Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 23 de julho de 2021

"O legado de Thomas Sowell",

 Rodrigo Constantino

Em uma época de censura do politicamente correto e de medo de ofender grupos organizados de minorias com os fatos, ler Sowell faz-se ainda mais necessário




Um dos meus “gurus intelectuais” sem dúvida é Thomas Sowell, que ironicamente escreveu excelentes livros sobre os perigos dos intelectuais. Li vários de seus livros e sempre apreciei seu poder de síntese, sua originalidade, seu apreço pelos fatos e a busca da verdade, doa a quem doer. Sowell é um economista cujos principais professores foram Milton Friedman e George Stigler, da Escola de Chicago, onde obteve seu doutorado em 1968, e deles absorveu o empirismo e o uso das ferramentas econômicas para outras áreas. Um liberal clássico, com algumas visões mais libertárias e outras mais conservadoras, Sowell completou 91 anos recentemente, e segue produzindo.

Terminei esses dias o livro Maverick: A Biography of Thomas Sowell, de Jason Riley, e recomendo muito. Trata-se mais de uma biografia intelectual do que sobre a vida do grande pensador, o que serve para resumir suas principais ideias. Não que sua vida não mereça uma biografia à parte ou mesmo um filme. Merece e seria espetacular mostrar aonde o garoto negro e pobre chegou, sem nenhum amuleto estatal ou vitimização. Para alguém nascido durante a Grande Depressão e as leis Jim Crow no Sul, e depois criado em guetos urbanos, sua trajetória é simplesmente fascinante. “Não volte aqui e me diga que você não conseguiu porque os brancos eram maus”, lembraria Sowell depois como “o melhor conselho que eu poderia ter recebido”.

Mas é que o pensamento de Sowell talvez seja ainda mais importante e se sustenta por conta própria. Na verdade, o fato de ser negro acaba ofuscando isso, pois muitos o associam automaticamente ao debate racial, do qual ele não teve como fugir e deixou vasta obra, mas acabam deixando de lado suas contribuições para a Economia.

Sowell sempre teve os pés no chão, valorizando o bom senso de pessoas ordinárias, e demonstrando desconfiança em relação a muitos intelectuais. Seus livros possuem linguagem direta e acessível, comunicando-se diretamente com o leitor, sem firulas. Dessa forma, ele ajudou a popularizar conceitos liberais e conservadores, mas nunca foi por falta de capacidade para o debate acadêmico. Ao contrário: em algumas obras iniciais ele deu todas as provas de ser um rigoroso scholar, e foi disputado pelas mais prestigiadas universidades. Mas ele não queria ser professor a vida toda, insatisfeito com o ambiente tóxico pela vaidade e pelo esquerdismo, e encontrou no Hoover Institute um refúgio para se dedicar totalmente às pesquisas voluntárias e seus livros.

Ele sofreu ao longo de sua vida uma constante tentativa de assassinato de reputação

Enquanto alguns intelectuais deliberadamente escreviam com linguagem confusa e pedante, a marca registrada de Sowell sempre foi sua clareza. Nunca lhe faltou coragem também para fazer as perguntas que ninguém mais queria fazer, especialmente sobre as questões raciais. Em vez de explicar as causas da pobreza, Sowell estava mais interessado em entender como povos saíram dela, o estado natural da humanidade. Em vez de demonstrar obsessão por desigualdades e automaticamente fazer um elo causal delas com o suposto preconceito racial, Sowell sabia que grupos étnicos não necessariamente teriam resultados iguais (como quaisquer dois grupos) e queria entender como os negros poderiam de fato ascender.

Suas pesquisas nessas áreas levaram a conclusões que incomodaram muitos ativistas, pois delegavam mais responsabilidade aos próprios indivíduos e famílias e demonstravam os fracassos de medidas governamentais que beneficiavam somente uma elite. “Para onde quer que os negros estivessem indo e  para onde quer que quiséssemos ir, tínhamos de chegar lá de onde estávamos — o que significava que tínhamos de saber onde estávamos, não onde gostaríamos de estar ou onde gostaríamos que os outros pensassem que estávamos”, chegou a escrever. Sowell não estava preocupado com sentimentalismo ou com imagem, e sim com a verdade e o progresso concreto dos indivíduos de carne e osso.

Em carta de 1964 a um estudante negro de graduação, por exemplo, ele disse: “Para mim, a psicologia do negro é o maior obstáculo ao progresso racial. Não está na moda dizer isso, e certamente não é agradável, mas a verdade não depende dessas considerações. Com todo o respeito devido à coragem e dedicação dos vários grupos de direitos civis, acho que, quando todas as leis forem aprovadas e todos os portões abertos, o resultado líquido será um tremendo anticlímax, a menos que haja uma mudança drástica de atitude entre os negros”. Ele apoiou a Lei dos Direitos Civis (Civil Rights Act) de 1964 e o direito ao voto no ano seguinte, mas era pessimista quanto a seu real impacto social caso não houvesse mudança cultural também.

