Uma nova etapa para o governo de Javier Milei
O liquidificador e a motosserra foram os pilares da primeira etapa do plano Milei-Caputo e possibilitaram alcançar o equilíbrio fiscal, que é a base do ajuste macroeconômico e a âncora do programa. Não há dúvida de que essa foi a principal conquista do governo, que surpreendeu o mundo financeiro e até o FMI, que às vezes parece dizer que não era necessário ir tão rápido na redução do déficit.
Os primeiros cinco meses foram música para os ouvidos do governo. A inflação, que inicialmente subiu como resultado da desvalorização, aumentos de tarifas e abertura de preços, depois caiu mais rápido do que o esperado. E ela ainda não encontrou um piso. O Banco Central vem comprando dólares consistentemente desde dezembro (cerca de US$ 15 bilhões até agora no mandato), o que permitiu um aumento significativo das reservas, ao mesmo tempo em que conseguiu uma redução acentuada no hiato cambial e manteve a taxa de câmbio paralela estável.
Os passivos remunerados se liquefizeram com a inflação, um objetivo prioritário para Javier Milei, e também foi possível conter a demanda potencial por dólares devido às dívidas de importadores e empresas que queriam transferir dividendos para o exterior. Se no início havia um excesso de pesos, agora essa parece ser uma questão ultrapassada.
Além disso, houve a confiança gerada pelo ajuste fiscal, que se refletiu em uma queda acentuada do risco-país. Ele caiu quase 1.000 pontos desde que Milei venceu, acompanhado por um rali nos preços das ações.
Mas nem tudo foi cor-de-rosa. Estamos vivendo uma forte recessão, comparável apenas às da pandemia e do fim da conversibilidade. Vemos também uma enorme queda nos salários reais e nas aposentadorias que estão atingindo grande parte da população. O que chama a atenção é que, apesar dessa má notícia, Milei continua mantendo uma imagem positiva muito alta, o que mostra amplo apoio a um programa que, embora doa, gera esperança.
Mas esta primeira etapa, com suas muitas luzes e poucas sombras, está chegando ao fim. Isso porque o liquidificador já fez a maior parte do trabalho (resta pouco para liquefazer) e a motosserra já fez a sua parte.
Agora surgem os desafios da segunda etapa, chegou a hora do ajuste fino, da análise de qual redução de gastos resta e qual terá que ser revista. Certamente os aposentados terão que recuperar parte do que perderam, algum investimento público terá que ser feito, bem como transferências para as províncias. Do lado fiscal, teremos que pensar mais em sustentabilidade e equidade do que na motosserra que não faz distinção entre joio e trigo.
Ao mesmo tempo, há a necessidade de acabar com as restrições, algo que o governo prometeu desmantelar desde o primeiro dia, mas que cinco meses após sua administração permanece quase inalterado. O governo argumenta que são necessárias mais reservas (o que é compreensível e possível) e mais liquefação dos passivos remunerados do Banco Central (antes eram os leliqs, agora são os pases), o que parece difícil de fazer com essas taxas de inflação mais baixas.
A verdade é que dificilmente há um momento ideal para retirar as restrições e em que o governo se sinta confortável. Sempre haverá algum risco a correr. Por outro lado, pode-se argumentar que o momento é agora, porque a diferença cambial é baixa (aproximadamente 25%), apesar do fato de que a taxa de juros da política monetária caiu para apenas 50% ao ano, o que parece pouco atraente em relação à inflação. Talvez o que preocupe o governo é o que aconteceria com a taxa de juros e o CCL (dólar contado com liquidação) se não houvesse restrições e não houvesse possibilidade de liquidar parte das exportações à vista com liqui (CCL). Não sabemos ao certo, mas o mercado provavelmente pediria uma taxa de juros acima da inflação e um CCL mais alto.
Além disso, há uma segunda questão relevante de uma economia sem restrições, que é a de que não sabemos qual será o regime cambial quando elas forem removidas. Vamos continuar com o crawling peg atual com uma depreciação de 2% ao mês ou algo semelhante? Será adotado um regime de flutuação suja em que o Banco Central deixa flutuar, mas intervém de tempos em tempos para evitar flutuações bruscas na taxa de câmbio? Vamos optar por um sistema de bandas cambiais, colocando um teto e um piso na taxa de câmbio flutuante, como fizeram Chile e Israel para baixar a inflação? Ou talvez, embora improvável, vamos para a dolarização, que por enquanto parece esquecida, mas pode retornar à pauta.
Por último, mas não menos importante, começam a surgir dúvidas sobre quando e como a economia será reativada. Março foi provavelmente o fundo da recessão e já vimos números melhores para vários setores em abril. No entanto, melhor não significa bom. E parece que as chances do famoso "V" são efêmeras, pois fatores que ajudaram a sair da crise de 2001, como uma alta do câmbio real, ou o boom dos preços das commodities ou uma forte entrada de capital nos próximos meses não parecem estar à vista. E não se deve esquecer que a manutenção das restrições também freia a recuperação. É verdade que o aumento do crédito ajuda, mas com o liquidificador foi reduzido a um valor irrisório.
Há indícios de que a primeira etapa está chegando ao fim e que a segunda etapa requer ajustes finos. O rali nos preços dos títulos e das ações está encontrando um teto, as reservas continuam subindo, mas não como no início, embora estejamos no meio do período de colheita. O governo agora está intervindo para adiar os aumentos de preços, a fim de manter a inflação baixa. E há cada vez mais dúvidas sobre o câmbio, sobre por que o governo não está desmontando as restrições.
É claro que o início da gestão foi bem-sucedido e que os mercados e a população vêm dando um voto de confiança ao governo. Agora estamos entrando em uma segunda etapa que exige menos liquefação e mais afinação, menos motosserra e mais bisturi.
*Este artigo foi originalmente publicado em Econviews.
PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3348/chegou-a-hora-de-menos-liquidificador-e-motosserra-mais-afinacao-e-bisturi
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