Percival Puggina
Volta e meia, minha mulher arruma tempo para abrir velhas pastas com papéis amarelados. Cada um à sua vez, eles foram úteis, ou importantes, e ganharam lugar em alguma pasta de cartolina, daquelas fechadas com elástico esticado sobre os cantos. Garanto-lhes que resistem ao passar dos anos.
Nessas ocasiões, voltam ao manuseio, entre sorrisos e lágrimas, soluços e gargalhadas, bilhetes e desenhos dos filhos, mensagens trocadas, cartões guardados de presentes que o tempo levou, artigos anteriores à minha amizade com os computadores. Tudo carinhosamente preservado por ela.
Outro dia, numa dessas pastas havia anotações de comentários que eu fazia diariamente para a Rádio Guaíba de Porto Alegre, no início dos anos 90. O mais visível era do dia 23 de novembro de 1991 e eu abordava a chacina do soldado Valdeci de Abreu Lopes, degolado com golpe de foice na esquina mais central de Porto Alegre em 8 de agosto de 1990. Os autores nunca foram identificados, tendo havido seis condenações de coautores. À época, para criar uma “narrativa”, foi constituída na Assembleia Legislativa uma Comissão Especial para investigar a violência no campo e essa comissão fora ao Presídio Central visitar os presos.
No comentário, eu perguntava o que uma comissão instalada sobre violência no campo buscava em visita a presos por um homicídio praticado no centro da capital gaúcha... (a ironia sempre foi minha parceira).
O achado me levou a outro. Certamente eu havia escrito algo a respeito daquele triste episódio, cujos primeiros movimentos, ocorridos na Praça da Matriz, assisti in loco, desde uma janela no prédio da Assembleia Legislativa do Estado.
Não encontrei o que queria, mas achei algo bem posterior, escrito 23 anos atrás para um semanário católico da época:
Ainda hoje, a defesa dos Direitos Humanos, na maior parte de suas manifestações visíveis, está longe de ter a abrangência que a condição humana (imagem e semelhança de Deus) reclama. Em nome de direitos naturais, dos quais todos somos igualmente detentores desde a concepção, se defende e se estimula aborto e controle de natalidade. Os mesmos grupos que, em nome dos Direitos Humanos, exigem sanções ao general Pinochet recebem Fidel Castro com urras e vivas (e vice-versa). Nenhum segmento que se preocupe com exigir do Estado um bom atendimento aos presos volta os olhos para os problemas enfrentados pelas vítimas dos crimes que esses mesmos presos praticaram. E assim por diante.
Por fim, nesse texto, de 14 de dezembro de 1998, afirmei:
“Em outras palavras, a maior parte das manifestações em defesa dos Direitos Humanos surge contaminada por um escrutínio racista, ou político, ou ideológico, ou sexual, ou cultural.”
Como é antigo esse divisionismo que hoje alguns parecem tardiamente descobrir e cuidam de atribuir ao presidente da República!
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