Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Pobreza e miséria: duas indústrias lucrativas

  Ubiratan Jorge Iorio 


Porque, pobres, sempre os tereis convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem; a mim, porém, não Me tereis sempre”. (Mc 14,7)

Pobreza de verdade, mas pobreza mesmo, para valer, de dar dor no bolso, só é sentida por quem é pobre, pois para políticos, artistas e “intelectuais”, que nunca a sentiram na carne, sempre foi fonte de prestígio, riqueza e poder, como sanguessugas que se alimentam das dificuldades alheias.

Há cerca de dois mil anos, uma mulher de nome Maria quebrou um vaso de alabastro e derramou todo o seu conteúdo – um perfume de nardo caríssimo – sobre a cabeça de um homem chamado Jesus. Um dos presentes criticou a atitude da mulher, sob a alegação de que havia desperdiçado mais de trezentos denários, equivalentes a trezentos dias de salário, ao invés de doar a alta soma aos pobres. [i]

Segundo o relato escrito de outro dos presentes à cena [ii] o crítico foi Judas Iscariotes, não porque se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão e costumava furtar o dinheiro que colocavam na bolsa, enquanto que, de acordo com os relatos também escritos de dois outros que ali estavam, [iii] os indagadores teriam sido os discípulos daquele homem, dos quais Iscariotes fez parte até ser desmascarado.

O que fez, então, Jesus? Ao mesmo tempo em que convidou todos a ajudarem os pobres voluntariamente (“… quando quiserdespodeis fazer-lhes bem”), reprimiu aqueles que exigiam que a mulher tivesse sido “caridosa compulsoriamente, deixando claro que sempre haverá pobres no mundo. Para nós, já que este artigo, evidentemente, não é uma homilia, isso traz dois grandes ensinamentos: que a luta contra a pobreza é e será uma batalha permanente de todas as sociedades e que a verdadeira caridade pressupõe espontaneidade.

A menção aos dois Evangelhos, no entanto, é perfeita para compararmos os políticos, intelectuais, jornalistas, professores, artistas e todos os que transformam a pobreza em uma indústria, uma plataforma, um trampolim para conseguir vantagens que vão do poder à fama, da corrupção ao enriquecimento, da exploração da ignorância à velhacaria dos Judas modernos.

Ora, pois, diminuir o número de pobres e erradicar a miséria é uma imposição moral a que nenhum de nós deve fugir. Porém, cinismos à parte, a verdade é que os indivíduos nunca foram padronizados e, portanto, sempre existiram “desigualdades” e – sei que a notícia não é boa – continuarão a existir. Por isso, buscar a igualdade absoluta de resultados é um propósito descabido, porque nunca poderá ser alcançado a não ser pela força e fatalmente tornando todos os indivíduos pobres, pobres, pobres de marré deci, como em todos os experimentos socialistas realizados até hoje.

Também existe pobreza nos países desenvolvidos, só que em graus inferiores à existente nos países atrasados, o que nos leva a concluir, desde já, que a abordagem correta para atacar esse mal deve ser procurar diminuir a pobreza relativa. Muitos pobres americanos, por exemplo, seriam facilmente incluídos na classe média brasileira, assim como um brasileiro com os mesmos protótipos de consumo da classe média hoje, certamente, seria considerado um ricaço segundo os padrões da Venezuela arrasada pelo socialismo. Reduzir a pobreza relativa, em termos internacionais, consiste em fazer a queda em nossa pobreza absoluta ser maior do que a das sociedades desenvolvidas. E, em termos internos, aumentar o percentual de não pobres em relação à população total, porém, sem empobrecer quem já era rico.

Foram e continuam sendo comuns os exemplos de políticos que, embora distantes do Evangelho, sabem muito bem que sempre existirá pobreza, mas simulam matreiramente que não sabem, para assim conquistarem eleitores e os manterem cativos, de modo a permanecerem permanentemente em seus cargos. É a indústria da pobreza, cuja taxa de retorno costuma variar em proporção direta com a ignorância do eleitorado.