Por conta de suas conclusões que não agradaram às elites dos movimentos raciais, Sowell sofreu ao longo de sua vida uma constante tentativa de assassinato de reputação. Suas intenções eram postas em dúvida, ele era acusado de fazer o jogo dos brancos por desejar ser aceito por eles e outras bobagens do tipo. Além disso, atacavam espantalhos, pondo palavras em sua boca. Ele jamais negou a existência da discriminação racial, por exemplo, como chegaram a afirmar. Ele simplesmente apresentou argumentos econômicos para sua ineficácia, assim como condenou empurrões estatais para resolver o problema, advertindo que poderiam inclusive agravá-los — o que de fato aconteceu.

No início da década de 1980, as principais cidades dos Estados Unidos com grande população negra — Cleveland, Detroit, Chicago, Washington — elegeram prefeitos negros. Entre 1970 e 2010, o número de autoridades negras eleitas cresceu de menos de 1.500 para mais de 10.000 e incluiu Barack Obama, o primeiro presidente negro. No entanto, mesmo enquanto os negros aumentavam sua influência política nas décadas de 1970, 1980 e 1990, a dependência ao estado de bem-estar dos negros estava aumentando, assim como o crime, o desemprego de adolescentes negros e o nascimento de bebês gerados por mulheres negras solteiras. Sob os dois mandatos de Barack Obama como presidente, as diferenças entre brancos e negros na renda e na casa própria aumentaram e, quando ele deixou o cargo, as pesquisas mostraram que as relações raciais caíram ao ponto mais baixo em quase um quarto de século.

Não obstante, muitos ativistas se recusam a enxergar a realidade ou buscar em fatores culturais as explicações. Preferem demonizar gente como Sowell, que previu as consequências. Apesar desses ataques pérfidos e da firmeza com a qual Sowell respondia, ele sempre demonstrou tolerância com as divergências. Primeiro, por ter sido professor. Depois, por ter sido de esquerda. E, por fim, por ter escrito sua obra-prima, Conflito de Visões, que define como pessoas honestas e inteligentes podem chegar a pontos de vista distintos por conta de suas premissas e background. Ele chamou de “visão limitada” e “visão ilimitada” cada lado, o que pode ser entendido como a visão trágica e a utópica também. Numa delas, o ser humano é visto como imperfeito e suscetível às paixões humanas, enquanto na outra ele é tido como quase infinitamente elástico em seu potencial para o bem.

O livro não indica simplesmente diferenças semânticas entre intelectuais notáveis ​​através dos tempos. Ele explica por que as pessoas que participam de comícios contra a polícia também tendem a apoiar impostos mais altos sobre os ricos e o sistema de saúde universal, e como essas posições podem ser atribuídas a uma visão utópica da condição humana delineada por homens que nasceram antes mesmo da existência dos Estados Unidos. Alguns querem “soluções” para tudo, enquanto outros, mais realistas talvez, aceitam que dilemas sociais oferecem no máximo trade-offs, alternativas imperfeitas.

“Eu mesmo, é claro, comecei pela esquerda e acreditei muito nessas coisas. A única coisa que me salvou foi que sempre pensei que os fatos importavam. E uma vez que você pensa que os fatos importam, então é claro que é um jogo muito diferente”, chegou a comentar. Se você demonstra forte apreço pela realidade e vai atrás da verdade com o máximo de imparcialidade, então os próprios fatos podem mudar suas visões preconcebidas. Foi o que levou Sowell da esquerda para a direita. Mas seus pares intelectuais de universidades como Harvard preferiam muitas vezes pôr suas premissas acima das evidências e da lógica, e isso sempre decepcionou Sowell. Ele nunca teve muita paciência com o elitismo arrogante. “Os lugares mais intolerantes em que você pode estar atualmente são os câmpus universitários”, afirmou.

Em uma época de censura do politicamente correto, de excessivo sentimentalismo e de medo de ofender grupos organizados de minorias com os fatos, ler Sowell faz-se ainda mais necessário. “Sempre acreditei que os fatos eram tão fundamentais que aonde quer que você queira ir, literal ou figurativamente, você só pode chegar lá de onde estiver. Se você quiser fazer o melhor que pode por alguém, precisará saber onde eles estão na realidade”, escreveu. Sowell era realista e jamais deixou seus desejos cegarem sua razão. O que importava mais para Sowell era se os argumentos de um indivíduo poderiam resistir ao escrutínio, não como o indivíduo se identificava politicamente ou ideologicamente.

Quão melhor seria o nível dos debates com mais gente assim! Sowell é um pensador que precisa ser mais lido. Para quem quiser começar por um ótimo resumo de suas principais ideias, essa biografia é altamente recomendável.


Revista Oeste

















PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2021/07/o-legado-de-thomas-sowell-segulndo.html


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