Roberta Ribeiro, Gazeta do Povo
Os crimes envolvendo combustíveis têm um custo alto para o país, totalizando R$ 29 bilhões a cada ano, segundo estimativa do Instituto Combustível Legal (ICL). O desfalque vem de roubos, furtos e adulteração de cargas, bem como de fraudes nas próprias bombas de gasolina e postos piratas, totalizando R$ 15 bilhões. Outros R$ 14 bilhões devem-se a fraudes administrativas e fiscais, como sonegação de impostos, vendas interestaduais fictícias e desvios em importações e exportações.
Além de quadrilhas especializadas em roubos e furtos de carga e dos fraudadores, grandes facções criminosas também encontraram no setor de combustíveis uma forma de obter altos lucros e de lavar o dinheiro de outras atividades, incluindo o tráfico de drogas. Elas operam em todas as fases do esquema, desde o roubo, passando pela adulteração do combustível e a sonegação de impostos.
Depois de roubado ou furtado, o combustível normalmente é adulterado nas "batedeiras", empresas que mesclam os combustíveis e o distribuem para postos vinculados, onde é comercializado a preços inferiores aos do mercado. Essas empresas são vinculadas direta ou indiretamente às facções e não declaram impostos. Algumas nem sequer emitem notas fiscais, mas agem como se o fizessem.
Dessa forma, todo o volume de caixa gerado nesses estabelecimentos fica livre para que as organizações criminosas lavem dinheiro ou financiem outras atividades, como a compra de armas, por exemplo. Grandes facções de todo o país já atuam no setor, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), por exemplo.
Segundo estimativa do ICL, que é um think tank integrado por empresas e associações do setor, somente o PCC teria controle de aproximadamente 1.100 postos fraudulentos, ou 2,5% dos postos de combustíveis no país. De acordo com o Anuário da Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2023, no fim de 2022, havia 43 mil postos de combustíveis operando no país.
Os crimes no setor de combustíveis variam de acordo com a região. Por exemplo, as fraudes administrativas e roubos de cargas rodoviárias e furtos de oleodutos são bastante comuns no Sudeste. Já no Norte do país, o roubo de tonéis e carga de combustível de embarcações que transitam nas hidrovias locais é mais frequente.
De acordo com o presidente do ICL, Emerson Kapaz, o tema é grave e demanda um esforço conjunto para o combate a essas práticas e para a promoção de um ambiente mais justo. “Nós propomos uma integração efetiva entre diversas instituições públicas federais e estaduais. Essa cooperação é essencial para facilitar a troca de informações e facilitar as ações de combate ao crime organizado, à evasão fiscal e aos agentes que prejudicam diretamente o consumidor por meio de práticas como adulteração de combustível e de bombas medidoras”.
O ICL avalia que o valor estimado da dívida de “devedores contumazes” no setor de combustíveis e lubrificantes acumulada entre 1994 (quando os levantamentos começaram) e 2023 seja de aproximadamente R$ 155 bilhões. O termo “devedores contumazes” engloba em sua maioria fraudadores que criam empresas, postos e distribuidoras, com o objetivo de sonegar impostos, segundo o instituto.
Elas são criadas para ter altos lucros de forma rápida, já que não pagam os tributos, e são fechadas depois de um curto prazo de funcionamento. Após o encerramento das atividades, os donos reais, que se utilizam dos "laranjas" para o registro dessas empresas, abrem outro CNPJ e aplicam a mesma tática de forma consecutiva.
No entanto, por um defeito na lei, esses "devedores contumazes" acabam sendo caracterizados como devedores eventuais – aquelas empresas que ocasionalmente têm déficits e, portanto, acabam se endividando, mas que honram suas dívidas depois de se recuperar.
Atualmente, há um Projeto de Lei Complementar no Senado (PLP 164/2022) que propõe a caracterização do "devedor contumaz", sua diferenciação do devedor eventual, além da validação de regimes de tributação que visem coibir essa prática, bem como penas mais duras para quem pratica esse tipo de crime. Atualmente, o PLP está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que deve realizar uma audiência pública para dar seguimento à tramitação.
Combustível roubado é frequentemente adulterado
Além das práticas de sonegação, na região Sudeste, duas das modalidades mais praticadas são o roubo de cargas, quando há o uso de violência contra o motorista, por exemplo, e furto, quando os criminosos levam o combustível sem o uso de violência.
Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre 2019 e 2023 foram reportados 105 roubos de cargas e de combustível, sendo que o maior número desses crimes ocorreu em 2020, com 30 casos, e em 2023, com 29.
