Guilherme Fiuza
"O nosso sistema eleitoral é perfeito. O do Butão também, assim como o de Bangladesh"
— Candidato, o senhor quer aproveitar essa oportunidade que eu estou lhe dando generosamente e dizer a um Brasil de audiência que vai reconhecer a sua derrot… quero dizer, que vai reconhecer o resultado da eleição?
— Vou reconhecer o resultado se a eleição for limpa.
— Candidato, está provado que as eleições são limpas.
— Como assim?
— Isso mesmo que o senhor ouviu: está provado que as eleições brasileiras são limpas.
— “São”?
— São.
— Mas as eleições nem aconteceram ainda, como você sabe que elas são limpas?
— Porque eu sei. Entendo disso. Fui eu mesmo que fiz a pauta do telejornal.
— Ah, tá. Mas e se der algum problema? Não existe sistema perfeito, né?
— Existe sim. O nosso sistema eleitoral é perfeito. O do Butão também, assim como o de Bangladesh.
— Você falando assim eu fico até aliviado.
— Se eu fosse você não ficava.
— Por quê?
— Nada. Esquece. Coisa minha. Vamos continuar a sabatina.
— Pois não.
— Candidato, por que o senhor não aproveita essa oportunidade que eu estou lhe dando generosamente e admite para um Brasil de audiência que o outro candidato é muito melhor?
— Porque eu não acho.
— O senhor não se acha arrogante, agressivo e antidemocrático querendo derrotar um candidato que todo mundo acha melhor que o senhor?
— Todo mundo, quem?
— Ah, todo mundo: a MPB, o STF, os grandes bancos, nós… quer dizer… nós, não. Nós somos absolutamente isentos. Nossa missão é informar.
— Eu já notei.
— Que bom, candidato. Com o senhor espalhando desinformação, alguém tem que informar, correto?
— Que desinformação eu espalhei?
— Que as eleições não são limpas.
— Eu não disse isso. Disse que quero que as eleições sejam limpas. Você é que está dizendo que elas são limpas antes delas acontecerem.
— E são mesmo. Está provado.
— Provado por quem?
— Pelo Barroso, pelo Fachin e pelo Alexandre de Moraes. Ele até disse que teve que engolir a derrota do Corinthians pro Internacional mesmo tendo sido roubada, então todo mundo vai ter que engolir o resultado dessa eleição.
— Não entendi. Quer dizer que roubo não se discute?
— Não. Quer dizer que quem perde tem que calar a boca. Perdeu, mané.
— E o que isso tem a ver com eleição limpa?
— Cala a boca. Perdeu, mané.
— Como perdi, se a eleição ainda não aconteceu?
— Olha as pesquisas.
— A eleição vai ser tão limpa quanto as pesquisas?
— Com certeza. Tudo impecável, irretocável, inexpugnável, inexorável, implacável, inatacável, inquebrantável, insolúvel, inquestionável…
— O que é isso que você tá lendo aí?
— O dicionário. Na letra i tem um monte de palavra bonita. Sempre que quero botar mais ênfase e falar balançando a cabeça pro meu topete se mexer abro o dicionário na letra i.
— Interessante.
— Também é com i, mas não acho uma palavra tão forte, por isso não usei.
— Certo. Acabou a sabatina?
— Não. O senhor ainda não reconheceu que as eleições serão limpas.
— É porque as eleições ainda não…
— Candidato! Pare de desinformar. Pare de atentar contra a democracia. Pare de atacar a imprensa. Pare de atacar o judiciário. Diga logo que as eleições são limpas e não amola.
— Como podem ser consideradas limpas se não são auditáveis?
— Fake news! Candidato, você e o seu gabinete do ódio inventaram essa história de voto auditável para tentar roubar a eleição.
— Roubar? É justamente o contrário…
— Cala a boca! O senhor já falou demais aqui. Nem sei por que estou te dando tanto espaço. Até me arrependi da minha generosidade.
— Tá bom. Vou embora. Mas se depois da eleição algum técnico encontrar problemas nas urnas que não são auditáveis posso voltar aqui pra comentar?
— Isso é impossível, candidato. As eleições são limpas. Pare de tentar dar o golpe.
— Transparência é golpe?
— Quando mostra o que não deve, é.
— Ah, agora que entendi a lógica.
— Você é um pouco lento.
— Sem dúvida.
— Tão lento que fica querendo disputar uma eleição que já perdeu ahaha. Desculpe, me empolguei.
— Sem problemas. Transparência é tudo.
Revista Oeste
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