Jornalista Andrade Junior

sábado, 26 de novembro de 2022

'Teatro farsesco',

 por Rodrigo Constantino


Não dá para falar em funcionamento normal das instituições republicanas em nosso país. Não com este STF ativista


Causa espanto o tom de seriedade com que alguns empresários e jornalistas tratam a “equipe de transição” do presidente eleito, como se ninguém soubesse o que ele fez no verão passado. O presidente da Febraban diz esperar responsabilidade por parte do futuro presidente, enquanto economistas tucanos escrevem cartinhas alertando para os riscos de furar o teto de gastos, logo depois de terem feito o L para apoiar o ladrão.

É como se todos eles tivessem chegado de Marte ontem, e nunca tivessem ouvido falar de Mensalão, Petrolão ou Dilma. É como se ninguém ali tivesse a mais vaga ideia de quem seja José Dirceu, ou da essência do PT. O jogo de cena chega ao absurdo de fingir que Lula nem foi condenado, e depois solto por um grotesco malabarismo supremo. Temos todos de participar do simulacro, caso contrário seremos rotulados de golpistas.

Jornais de esquerda, como a Folha de S.Paulo, chegam a mencionar a simbiose de Lula com empresários corruptos como “conflitos éticos”, e a indecente carona no jatinho de um companheiro como “deslize aéreo”. O Orçamento secreto, demonizado até ontem, virou “emenda de relator”, e o centrão se transformou em “base aliada”. As manifestações contra o opaco processo eleitoral são chamadas de “atos antidemocráticos”, enquanto a censura imposta pelo TSE virou “defesa da democracia”. Quando alguém emite uma opinião diferente do consórcio da mídia é logo chamado de criminoso. E o cidadão de bem virou um “mané”, assim descrito pelo próprio ministro Barroso com aplausos de inúmeros jornalistas.

Guilherme Fiuza descreveu a farsa em curso: “Como você já reparou — e, se não reparou, repare logo antes que seja tarde —, a moda é pisotear a democracia fingindo defendê-la. No Brasil, o TSE deixou de ser um Tribunal Eleitoral (o que já era exótico) e virou um comando policial, com poderes especiais que ninguém lhe conferiu, mas ele exerce assim mesmo. A apoteose dessa democracia de mentirinha foi a decisão solitária (e suficiente) do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, de bloquear recursos bancários de vários dos maiores produtores agrícolas do país”.


Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

O PT chega com sua carranca horrível, e já estamos acostumados com sua ameaça. Risco maior vem de quem faz pose de sério, de empresário respeitável, de jornalista imparcial, de estadista, e logo em seguida repete que tudo está absolutamente normal no Brasil. Não dá para falar em funcionamento normal das instituições republicanas em nosso país. Não com esse STF ativista e com ministros que insistem em cometer crimes quase diariamente, abusando e muito de seu poder constitucional. Não como uma eleição sem qualquer transparência, repleta de suspeitas, e com o TSE tentando interditar o debate e impedir os questionamentos legítimos.

Jamais poderão nos obrigar a tratar como normal aquilo que é claramente surreal e digno de uma republiqueta das bananas

J.R. Guzzo considera que, “como nos tempos do AI-5, as instituições brasileiras pararam de funcionar”. Para ele, o “Brasil se acostumou a viver na ilegalidade e não há sinais, até agora, de nenhuma reação efetiva contra isso — declarações de protesto, manifestações na frente dos quartéis, críticas aqui e ali, mas nada que mude o avanço constante do regime de exceção imposto ao país pelo Poder Judiciário. As autoridades cumprem ordens ilegais. Os Poderes Executivo e Legislativo não exercem mais suas obrigações e seus direitos. As instituições pararam de funcionar”.

Alexandre Garcia, outro respeitado jornalista da velha guarda, alega que o “Estado de Direito já ficou para trás no Brasil”. Garcia usa como base o comentário do vice-presidente Mourão, para quem “o pacto federativo foi violado”, concluindo que o Brasil está em estado de exceção. Alexandre de Moraes convocou comandantes de PMs e chefes de Detrans, que são subordinados aos governadores, provavelmente para tratar da liberação das vias de trânsito, que estão sob a jurisdição deles. O grau de ingerência passou de qualquer limite aceitável.

Mas é exatamente isso que o sistema podre e carcomido quer que todos nós aceitemos sem nenhuma liberdade para criticar ou apontar a farsa: que o Brasil teve eleições com total lisura e transparência, comandadas por um ministro imparcial e justo, e que a maioria do povo elegeu um sujeito sem nenhum problema legal, que não deve nada à Justiça. Quem estiver inconformado com essa situação bizarra é um golpista, um antidemocrático. Agora é hora só de debater a qualidade da equipe de transição, para avaliar se Lula vai ser prudente e moderado. É uma piada!

Não contem comigo para esse teatro farsesco. Se o sistema se mostrar mais forte do que o povo, então os brasileiros serão obrigados a engolir o sapo barbudo. Mas jamais poderão nos obrigar a tratar como normal aquilo que é claramente surreal e digno de uma republiqueta das bananas. O Brasil virou terra sem lei, com enorme insegurança jurídica provocada justamente por quem deveria ser o guardião da Constituição. Encher a boca para repetir que as instituições estão funcionando perfeitamente é tratar o cidadão como otário. No fim do dia, pode até ser que os “manés” sejam subjugados, transformados em escravos. Mas daí a desejar que os “manés” aceitem participar do teatro patético dos “democratas” que bajulam os piores ditadores do planeta e endossam a corrupção vai uma longa distância…

Revista Oeste














publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/11/teatro-farsesco-por-rodrigo-constantino.html

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