diz J.R. Guzzo
Em momento nenhum o antigo censor dizia que estava ali “em defesa da democracia”. Estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria
Acensura do AI-5, à qual estiveram submetidos diretamente a revista Veja, O Estado de S. Paulo e outros veículos de imprensa, era mais honesta em seus propósitos, mais clara para os censurados e mais inteligente do que a censura praticada hoje pelo ministro Alexandre Moraes e os seus colegas do STF.
No caso específico de Veja havia um censor que se apresentava como censor — era um delegado da Polícia Federal, e mostrava a sua carteira de serviço se alguém lhe pedisse identificação.
Comparecia pessoalmente à redação da revista em São Paulo, na Freguesia do Ó, na manhã dos sábados, o momento em que todas as matérias da edição semanal estavam escritas.
Ia a uma sala do 7º andar do edifício e lia os artigos de política, ou de algum outro assunto que quisesse ler.
Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho que vai daqui até ali. Corta este também.
Não pode deixar em branco os pedaços cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”.
Quando o censor acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.
Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas.
“Isso aqui está vetado”, informava ele.
Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse.
Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto.
Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas.
Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar.
Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo.
Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas.
Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.
A censura em Veja acabou no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não teve nada a ver com isso.
O secretário de imprensa da Presidência da República chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo sábado o homem da Polícia Federal não viria mais.
Disse também que a revista deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu?
Foi isso.
Não houve inquérito ilegal nenhum.
Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados com notícias “falsas”.
Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que ela prejudica o “estado democrático de direito”.
Não houve manifestos de “personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura.
Não houve a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa.
Censura, então, se chamava “censura”.
Era muito mais claro.
Revista Oeste
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