editorial do Estadão
O tema do liberalismo esteve muito presente na campanha eleitoral deste ano. Entre outros fatores, cresceu o número de candidatos e partidos dispostos a defender ideias liberais, especialmente na área econômica. Ainda que possa parecer pequeno diante da força dos diversos populismos, é um passo importante para a qualidade das discussões políticas do País. A discussão dos valores liberais sempre enriquece o debate público.
Deve-se reconhecer, no entanto, que a campanha eleitoral é um espaço mais propício para simplificações e polarizações do que para um diálogo maduro e construtivo. Por exemplo, as discussões sobre o liberalismo quase sempre estiveram restritas a questões econômicas, o que reforça a equivocada ideia de que as ideias liberais se resumiriam a um conjunto de princípios e postulados relativos à economia e ao mercado.
É evidente que os valores liberais têm consequências na área econômica. No entanto, a defesa da liberdade é muito mais do que um meio para resolver problemas econômicos. O objetivo dos valores liberais não é simplesmente maximizar os ganhos econômicos em uma determinada sociedade. É assegurar o exercício, em todos os âmbitos, das liberdades individuais e políticas.
Um exemplo da ampla dimensão das ideias liberais é a própria história deste jornal. Sob inspiração liberal, o Estado foi fundado em 1875 com o objetivo de contribuir para a abolição da escravidão e a instauração da República. As duas causas não são bandeiras econômicas, ainda que tenham consequências positivas sobre a economia. A abolição da escravatura e a instauração da República eram imperativos políticos baseados numa concepção forte de liberdade.
E a firme defesa da liberdade continua sendo necessária nos dias de hoje. Causa grave prejuízo ao País o discurso, tantas vezes recorrente, de uma suposta oposição entre as ideias liberais e a preocupação social, como se os populistas fossem os grandes aliados políticos da população mais carente.
Na realidade, ocorre o inverso. Os diversos populismos não enfrentam os problemas sociais. Eles utilizam as questões sociais apenas como tática de manipulação política, como ficou evidente nos anos em que o PT esteve no governo federal. O presidente Lula da Silva não utilizou as condições extremamente favoráveis de seu governo - resultado de circunstâncias externas benéficas e das medidas estruturantes promovidas pelo seu antecessor, o presidente Fernando Henrique Cardoso - para realizar reformas que assegurassem as condições para o desenvolvimento das classes sociais mais pobres. Os pobres continuaram dependentes do Estado. Apesar de dispor de condições muito favoráveis, o PT não promoveu as necessárias reformas, por exemplo, na saúde e na educação.
Os valores liberais - que nada mais são do que essa profunda defesa da liberdade em todas as esferas - não estão desvinculados das questões sociais. Só há liberdade real onde estão presentes as condições para se exercer a liberdade. Por isso, o desenvolvimento social de um país não é um aspecto acessório - ele é essencial para o fomento da liberdade.
Vale lembrar também que o regime da liberdade é o regime da lei. A fundamental igualdade de todos, princípio básico de um Estado Democrático de Direito, manifesta-se precisamente na submissão de todos, sem exceção, à mesma lei. Quando o poder público extrapola os limites legais, mesmo nas situações em que tenha apoio popular para isso, ele está violando a liberdade de todos os cidadãos.
Depois de mais de uma década de lulopetismo, o País tem pela frente o inadiável desafio de retomar o crescimento, por meio de uma política econômica responsável e realista. O populismo já causou demasiados estragos. Mas é preciso também restabelecer a igualdade de todos perante a lei, seja para tolher privilégios e benesses, seja para impedir os abusos do poder estatal em searas que não lhe competem. Afinal, a defesa das liberdades individuais não é apenas um tema de campanha - foi um ensurdecedor clamor que se levantou das urnas no dia 7 de outubro.
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