Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 26 de maio de 2023

'Anão diplomático',

 por Sílvio Navarro


Disparates sobre a economia mundial, alinhamento com ditaduras, desconhecimento da história e (muita) gastança. Essa é a política externa de Lula


Em janeiro, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o terceiro mandato, ele já era o presidente brasileiro que mais viajou pelo mundo. A lista reunia 139 partidas para o exterior, com destino a 80 países, além da Antártida, Guiana Francesa e Palestina. Em alguns lugares, desembarcou mais de uma vez — por exemplo, 19 vezes na Argentina e 13 vezes nos Estados Unidos. Só neste ano, foi para nove países em cinco meses.

O custo final desses giros pelo exterior sempre foi um mistério, porque parte dos valores é mantida em sigilo por regras de segurança. O que acaba revelado salta aos olhos de qualquer pagador de impostos. Por exemplo: os 57 quartos no hotel mais caro de Londres, as comitivas com centenas de pessoas, o uso de dois aviões lotados, as notas fiscais de R$ 6 milhões na China e a exibição da vida de luxo da primeira-dama, Janja, nas redes sociais. Ao final, resta a pergunta: qual é o saldo dessa gastança para a diplomacia brasileira? Nenhum.

Nos últimos meses, as decolagens das aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para o exterior têm deixado o Itamaraty de cabelo em pé. Lula enfrentou protestos ao desembarcar em países com grandes concentrações de brasileiros, como Portugal e Espanha, assustou o mundo com declarações pró-Rússia contra a Ucrânia e causou embaraços com os Estados Unidos ao criticar o dólar como moeda corrente internacional.

O vexame diplomático tem sido criticado até por parlamentares do PT e seus aliados no Congresso. Os deputados apontam dois responsáveis diretos pelo fiasco: a primeira é Janja, que interfere na lista de quem pode estar no avião e na escolha dos hotéis e roteiros pelas cidades; o outro é Celso Amorim, lotado no cargo de assessor especial para assuntos internacionais, mas que tem mais prestígio com Lula do que o ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores.

Um exemplo da influência de Celso Amorim, que atua como uma espécie de precursor de Lula nas viagens ao estrangeiro — ele vai antes para combinar a agenda —, foi o recente ataque a Israel. Em solo espanhol, Lula adotou uma fala ideológica da esquerda, sem amparo histórico nenhum, justamente no dia em que se comemorava a Independência de Israel. “A ONU [Organização das Nações Unidas] era tão forte que, em 1948, conseguiu criar o Estado de Israel. Em 2023, não consegue criar o Estado Palestino.”

Amorim é entusiasta ferrenho da causa palestina. Recentemente, foi autor do prefácio do livro Engaging the World: The Making of Hamas’s Foreign Policy (“Engajando o mundo: A elaboração da política externa do Hamas”), em defesa do grupo terrorista. Nas páginas, não cita os mísseis do Hamas contra Israel, mas o que chama de “dimensão internacional” do grupo criminoso e os “esforços diplomáticos e as alianças globais no papel central na restauração dos direitos palestinos”.

A fala de Lula sobre um tema sensível, que ele não domina, provocou reação da comunidade judaica.

“Ao contrário do que disse o presidente Lula, Israel não foi criado pela Organização das Nações Unidas. Em 1947, o que a partilha da ONU preconizou foi a criação de dois países, um para judeus e outro para árabes. Os judeus aceitaram, os árabes, não”, afirmou a StandWithUs. “É um tema complexo, e o caminho para a paz exige, também, profundo conhecimento da situação”, lamentou o Instituto Brasil-Israel

Guerra não se resolve em mesa de bar

Da série de bobagens diplomáticas, a que mais causou embaraço foi sobre a Ucrânia. Centenas de militantes de esquerda que adotaram a bandeirinha do país europeu como avatar nas redes sociais entraram em parafuso. Nos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”, igualando o papel de Volodymyr Zelensky ao de Vladimir Putin no conflito armado.

“Como a gente vai resolver na prática, você tem que convencer as pessoas que você pensa que não querem parar a parar. Estamos numa situação em que a guerra da Rússia e da Ucrânia não está fazendo bem à humanidade. É por isso que nós temos que encontrar um grupo de pessoas que esteja disposto a falar em paz”, disse. “Eu não quero agradar ninguém, eu quero construir uma forma de colocar os dois à mesa. Não precisa destruir o mundo para construir a paz. A Rússia não deveria ter invadido, mas invadiu. Em vez de eu ficar escolhendo lado, eu prefiro escolher uma terceira via.”

O efeito foi sentido logo ao desembarcar em Portugal. O petista foi recebido com protestos de brasileiros nas ruas e de deputados portugueses dentro do Parlamento — foram hasteadas faixas e bandeiras com as cores da Ucrânia. Do lado de fora, as imagens que rodaram o mundo foram de cartazes com os dizeres “Não vai ter picanha” e “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.

O tamanho da comitiva presidencial também assustou os portugueses. A apresentadora de uma TV local se espantou com imagens de uma fila com 22 carros “para o presidente se movimentar”, disse ela. Foram usados dois aviões oficiais.

Em outra viagem, à cúpula do G7 no Japão em maio, Lula afirmou que Rússia e Ucrânia terão que ceder. “Cada um vai ter que ceder. Se não for agora, vai ser amanhã, depois de amanhã, daqui a um ano, mas vai acontecer”, afirmou. Mas o que a diplomacia do Brasil — e muito menos Lula — tem a ver com essa guerra territorial num continente de que nem sequer faz parte?