Caridade, solidariedade, amor e outras virtudes morais, quando são impostas por decretos, não são virtudes, mas simples atos de extorsão praticados pelo Estado contra os cidadãos e empresas.

Há dois modos de escapar ao dever de solidariedade humana que se impõe às boas consciências. O primeiro é por omissão e é revelador de más intenções, egoísmo, preguiça, ódio e outras deformações do espírito e o segundo, embora muitas vezes vestido com a capa das “boas intenções”, consiste no erro de julgar que se pode combater a pobreza e erradicar a miséria sem que se tenha conhecimento adequado do processo gerador de riqueza, prosperidade e progresso, o que tem levado ao agravamento do problema e, portanto, provocado um maior distanciamento (involuntário, algumas vezes) de sua solução. O primeiro modo é demonstração de egoísmo e/ou falta de caridade e o segundo de falta de conhecimento e/ou de excesso de intenções nada éticas ou de totalitarismo, pois a caridade, a solidariedade, o amor e outras virtudes morais, para que sejam virtudes, não devem ser impostas, porque nesse caso são casos claros de extorsão do Estado contra os cidadãos. Em outras palavras, não se pode buscar implantar a virtude do altruísmo mediante o pecado da coerção.

As causas da pobreza e da riqueza são recíprocas; quando se ignora o que gera progresso, agrava-se inevitavelmente o atraso.

Não tenho a menor dúvida de que, para combater de verdade a pobreza, você precisa saber previamente de cor e salteado quais são as causas da formação da riqueza, tanto a individual como a das nações. Certa vez, sendo diretor da Faculdade de Ciências Econômicas de uma universidade pública no Rio de Janeiro, vetei a contratação como professora visitante de uma economista, ao verificar, lendo seu currículo, que seu principal cartão de visitas era o de ser  conhecida como uma especialista em pobreza, com o agravante de que, apenas pelos títulos de seus trabalhos, podia-se constatar forte influência marxista, ou seja, era especialista em pobreza perpétua. Economistas que se especializam em “pobreza” são como médicos especialistas em assassinatos ou, para usar uma linguagem mais branda, como esquimós especializados em calor, ou moradores de Ipanema peritos em esquiar na neve… Esse apego agourento à pobreza, de fundo ideológico ou populista, ou ambos, é uma doença que precisa ser erradicada o quanto antes.

Um falso argumento, dentre tantos outros utilizados pelos autodenominados “teólogos” da libertação, é o daquela a passagem evangélica do jovem rico, que encerra uma admoestação aos que se apegam às riquezas. [i] No entanto, conforme analisado extensamente pelo economista argentino Alejandro Chafuen,[ii] a interpretação correta da doutrina católica daqueles famosos versículos do camelo e do buraco da agulha é de que todos os que valorizam qualquer coisa – seja um bem material, seja o próprio pai, mãe, filhos e irmão – mais do que o Criador, terão rejeitada a sua entrada no reino eterno. Em outras palavras, o que o autêntico Cristianismo recomenda não é amar a pobreza, mas os pobres e o que condena não é odiar os ricos ou as posses materiais, mas o apego desordenado à riqueza.

Podemos recorrer a uma parábola para debuxar os ingredientes básicos do processo gerador de riqueza. Imaginemos um espetáculo teatral em que existe um bom cenário e os atores são de qualidade. O que falta para um bom espetáculo? Falta apenas uma excelente história, um script. A diferença entre os liberais e os ditos progressistas é que os últimos, embriagados pelo construtivismo racionalista, desejam que o Estado, direta ou indiretamente, se aposse do espetáculo, impondo a todos o cenário, o script, a rigorosa distribuição dos papéis e os preços dos ingressos para uma peça cujo teor e resultados são pré-concebidos e impostos a todos. Já os liberais não creem em histórias completamente planejadas e, logo, seu script não é totalmente previsível, pois é baseado em performances individuais autônomas: tal como em um concerto de jazz, em que os músicos improvisam sobre um tema, porém sempre criando figuras que respeitam a harmonia e o ritmo, os agentes econômicos agem livremente, acatando as molduras institucionais e dando vazão à sua criatividade. Na parábola, o bom cenário equivale a instituições sólidas e que garantam os direitos individuais básicos e os bons atores aos cidadãos ricos em capital humano, ou seja, em educação e saúde.

