por Sílvio Navarro
Escândalos de corrupção do PT colocam Lula contra as cordas na reta final da eleição — mesmo com a ajuda do consórcio de imprensa
Uma das grandes expectativas da campanha presidencial deste ano era como Lula reagiria quando tivesse de responder sobre os escândalos de corrupção que marcaram os anos do PT no poder. O confronto com o próprio passado aconteceu no domingo 28, no debate entre os candidatos da TV Bandeirantes. Lula não conseguiu reagir.
Quem acompanhou pelo menos trechos do evento na TV ou na sede da emissora se deparou com um político acuado — o olhar atônito, o raciocínio confuso e sem o repertório de décadas passadas. Foi emparedado pelo principal adversário nas urnas, o presidente Jair Bolsonaro, e pelo ex-aliado Ciro Gomes (PDT), sobre a principal vidraça do PT.
“Que moral você tem para falar de mim, ‘ô ex-presidiário’? Nenhuma moral”, disse Bolsonaro
Em outro momento, Lula tentou cutucar Ciro ao afirmar que o pedetista viajou para Paris, depois do primeiro turno em 2018, e não apoiou Fernando Haddad. “Quando o Ciro joga nas minhas costas a responsabilidade da escolha do cidadão Bolsonaro, queria dizer que eu não fui para Paris. Eu não saí do Brasil para não votar no Haddad”, disse. A resposta de Ciro, ainda que fora dos microfones, porém bem captada, tirou o petista do eixo: “Porque você estava preso!”.
Palocci
Esta é a primeira vez que Lula é colocado contra as cordas desde 2005, quando deu sua última entrevista a jornalistas independentes, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura. Em 2006, quando buscava a reeleição, o então rival Geraldo Alckmin — hoje copiloto do projeto de retomada de poder — não conseguiu pressioná-lo a explicar sobre o Mensalão. Na época, a popularidade do petista era alta por causa do bom momento da economia. Um dos responsáveis pelos números favoráveis era Antonio Palocci, que comandou a pasta da Fazenda até março daquele ano.
Dezesseis anos depois, o nome de Palocci também provocou enorme incômodo em Lula durante o debate. Preso pela Lava Jato, o ex-ministro assinou um acordo de delação com a Justiça devastador para Lula e o PT. Desfiliou-se da sigla, não dá entrevistas e quer distância da política.
Ao menos cinco pontos da lista de revelações de Palocci são assustadores:
- Numa reunião antes da eleição de 2010, Lula, Dilma Rousseff e José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, combinaram a construção de 40 sondas da Petrobras “para garantir o futuro político do país e do PT, com a eleição de Dilma, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava”. Palocci seria o responsável por gerenciar os recursos;
- As duas campanhas de Dilma, em 2010 e 2014, custaram R$ 1,4 bilhão, valor jamais registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
- Ao menos 3% dos recursos de publicidade da Petrobras eram desviados para o caixa oculto do PT; ele cita os nomes dos sindicalistas Wilson Santarosa, Luiz Marinho (ex-prefeito de São Bernardo do Campo) e Jacob Bittar;
- Quase todas as medidas provisórias editadas durante os governos do PT tinham propina envolvida e foram feitas sob encomenda;
- Foi Lula quem nomeou os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa, cuja delação foi o estopim do Petrolão, e Renato Duque, homem de José Dirceu na estatal.
Meses depois, quando o ex-juiz Sergio Moro, que respondia pela Vara de Curitiba (PR), retirou o sigilo da delação, o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o documento dos processos contra Lula. A decisão da Corte anulou, por exemplo, a acusação de que ele recebeu R$ 12 milhões da empreiteira Odebrecht. Todos os citados por Palocci negam as acusações.
As perguntas que Bonner não fez
Uma boa oportunidade para que Lula explicasse a sujeira que o PT promoveu no passado foi a entrevista concedida por ele ao Jornal Nacional, da TV Globo. Três dias antes, Jair Bolsonaro foi exposto a um verdadeiro massacre pela emissora. Era esperado que o petista enfrentasse tratamento similar, mas acabou poupado — como tem ocorrido nas manchetes dos jornais, sites e revistas que integram o consórcio de imprensa.
O âncora do telejornal, William Bonner, começou a entrevista assim: “O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do triplex e anulou também outras ações por ter considerado a Vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”.
Lula aproveitou aquela que seria a primeira bola levantada pela emissora para atacar a Lava Jato. “A Lava Jato ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política. O objetivo era o Lula. O objetivo era tentar condenar o Lula.”
Aquilo a que se assistiu depois foi uma verdadeira conversa entre comadres. Com a ajuda dos apresentadores, o petista comparou o esquema de compra de votos e de caixa dois do Mensalão ao tal “Orçamento secreto”.
“Você acha que o Mensalão, que tanto se falou, é mais grave do que o Orçamento secreto?”, disse Lula. “O Orçamento secreto é uma excrescência.” A jornalista Renata Vasconcellos respondeu: “Exato, não existem níveis de corrupção, não é? Corrupção é corrupção”
A história da suposta negociação de apoio político por meio da liberação de emendas parlamentares é narrada na edição 125 de Oeste. Ainda que falte transparência nas chamadas emendas do relator, trata-se de uma questão do Congresso Nacional — e não do Palácio do Planalto. As contas do governo Bolsonaro foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Já o Mensalão está fartamente documentado na Ação Penal 470, que condenou 24 dos 38 réus e levou banqueiros, lobistas e a cúpula do PT à cadeia em 2012. “Os deputados praticaram atos de ofício sob a influência do pagamento”, afirmou o relator no STF, Joaquim Barbosa. “Não há qualquer dúvida do esquema de compra de votos. (…) A forma de pagamento foi comprovada, entrega de dinheiro em espécie.”
Outras questões também passaram longe de ser respondidas na sabatina da TV Globo. O petista não apareceu em outras tentativas de entrevistas — por exemplo, faltou na data marcada pela Jovem Pan e não respondeu ao chamado de outras empresas, como a RedeTV!.
Também não foram feitas no Jornal Nacional menções a nomes como José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Silvio Pereira, João Vaccari Neto e grande elenco. Tampouco outros personagens foram citados, como Rosemary Noronha, ex-chefe do Gabinete da Presidência em São Paulo e ex-segunda-dama, investigada pela Polícia Federal num esquema de venda de parecer técnico para empresas. Ou ainda o sucesso empresarial de Fábio Luís, o Lulinha, a quem o petista chamava de “Ronaldinho dos negócios”, ao enriquecer subitamente.
Ninguém perguntou quem indicou os diretores que pilharam os cofres da Petrobras durante mais de uma década. Executivos como Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Jorge Zelada e Nestor Cerveró não foram lembrados. O termo Petrolão só foi usado uma vez em 40 minutos.
Numa das frases inesquecíveis da trama do Mensalão, o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), algoz da quadrilha inteira, assim despediu-se da Câmara antes de ter o mandato cassado no plenário: “Tirei a roupa do rei! Mostrei ao Brasil quem são esses fariseus!”, disse. “Mostrei ao Brasil o que é o governo Lula, o que é o campo majoritário do PT.” Foi em setembro de 2005, mas parece que foi ontem. Menos para o Jornal Nacional.
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/09/esqueletos-no-armario-por-silvio-navarro.html
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