Jornalista Andrade Junior

domingo, 30 de outubro de 2022

A história não esquecerá dos tiranos

  O autoritarismo do TSE é um apêndice do autoritarismo do STF Pedro Henrique Alves


Fico pensando em qual desculpa há para um redator minimamente sério se silenciar ante as ininterruptas investidas ditatoriais de Alexandre de Moraes e sua trupe contra não somente as instituições de Estado e a democracia brasileira, mas também contra os valores mais elementares para uma sociedade livre. Censurar jornais e produtoras de documentários? Sério? Vamos normalizar isso? Escuto diariamente comentaristas de todos os espectros, mas são aqueles que conseguem defender tais posturas autoritárias do TSE e STF que me assustam mais. Rastelam as sobras de suas dignidades e independências para chancelar o erro evidente, a censura pura e simples, em troca de apresso do sistema, de aplausos dos poderosos. Que fim miserável…

O contorcionismo moral dessa turma é vergonhoso. Após a decisão de censura mais bizarra das últimas décadas neste país, assistimos à desfaçatez midiática em seu nível mais assustador. Segundo o ministro Lewandovski, apesar dos fatos relatados no documentário Teatro das Tesouras da Brasil Paralelo serem verdadeiros, a edição e construção do roteiro desvirtuam tais fatos para caberem numa narrativa de incriminação de Lula, que, para ele, trata-se de uma narrativa errada. Na mesma linha de KGB, a nossa polícia da censura, trajada de togas e desculpas pseudodemocráticas, censurou previamente a Brasil Paralelo em um documentário que sequer foi lançado ainda, Quem mandou matar Jair Bolsonaro. Uma censura prévia ao estilo União Soviética e China.

Não sei se vocês perceberam a gravidade dessa situação, então vale a pena esclarecer rapidamente: o TSE está dizendo como uma empresa privada deve construir o roteiro de um documentário, sob quais moldes deve figurar a narrativa de uma produção cinematográfica independente, e quando não se alinham ao catecismo da polícia das ideias, simplesmente impedem sua exibição. Quase que chancelando a necessidade de um imprimatur jurídico-eclesial dos nossos apóstolos da defesa da democracia.

Se isso não é uma veia ditatorial em seu sentido mais latente e pleno, o que é?

Fato é que quarta-feira eu dormi em 2022 e acordei em 1984, com Winston editando os fatos para caberem naquilo que o Estado, o Grande Irmão, determinou como sendo a verdade que pode ser dita. George Orwell se assustaria em constatar que uma corte do Brasil está ditando juridicamente como acomodar as notícias e investigações jornalísticas em um filme para que ele seja justo segundo a ótica sacrossanta dos iluminados juízes.

Em Reflexões sobre um século esquecido, 1901-2000, o historiador Tony Judt alertou que muitos daqueles que perpetraram os horrores do século passado se esqueceram ou tinham a certeza de que suas biografias não seriam afetadas por nenhum tipo de revisionismo ou lembranças dos males que causaram. Tolo erro, hoje a maioria dos juízes, militares, políticos e escritores que endossaram, por exemplo, o comunismo stalinista ou o nazismo hitlerista são lembrados quase que unicamente pelas aprovações autoritárias que abarcaram. Isso mostra que o embalo nas veredas dos erros, do autoritarismo, nunca é deixado de lado pelo homem comum, jamais é plenamente esquecido pelo Bastião e pela dona Ana.

Alexandre de Morais, Ricardo Lewandovski, e os demais parceiros de tirania jurídica no fundo estão chafurdando suas biografias, estão fazendo – ao vivo – um pacto gutural com o autoritarismo. E não – acreditem, caros juízes –, vocês não serão lembrados como heróis que usaram de um “autoritarismo necessário” para defender a democracia, ninguém com algum tipo de entendimento razoável engole tal argumento. No fundo, apesar da força de Gutenberg e seus descendentes, a longa marcha da história é contada pelo povo e por sua sensatez interpretativa, ela é gritada de muro em muro, sussurrada de berço em berço, e não por jornais e revistas do mainstream. Vocês não serão lembrados como defensores da democracia, mas sim como baluartes da arbitrariedade, como acompanhantes fiéis da burla e de ideologias bisonhas, como os ditadores de toga.

A história não se esquece dos tiranos.
















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