escreve J.R. Guzzo
É hora de fazer uma escolha importante. Você é livre para escolher, mas naturalmente vai procurar referências à sua volta para decidir qual é a melhor escolha.
Pessoas em quem você confia, ou que você admira, ou pelo menos com as quais você simpatiza certamente estão por aí expressando suas preferências. Muitas delas são pessoas públicas, então você nem tem o trabalho de procurá-las. Elas vêm até você espontaneamente – é só dar uma olhada para a tela do seu telefone que elas estarão lá. E se são famosas, mais um motivo para você prestar atenção nelas. A fama não vem por acaso.
Se você é o tipo de pessoa teimosa, com dificuldade para ouvir os outros e mais ainda para seguir a opinião alheia, não tem problema. Vamos fazer aqui um exercício teórico para te ajudar a baixar essa guarda e aprender a se abrir ao que o outro tem para te oferecer – sem preconceitos.
Por exemplo: vamos imaginar um cenário em que pessoas influentes começassem a dizer que a melhor escolha é comer barro. Comer barro?! Você logo diria “estou fora dessa”. Mas isso poderia ser puro preconceito e teimosia da sua parte. E a decisão de observar com calma as referências à sua volta poderia te despertar para escolhas que você nunca tinha imaginado que seriam boas.
Seguindo então com o nosso exercício hipotético: você deixaria de ser teimoso e passaria a ouvir o que pessoas conceituadas teriam a dizer sobre aquela escolha. As pessoas conceituadas sempre têm algo a dizer sobre tudo. Aí você pegaria o seu telefone e lá estaria o Caetano dizendo: decidi, vou comer barro. Tudo bem que você não quisesse fazer a sua escolha só com base no exemplo do Caetano, mas logo a seguir você encontraria o Armínio recomendando: o melhor é comer barro.
Bom, se é o Armínio que está dizendo, com aquela simpatia e aquela conta bancária, você começaria a considerar mais seriamente essa escolha. E no frame seguinte viria a Paolla Oliveira dizendo que quem não comer barro está por fora. Com uma pele daquelas, a Paolla deveria saber do que estava falando.
Prosseguindo na sua busca por uma abertura espiritual para as boas influências, você toparia com o Fernando Henrique declarando: barro! Mas ele não tinha dito que barro é ruim e faz mal? – ponderaria você. Tinha, mas agora ele é barro e não abre.
Surgiria então um clipe da Companhia das Letras, altíssimo astral, onde livros apareceriam servindo de bandeja para se comer barro. Nessa altura o seu coração já estaria amolecendo: legal, comer barro deve ser coisa de gente culta.
Você não estaria ainda totalmente convencido, até dar de cara com o William Bonner enchendo a boca na telinha para dizer que comer barro não tem nenhuma contraindicação. “O barro não deve nada ao chocolate”, decretaria o âncora. Você a princípio hesitaria, achando que já tinha visto o Bonner noticiando problemas sérios com a ingestão de barro num passado recente. Mas só podia ser uma traição da sua memória, porque estava todo mundo dizendo, com ênfase e alegria, que a melhor escolha a fazer é comer barro.
Superando finalmente a sua teimosia e o seu preconceito, você sacramentaria a sua escolha. Empolgado, tentaria até se aproximar de uma dessas estrelas que te levaram para o bom caminho, para tirar uma foto comendo barro com elas. Mas infelizmente isso não seria possível. Elas estariam ocupadas comendo caviar.
Gazeta do Povo
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