Jornalista Andrade Junior

sábado, 24 de julho de 2021

"Newton explica",

 escreve Marcelo Tognozzi

Congressistas reagem na mesma intensidade quando ministros do Supremo se metem em política


A3ª Lei de Newton é clara: para toda ação existe uma reação em sentido contrário e com a mesma intensidade. Em 17 de setembro de 2015, o Supremo decretou a inconstitucionalidade das doações de empresas para campanhas eleitorais.

Nessa corte onde os ministros são juristas nomeados pelo presidente e referendados pelo Senado, a maioria nunca se dedicou a pedir votos e nem conhece de perto as entranhas da política. Ao acabarem com as contribuições das empresas, eles se imaginaram protagonistas de uma higienização da política, impedindo que o grande capital capturasse o poder público com seu dinheiro.

O então decano da corte, Celso de Melo, vivido, experiente e conhecedor da realidade do país, votou contra e alertou para os riscos dizendo que o melhor a fazer era impedir os abusos. Foi voto vencido junto com Gilmar Mendes e o finado Teori Zavascki.

Sem o dinheiro das empresas, que durante décadas a fio foi tido e havido como legal, os partidos reagiram em sentido contrário e com a mesma intensidade criando o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, o famoso Fundão Eleitoral que acaba de ser fixado em R$ 5,7 bilhões para a eleição do ano que vem.

Os próprios ministros do STF criticaram o aumento de 185% sobre os valores de 2020, houve chororô na imprensa, dos moralistas de plantão e até de congressistas derramando lágrimas de crocodilo. O Supremo ainda não pode decretar a inconstitucionalidade da 3ª Lei de Newton. Talvez consiga no futuro, se a tecnologia ajudar. Os quase R$ 6 bi que os políticos meteram goela abaixo da sociedade, devidamente higienizados, não é nada mais nada menos que a lei newtoniana em seu pleno e absoluto vigor.

Ao decretar o fim das contribuições das empresas para as campanhas eleitorais, o Supremo deu aos partidos políticos o direito de decretar quanto irá custar a eleição e como o dinheiro será distribuído. Não é por acaso que a maioria dos partidos perdeu o interesse pela eleição majoritária e seus presidentes priorizaram manter seus poderes a todo custo. A dificuldade de Bolsonaro em entrar para um partido e levar junto a chave do cofre passa por essa realidade. Presidentes são passageiros e partidos duram décadas. PT e PDT têm 40 anos.

A eleição mais valiosa é a de deputado federal, porque quanto maior a bancada do partido, mais dinheiro ele recebe não apenas do Fundão Eleitoral, mas também do fundo partidário que, no ano passado, pingou nada menos que R$ 934 milhões nas contas dos partidos.

Nos primeiros 6 meses deste ano, informa o TSE, o PSL, dono do maior número de deputados eleitos, levou R$ 8,7 milhões por mês. Até o fim do ano serão R$ 104,4 milhões. O PT embolsou R$ 7,7 milhões, que até dezembro somarão R$ 92,4 milhões. Dinheiro limpinho e devidamente higienizado. Um negoção.

Alguém de sã consciência acredita que os partidos vão largar esse osso? E alguém tem alguma dúvida sobre a eficiência da proibição promovida pelo Supremo naquela primavera de 2015? Os ministros jogaram para a plateia, saíram nos braços da mídia e do povo, enquanto os partidos se encarregavam de transformar aquela aparente derrota numa vitória esmagadora. O decano Celso de Melo ainda tentou alertar para as consequências, mas só 2 dos seus colegas lhe deram ouvidos.

O filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797), conservador, polêmico e político com vários mandatos no parlamento, tinha uma visão muito peculiar sobre a Revolução Francesa e a eficiência dos seus resultados. Foi criticado pelos ataques às ideias revolucionárias francesas, mas até seus mais ferrenhos adversários da época acabaram reconhecendo que ele estava certo ao prever as consequências de terror e sangue daquele 14 de julho de 1789.

No seu livro “Reflexões sobre a revolução em França”, escrito em 1790, Burke critica a mentalidade revolucionária de eleger o atalho como via de transformação da sociedade e que, por falta de prudência, aquilo que deveria salvar o Estado acabou transformando-se em elemento da sua ruína (p 73, Editora UnB, 1982). Ou seja: fazer a coisa certa dá mais trabalho, porém os resultados são infinitamente mais eficientes.

Daria muito mais trabalho agir para disciplinar as doações de campanha, de forma a garantir a lisura destas relações, do que simplesmente tirar o sofá da sala e substituir o dinheiro dos empresários pelo do contribuinte. Os partidos políticos são entidades de direito privado e como tal deveriam ser tratados, mas não foi isso que o Supremo entendeu –ou não encontrou apetite para entender. Nunca tivemos por aqui a cultura de punir com rigor os crimes eleitorais, tanto que o grande sonho de muitos dos acusados pela Lava Jato era aterrissar na Justiça Eleitoral, onde caixa 2 não dá em nada.

A ficha caiu e agora até o Ministério Público já admite rever a doação de empresas, assim como ONGs, a exemplo da Transparência Eleitoral Brasil. Mas agora, com tudo funcionando redondo e os partidos livres do ônus de correr atrás do dinheiro da campanha, quero ver quem vai colocar o guiso no pescoço do gato e convencer suas excelências a abrirem mão da grana do contribuinte e voltarem a passar o chapéu entre os empresários.

Os ministros do Supremo costumam cometer equívocos quando se metem em política ou acreditam que são mais espertos que os políticos. Em 1995, o Congresso aprovou a cláusula de barreira que vigoraria 10 anos depois. Em dezembro de 2006, o Supremo derrubou o artigo 13 da Lei 9096/95, atirando por terra a cláusula de barreira.

O deputado Miro Teixeira foi dos primeiros a reconhecer publicamente o equívoco da decisão unanime que acabou com a cláusula de barreira: “O erro do multipartidarismo não nasceu da lei feita no Congresso. Foi em outro prédio”. O mesmo prédio onde anos depois nasceria o fundo de campanha, filho do atalho que tanto irritava Burke e da irrevogável 3ª Lei de Newton.


Poder360











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