Já o total de furtos, quando não há o uso de violência, chegou a 92 entre 2019 e 2023, com ápice no ano passado, quando foram registradas 28 ocorrências. Em 2024, a PRF já registrou 8 roubos e 10 furtos de cargas de combustível. Em todos os anos, o maior volume destes crimes ocorreu em Minas Gerais.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro essas cargas podem ser distribuídas diretamente aos postos irregulares ou encaminhadas para as "batedeiras", indústrias químicas onde ocorre a mistura com produtos proibidos.
Emerson Kapaz explica que medidas como a tributação direta do combustível ao sair das refinarias, como ocorre com a gasolina e o diesel, tende a reduzir as adulterações na composição desses produtos.
Além do fomento ao crime, o preço mais baixo que o consumidor paga pelos produtos adulterados, no longo prazo, acaba gerando até mesmo danos nos veículos, com desgaste e entupimento de motores e válvulas.
Os postos irregulares ainda se utilizam de outras estratégias, como bombas fraudadas. Operadas por chip ou por controle remoto, o visor dessas bombas mostra ao consumidor que o veículo está sendo abastecido com uma quantidade falsa de combustível, acima da quantidade real que está sendo dispensada. No fim, ele paga bem mais por um volume menor. Quando a fiscalização aparece, o sistema é desligado por controle remoto.
Quadrilhas furtam combustíveis até de dutos subterrâneos
Outro crime praticado pelas quadrilhas é o furto de combustíveis de dutos subterrâneos de transporte, chamado de “derivação clandestina”. A Transpetro, subsidiária logística da Petrobras, é a mais afetada pela prática.
Segundo investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro, de 2023, quadrilhas se especializaram ao ponto de contratar ex-funcionários de plataformas de petróleo e soldadores para perfurar oleodutos e instalar mangueiras para extrair ilegalmente o combustível.
Por determinação legal, as faixas de oleodutos são demarcadas. Os criminosos escavam locais remotos por onde os dutos passam e, com ferramentas especiais, perfuram os dutos, instalam válvulas e furtam o combustível.
A Transpetro opera atualmente cerca de 8.500 quilômetros de dutos pelo país. Para coibir essas ações, a empresa diz estar adotando recursos de monitoramento, como drones e tecnologia para identificação de perfurações próximas aos dutos.
As medidas de segurança, que também envolvem a conscientização da população que vive próximo aos dutos, têm surtido efeito e esse tipo de furto apresenta decréscimo. De acordo com a Transpetro, houve uma queda 52% no número de furtos em dutos entre os anos de 2022 e 2023, quando foram registrados 28 casos, contra 58 do ano anterior.
Mais do que adulterar a qualidade dos produtos, gerar desequilíbrio concorrencial, a sonegação e diminuição da arrecadação de tributos, esse tipo de crime ainda tem outras implicações. Não raro, a perfuração dos dutos pode provocar incêndios, explosões e vazamentos, que podem poluir e contaminar a fauna, flora e cursos d’água próximos. Em 2019, um acidente dessa natureza no México causou a morte de aproximadamente 60 pessoas.
Em tramitação no Congresso, o Projeto de Lei 828/22, do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), propõe alterar o Código Penal para aumentar a pena atual para furto de combustíveis de um a quatro anos de prisão para de quatro a dez anos de cadeia. O projeto é motivado principalmente pelo risco vinculado ao furto de combustíveis em dutos subterrâneos. Ele já passou na Comissão de Infraestrutura do Senado em abril deste ano.
Na região Norte, “piratas de rios” roubam embarcações de combustíveisJá na região Norte do país, os principais casos de roubos de combustíveis visam as embarcações que transitam pelas rotas hidroviárias. Os chamados “piratas de rios” chegam a causar prejuízos de cerca de R$ 100 milhões anuais, segundo dados do ICL.
Os impactos podem ser mais contundentes do que em outras regiões do país, pois além do funcionamento e abastecimento de maquinários e postos, os furtos acabam comprometendo a operação de termelétricas e prejudicando a geração de energia em cidades que ainda não estão interligadas à rede elétrica nacional.
O ICL estima que 460 municípios nos estados do Norte sejam afetados por essa prática, que prejudica diretamente 17 milhões de habitantes. Nos últimos dois anos, mais de 4,5 milhões de litros de combustível foram roubados das embarcações, sendo 600 mil litros de diesel somente no ano passado.
Além da utilização de equipes de segurança nas embarcações, Emerson Kapaz afirma que é preciso que os órgãos de segurança aperfeiçoem a fiscalização ativa das vias fluviais, bem como fortaleçam as leis para penalização desse tipo de ato ilícito.
Roberta Ribeiro, Gazeta do Povo
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