O assistencialismo dos pretensos progressistas nos remete a algo terrível – a uma triste farsa representada no palco -, que é o fomento, nas comunidades de baixa renda, da pobreza comportamental, constituída pela relativização moral, a ruptura de valores sólidos e a degradação da conduta. Isso gera obstáculos à constituição de famílias sadias, cria dependência em relação à ajuda oficial, destrói a ética do trabalho, bloqueia as aspirações educacionais e a busca do sucesso pessoal, além de prejudicar a criação dos filhos, aumentar o número de mães solteiras e de uniões conjugais ilegítimas e incentivar o crime, o abuso do álcool e o uso de drogas.

O Estado assistencialista vê-se, então, às voltas com um dilema: os programas de combate à pobreza, além de não reduzirem a pobreza material, agravam a pobreza comportamental, o que significa que, além de lesivos e desagregadores, aumentam a pobreza, o que, aliás, já fora temido pelo próprio Roosevelt, o presidente do New Deal, que se referia aos “efeitos narcóticos” do estado do bem-estar.

Combater verdadeiramente a pobreza é criar um ambiente institucional e legal que proporcione trabalho.

Em A Vida na Sarjeta: o Círculo Vicioso da Miséria Moral[i]  o médico britânico Theodore Dalrymple nos fornece, em cada um dos 22 capítulos que compõem o livro, muitos relatos que mostram que os problemas de que padecem os pobres na Grã-Bretanha não são característicos apenas daquele país, mas universais, tanto no que diz respeito às suas causas como aos pretensos “remédios” que a grande maioria das pessoas no mundo atual acredita que o Estado do Bem Estarpossa prover. Lendo cada capítulo, é possível convencer-se de que o Estado não apenas não resolve os problemas associados à pobreza como, na maioria dos casos, os agrava. Muitas, senão todas, das situações relatadas podem ser encontradas amiúde no Brasil. É uma leitura indispensável.

Para Dalrymple, tudo é uma questão de atitude – das autoridades e dos indivíduos – perante a pobreza e o crime. O mundo atual, seguindo os padrões da esquerda, tende a colocar a culpa de ambos em supostas causas que evocam o velho e roto conceito de luta de classes, como: a “sociedade”, a “má distribuição de renda”, o “preconceito”, a “dívida social” em relação aos negros e índios, a “opressão” dos homens sobre as mulheres, a “perseguição às minorias”, a “homofobia”, a “misoginia” e outras, sendo que todas são desagregadoras.

As pessoas com quem o autor do livro trabalha não podem alegar nenhuma dessas justificativas para legitimar seu comportamento, descrito como do “tipo de jovem egoísta e feroz, de quem manteria distância em plena luz do dia”. É importante destacarmos sua afirmativa de que se observa uma flagrante “destruição dos sólidos laços familiares nos mais pobres, laços que, pela mera existência, faziam com que um grande número de pessoas saísse da pobreza”.

