo de uma falsa revelação: a intenção de nos distrair de algo que está acontecendo. Na situação atual, em que balões são tratados como disco voador, algumas perguntas podem ajudar a nos orientar: Por que agora? Qual acontecimento simultâneo estamos sendo instados a ignorar? Do que estamos sendo induzidos a desviar nossa atenção?

Existe ao menos uma notícia cuja ausência dos maiores jornais e mídia televisiva praticamente confirma a sua importância: as denúncias do jornalista Seymour Hersh sobre as explosões que destruíram o oleoduto que transportava gas da Rússia para a Alemanha. Segundo Hersh, o autor da explosão criminosa foi o governo dos Estados Unidos, que teria armado as bombas, em uma operação clandestina, em junho, durante o Baltops, um exercício militar conduzido pela Otan naquela região desde 1972, sempre na mesma data.

Navios da Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Lituânia, Polônia, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos navegam em formação, no Mar Báltico, em 2022, durante o exercício BALTOPS22 | Foto: Divulgação

Se isso for verdade, as implicações são catastróficas, porque os EUA não teriam apenas sabotado a Rússia, mas também prejudicado a Alemanha, um país aliado e membro da Otan. Este não é um fato menor, ao contrário — se a imprensa cartelizada fosse minimamente independente e honesta, o assunto estaria na capa de todos os jornais, porque esse é o tipo de evento que escritores de ficção, e analistas de geopolítica, usam como estopim para a simulação de uma guerra mundial.

Em setembro de 2022, o mundo assistiu a um dos maiores eventos geopolíticos em tempos modernos: a sabotagem submarina que explodiu dois oleodutos no Mar Báltico, Nord Stream 1 e Nord Stream 2. Esses oleodutos são cruciais para a vida na Alemanha e para a sua economia, porque eles transportam grande parte da energia consumida no país. Segundo Seymour Hersh, o gás é comprado por um preço tão maroto que seu excedente é revendido para outros países, e a Alemanha ainda consegue ter lucro.

Os oleodutos que explodiram são de propriedade majoritariamente russa, através da empresa semiestatal Gazprom, mas, ainda assim, veículos da imprensa cartelizada jogaram a culpa nos ombros do Kremlin. “A lógica elementar mostra que danificar o oleoduto não era do interesse da Rússia,” disse o porta-voz do governo russo Dmitry Peskov.

Ninguém é obrigado a acreditar em um jornalista premiado fazendo uso de fontes anônimas. Mas os detalhes da história de Hersh são complexos o suficiente para sugerir um conhecimento de bastidores

De fato, é necessária uma lógica muito tortuosa para cogitar a Rússia como a principal suspeita da destruição de seus oleodutos. Falo isso sem receio de ser classificada pelos classificadores de plantão como “pró-Rússia”. Já trabalhei para a TV estatal do país e deliberadamente, e, com a ajuda de um advogado, descumpri meu acordo de sigilo para divulgar manipulações e mentiras que eu presenciei na redação. Descrevi aquela empresa como representante perfeita do pior do capitalismo com o comunismo.

Segundo as denúncias de Hersh, publicadas na sua página no Substack, os EUA provocaram as explosões usando mergulhadores secretamente treinados na Flórida, e contando com a ajuda de pelo menos um outro país, a Noruega. Mas, apesar de serem revelações bombásticas — ainda que baseadas em apenas uma fonte anônima, como admite o próprio Hersh —, sua história foi devidamente ignorada, inclusive por seus antigos empregadores.

“Publiquei minha história no Substack porque eu nem iria cogitar… Tenho vergonha de dizer, depois de tantos anos maravilhosos no New York Times, mas eu nem cogitei uma história dessas para o New York Times,” disse Hersh ao programa Democracy Now. “Eles decidiram que a guerra da Ucrânia vai ser ganha pela Ucrânia, e é isso que seus leitores terão.”

Seymour Hersh é (ou era até pouco tempo atrás) um dos jornalistas mais respeitados do mundo, e um dos mais premiados, vencedor de um Pulitzer e de cinco George Polk Awards, um número nunca igualado por outro jornalista.

Seymour Hersh | Foto: Reprodução/Verso Books

Hersh escreveu por muitos anos para uma das revistas mais prestigiadas do planeta, a New Yorker, e cobriu histórias como Watergate e o bombardeio secreto do Camboja pelos EUA quando trabalhava para o New York Times. No começo da carreira, e ainda como freelancer, ele foi autor do furo de reportagem que revelou o massacre de My Lai. Mas, apesar de todo esse currículo, a reportagem investigativa de Hersh publicada no Substack foi descrita da seguinte forma pela Reuters: “Casa Branca diz que postagem de blog sobre a explosão do Nord Stream é ‘totalmente falsa’”.

Ninguém é obrigado a acreditar em um jornalista premiado fazendo uso de fontes anônimas. Mas os detalhes da história de Hersh são complexos o suficiente para sugerir um conhecimento de bastidores, de alguém que está perto da ação, ou perto do seu comando. Mas o que causa perplexidade maior não é que sua história tenha sido ignorada. O que é de fato assustador é que quase nenhum jornal pareceu se importar, ou associar as revelações de Hersh, com duas declarações feitas publicamente por dois altos cargos do governo norte-americano: Victoria Nulan, subsecretária de Estado do governo norte-americano para Assuntos Políticos, e Joe Biden.

Em janeiro de 2022, um dos oleodutos ainda estava em construção, mas já causava muito desprazer aos Estados Unidos, porque, quanto mais a Alemanha se beneficiasse do gás russo, mais as relações entre os dois países se fortaleceriam. Numa coletiva de imprensa, Victoria Nulan fez uma declaração inequívoca: “Se a Rússia invadir a Ucrânia, de um jeito ou de outro, o Nord Stream 2 não vai continuar”.

Para quem estava mal de ouvido, a subsecretária preferiu ser mais enfática: “O oleoduto não está pronto para ser ligado, não foi testado, não foi certificado, e não adquiriu as autorizações regulatórias que iriam permitir que ele fosse ligado, tanto no lado da Alemanha, quanto no lado da União Europeia”. Nulan então cita o senador Ted Cruz, um membro importante do falso binarismo político norte-americano, classificado por ambas as torcidas organizadas como um inimigo de Joe Biden. “Como diz o senador Cruz: ‘Atualmente o oleoduto é apenas um monte de metal no fundo do oceano. Nenhum gás vai passar por ali até que todas essas coisas aconteçam'”.

Pouco tempo depois, foi a vez de Joe Biden deixar claro o que achava do oleoduto. O presidente norte-americano estava falando com repórteres durante um encontro com o chanceler alemão, Olaf Scholz, na Casa Branca. “Se a Rússia invadir — quero dizer tanques ou soldados cruzando a fronteira com a Ucrânia — de novo, vou dizer que não haverá mais um Nord Stream 2. Vamos acabar com isso.” A jornalista Andrea Shalal, da Reuters, então perguntou: “Mas como você vai fazer isso, considerando que o projeto e o controle do projeto estão sob o comando da Alemanha?”. Biden então respondeu: “Nós vamos fazer isso, eu te prometo, nós teremos como fazer isso”.

Biden
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos | Foto: Shutterstock


Revista Oeste

















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