O resultado foi que Zelensky se recusou a encontrar o petista em Hiroshima. Lula até tentou inventar que houve um desencontro, mas ficou claro que foi ignorado. E outra vez apareceu Celso Amorim para piorar a situação. Ele disse em entrevista à emissora CNN que tudo não passou de “um desencontro normal porque há muitos pedidos de conversa”. Continuou: “O presidente Lula tinha agenda com diversos outros líderes. Não se poderia esperar que fosse ficar à disposição, não é bem assim”.

Realmente, não é bem assim. Ao contrário do que Lula disse na campanha eleitoral, ele não conseguiu resolver uma guerra em curso há dois anos no Leste Europeu “tomando uma cervejinha” com Zelensky nem com Vladimir Putin numa mesa de bar.

Casal ostentação

A visita do casal Lula e Janja ao Japão foi registrada pela primeira-dama nas redes sociais num vídeo com produção profissional, tomadas de câmera em movimento, trilha sonora do cantor Gilberto Gil e uso de drone.

Em Londres, em vez de usar a embaixada brasileira, como fez Jair Bolsonaro, Lula hospedou-se no Marriott Grosvenor House, erguido em 1929, nas cercanias do Palácio de Buckingham. A diária custa R$ 37 mil

Em abril, antes do tour pelo Japão, Lula já havia passado mais tempo visitando países do que em deslocamentos para Estados brasileiros. Os 120 mil quilômetros em rotas aéreas no exterior correspondem a mais de duas voltas ao mundo. Se isso já custa caro, a fatura ficou ainda maior no terceiro mandato do que nos anos anteriores. O motivo é a predileção pelos hotéis mais luxuosos do planeta.

Em Londres, em vez de usar a embaixada brasileira, como fez Jair Bolsonaro, Lula hospedou-se no Marriott Grosvenor House, erguido em 1929, nas cercanias do Palácio de Buckingham. A diária custa R$ 37 mil. Em Portugal, ficou no Tivoli da Avenida Liberdade, cuja diária é de R$ 22 mil, ladeado por boutiques como Cartier, Gucci, Prada e Louis Vuitton. Ou da marca italiana Ermenegildo Zegna, a escolhida por Janja para, segundo ela, comprar uma gravata para o marido.

O número de convidados para os embarques nos dois aviões da Força Aérea também é imenso. Para a China, onde o deslocamento custou R$ 6,6 milhões somente com despesas em solo, foram 73 pessoas. A lista é eclética: do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao líder do MST, João Pedro Stédile, quatro dirigentes de sindicatos, o ex-repórter da Globo Marcos Uchôa — que agora trabalha na EBC (TV estatal) — e a médica pessoal Ana Helena Germoglio.

Disparates econômicos

Quando o falatório de Lula envereda para a economia, pelo menos três pontos causam desconforto em diversos setores produtivos ou até mesmo aos países anfitriões: a retórica de que o mundo precisa caminhar para uma moeda comum, abolindo o dólar como corrente prioritária; a obsessão pelo cofre do Banco do Brics, que ele entregou para Dilma Rousseff; e o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para resgatar vizinhos em ruínas, principalmente Argentina e Venezuela.

“Por que um banco como o do Brics não pode ter uma moeda que possa financiar a relação comercial entre Brasil e China, e entre os outros países do Brics? É difícil, porque tem gente mal-acostumada, e todo mundo depende de uma única moeda”, disse em Pequim. “Por que todos os países estão obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar?”

O Banco do Brics foi originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Começou a funcionar em 2016, com uma carteira estimada em US$ 100 bilhões para investimentos em infraestrutura — 20% para cada país. Neste ano, pela primeira vez, um país-membro solicitou a renúncia do presidente do banco para substituí-lo: Marcos Troyjo teve de deixar a cadeira porque Lula precisava presentear Dilma Rousseff com um salário de R$ 300 mil por mês.

Segundo economistas liberais, o uso de uma moeda diferente pelo tal banco seria uma forma de tentar burlar sanções econômicas e transações cambiais. Ou seja, isso poderia interferir na geopolítica contra os Estados Unidos, uma vez que as maiores reservas mundiais são em dólar, uma moeda estável, que tem lastro e crédito. É possível concluir que, se um jogo como esse desse certo, quem sairia vitorioso seriam China e Rússia. Mas aqui fica uma ressalva: o que representa hoje o Banco do Brics perto do Federal Reserve (Banco Central americano, o maior do mundo)? Nada.

Lula também tem feito uma ameaça recorrente aos cofres públicos brasileiros. Com o apoio da legislatura anterior do Congresso e dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), rasgou a Lei das Estatais para instalar o petista Aloizio Mercadante no BNDES. A lei era um legado da Lava Jato, aprovada na gestão Michel Temer, que estabelecia quarentena a políticos ligados a partidos para chefiar empresas e bancos públicos — uma vacina contra o aparelhamento do Estado. A dupla Lula e Mercadante já avisou que pretende usar o banco para ajudar países em crise. A Argentina será a primeira beneficiada, mas também Cuba e Venezuela devem ter suas dívidas perdoadas. No caso da ilha dos irmãos Castro, o lastro do empréstimo jamais quitado pelo Porto de Mariel era em charutos. Para a Argentina, além dos US$ 700 milhões do BNDES para a construção do Gasoduto Néstor Kirchner — nome do seu amigo que morreu em 2010 —, Lula prometeu mandar mais dinheiro, capaz de ajudar seus aliados peronistas na eleição de outubro. Também vai gastar bastante com idas e vindas para Buenos Aires, que poderão ser acompanhadas em detalhes pelas redes sociais de Janja — a próxima será em julho. O lucro diplomático de tudo isso para o Brasil é igual a zero.


Revista Oeste


















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