A triste verdade é que os instrumentos que de fato contribuem para diminuir a pobreza são sistematicamente negados aos pobres de hoje, ao passo que são marteladas falsas justificativas para o fato de existirem pobres, cujo efeito é o de fazer com que permaneçam pobres. Essa verdadeira praga é baseada em ideologias que transferem sempre para terceiros – sempre “os outros” – a culpa pelos seus problemas, o que, sem dúvida, estimula vícios como a inveja, a revolta e o ressentimento. A consequência disso é que hoje existe uma geração de pessoas que não sabe escrever nem fazer operações aritméticas elementares e que não revela a menor intenção de aprender a fazer isso corretamente. Para quê, se acreditam que o Estado assistencialista pode resolver os problemas delas e, mais do que isso, se tem a obrigação de resolvê-los?

Dalrymple chega a comparar essas pessoas a animais em uma fazenda, com vidas desprovidas de significado, já que não são incentivadas a se orgulharem de conseguir pagar a própria comida e a própria casa, como as gerações anteriores faziam. Em outras palavras, são deixadas ao deus-dará e sem nenhuma noção de responsabilidade, em um mundo relativista e extremamente carente de juízos de valor.

A solução não está no determinismo econômico que sugere que Fulano é pobre porque é pobre e que, portanto, precisa das esmolas do Estado, nem que ele é pobre porque Beltrano é rico e que, por conseguinte, é preciso tirar deste para entregar a Fulano e nem tampouco nos determinismos de origem genética, racial, de gênero ou de “opção sexual”. Se essas teorias determinísticas fossem válidas, os homens, respectivamente, ainda estariam vivendo em grutas ou cavernas, todos seriam iguais na pobreza por decreto, as abomináveis teorias nazistas estariam corretas e não poderia haver nenhum negro, índio, mulher e homossexual que subindo na vida graças aos próprios esforços.

São erradas e destrutivas as políticas que estimulam os pobres a esse comportamento autodestrutivo, a viverem como animais em cercados esperando que seu dono (o Estado) lhes provenha alimento, casa, emprego e roupa gratuitamente. Por isso, são inúteis, no que se refere a eliminar as causas da pobreza, esses programas que dão aos pobres “bolsas” disso ou daquilo. Estimulam o ócio e a preguiça e desestimulam os verdadeiros elementos que geram riqueza.

O programa Bolsa Família fracassou, porque, se hoje fosse extintos. abruptamente, os beneficiários voltariam a ser pobres. 

Você já se perguntou se o programa Bolsa Família deu certo? Em seguida, já se interrogou se, caso fosse extinto abruptamente, seus beneficiários voltariam ou não a serem pobres como antes? A resposta foi afirmativa, mesmo se você deixou de lado toda a corrupção que aconteceu, não é isso? Eis a prova incontestável de que não funcionou. Iniciativas desse tipo não podem ser transformadas em bolsas-votos, como a social democracia fez no Brasil. Têm que ter prazo pré-determinado e estar associadas a educação, ensino de profissões e avaliações individuais de desempenho.

Enfim, para combater a pobreza, a primeira coisa a ser feita é tratarmos os pobres como seres humanos e não como bois, dotá-los de senso de responsabilidade individual e social e mostrarmos a eles a importância dos valores morais tradicionais – como honestidade, trabalho, frugalidade e respeito ao próximo – que, infelizmente, vêm sendo progressivamente torpedeados pelos que fazem da fome e precariedade alheias o próprio e generoso ganha-pão.

Combater verdadeiramente a pobreza é criar um ambiente institucional e legal que proporcione trabalho.

 

Referências

[1] Cf. Mc 14,7  Jo 12, 4-8) e Mt 26, 11.

2 João

3 Mateus e Marcos

4 Lc, 18; 18-25

5 Chafuen, A. A. “Christians for Freedom – Late Scholastic Economics”, Ignatius Press, San Francisco, 1986, traduzido pelo próprio autor para o espanhol, com o título “Economia y Etica – Raíces Cristianas de la Economia de Libre Mercado”, Rialp, Madri, 1991, pp. 49/71

6 Publicado pela É Realizações, 2014, com apresentação de Thomas Sowell.

















PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/teoria-economica/pobreza-e-miseria-duas-industrias-lucrativas/

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