por J.R. Guzzo
A visão que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, tem sobre a imprensa é incompatível com o que está escrito na legislação brasileira em vigor
Oministro Alexandre de Moares tem o seu entendimento particular a respeito da liberdade de imprensa, e sobre como os jornalistas e empresas de comunicação deveriam se conduzir em suas atividades junto ao público. Não há nada de extraordinário nisso. O ministro, como cidadão, está no seu direito de achar o que quiser sobre este e quaisquer outros temas. Mas o ministro Moraes é juiz do Supremo Tribunal Federal, e nessa condição pode a qualquer momento dar sentenças que afetam diretamente o exercício do jornalismo no Brasil de hoje — e, ao dizer as coisas que tem dito sobre o assunto, ele antecipa como vai julgar as causas que o STF virá a apreciar a respeito. O problema está aí. Como juiz, o ministro e seus colegas têm a obrigação constitucional de decidir as questões segundo o que determinam a letra e o espírito da lei, não segundo as suas opiniões pessoais — e a visão que ele tem sobre a imprensa é incompatível com o que está escrito na legislação brasileira em vigor. O ministro, pelo que se depreende de seus comentários gerais sobre o tema, acha que a mídia, essencialmente, deve ser imparcial. Mas não é isso o que dizem a Constituição Federal e o restante das leis. A imprensa não tem de ser imparcial. Tem de ser livre. É a lei.
O conceito de “imparcialidade”, no Brasil e em qualquer democracia séria do mundo, não tem valor jurídico em nada daquilo que possa se referir à liberdade de expressão. Quem tem de ser imparcial é a Justiça — não a imprensa. A imprensa não tem a obrigação de ser isenta, ou de boa qualidade, ou justa, ou de dizer só a verdade, mesmo porque tudo isso está simplesmente acima da sua capacidade. O que ela tem de respeitar são dois mandamentos fundamentais, um de ordem funcional e outro de ordem legal. A obrigação funcional do jornalismo é ser fiel aos fatos; do contrário não estará servindo para informar e não terá a credibilidade que precisa para se manter vivo. Quem julga isso é o público, e não os tribunais de Justiça. A obrigação legal é ser responsável por cada palavra que leva à sua audiência e submeter-se ao que está escrito no Código Penal e no resto da legislação; do contrário sujeita-se às punições previstas em lei. Quem julga isso são os tribunais de Justiça, e não o público. A questão acaba aí. Não há nenhuma necessidade de ir além — e quando vai é inevitável que o direito à livre manifestação seja agredido.
A postura do ministro Moraes, sem dúvida, é razoável — é por isso, aliás, que tanta gente pensa como ele sobre o assunto. Quem não quer uma imprensa que só publique coisas verdadeiras, precisas, inteligentes e úteis para a sociedade? Mas teria que haver, nesse caso, uma lei dizendo: “A mídia tem a obrigação de ser imparcial” — e mais todas as outras virtudes que se exigem dela. Isso não é possível, obviamente, a começar pelo fato de que não há como definir o que seja “imparcialidade”, e muito menos quem vai decidir o que é imparcial e o que não é. A única coisa que se pode fazer, e já é feita há muito tempo, é responsabilizar os veículos e os jornalistas por tudo aquilo que publicam. É a mesmíssima história com as fake news, promovidas ultimamente à condição de flagelo número 1 da humanidade. Se a mídia publica notícias falsas, vai ser punida com o descrédito. É bem simples: as pessoas não vão acreditar quando você diz que um disco voador desceu no Viaduto do Chá, ou que o Corinthians acaba de ganhar por 9 a 0 do Manchester City. Qual o sentido de querer lidar com esse assunto através da intervenção do Estado? Um só: a determinação oculta de controlar o que se publica. Isso não é justiça. É política.
A lei de “regulamentação” proposta por eles permitiria, perfeitamente, que a Jovem Pan fosse punida por disseminar “desinformação”, como diz o ministro Moraes. Se isso não é censurar, o que seria censura?
A verdade é que todo esse clamor pela necessidade de uma mídia isenta se traduz, no mundo das realidades, por atitudes de repressão à liberdade de expressão. O último exemplo disso foram as declarações do ministro Moraes sobre uma entrevista da Rádio Jovem Pan, na qual foram feitas, mais uma vez, acusações sobre o assassinato do prefeito da cidade de Santo André, 20 anos atrás. Foi apenas uma entrevista, como milhares de outras que vão ao ar nas emissoras de rádio brasileiras. Foi boa? Foi ruim? Não é possível emitir um laudo a respeito; isso é uma questão entre a Jovem Pan, que tem o direito de entrevistar quem quiser, e os seus ouvintes, que têm o direito de gostar ou não do que ouviram. Mas o ministro considerou que a emissora tinha praticado o novo delito da “desinformação”. Pior: ela agiu como braço de um “partido político” e foi “instrumentalizada” para fins escusos. Não é o que dizem os fatos. Os fatos dizem apenas que a rádio levou ao ar uma entrevista com uma personagem da vida pública, na qual ela falou o que acha a respeito do episódio de Santo André — da mesma maneira, exatamente, como qualquer político fala o que acha sobre isso ou aquilo. Qual é o problema? Se a entrevistada prejudicou alguém, ou cometeu algum erro naquilo que falou, ela terá de responder por isso na Justiça. O que não se pode é proibir a Jovem Pan de entrevistar quem ela quiser — ou proibir que as pessoas falem o que pensam quando são entrevistadas pela mídia.
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