Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

"O ‘imenso talento’ de Pacheco",

 por Sílvio Navarro


Como a frouxidão de Rodrigo Pacheco colocou o Congresso de joelhos e desequilibrou os Poderes da República


Em fevereiro do ano passado, um grupo majoritário de 57 senadores elegeu o mineiro Rodrigo Pacheco para presidir o Congresso Nacional por dois anos. O Senado se preparava para abrir uma CPI da pandemia, formatada pela oposição para fabricar manchetes contra o governo Jair Bolsonaro. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) perdia de vez o controle do que acontecia no gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Foi quando lembraram de Pacheco e seu “imenso  talento”: não criar problemas para ninguém.

Assim como o personagem da crônica de Eça de Queiroz (A Correspondência de Fradique Mendes), Pacheco é um parlamentar aplaudido pelo que nunca fez. Foi eleito deputado em 2015 e assumiu o mandato já como um dos coordenadores da bancada do MDB. O partido, aliás, enxergava nele tantas virtudes que foi lançado candidato a prefeito de Belo Horizonte no ano seguinte. Derrotado nas urnas, foi agraciado com o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara. Depois, concorreu ao Senado em 2018 e logo chegou à presidência da Casa — o terceiro cargo mais importante na hierarquia da República.

Qual o grande projeto apresentado por Pacheco no Congresso? Nenhum. Tampouco é um orador brilhante, o que justificaria sua atuação na tribuna. É um nome que representa um partido? Não. Do MDB, passou pelo extinto DEM e agora está filiado ao PSD, pelas mãos de Gilberto Kassab. Não foi deputado estadual nem vereador.

Como advogado criminalista, fez parte do conselho federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e foi sócio, até se eleger deputado, de Maurício de Oliveira Campos Junior. O escritório atuou na defesa do Banco Rural na época do escândalo do Mensalão, do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) e da Vale do Rio Doce na tragédia de Brumadinho.

Por pouco, Pacheco não tentou um voo ainda maior neste ano. Quando ainda se falava numa “terceira via” eleitoral para disputar a Presidência, alguns colunistas de Brasília mais uma vez lembraram de Pacheco. Ele passou a ser citado como “o novo Tancredo Neves”. Pacheco gostou tanto da ideia que se comparou ao presidente no discurso de filiação ao PSD: “Alguém capaz de provocar sempre o consenso”. O senador nasceu em Rondônia, mas mudou-se para Minas na infância.

Notícia veiculada no O Estado de Minas | Fonte: Reprodução
Notícia veiculada na revista Veja | Fonte: Reprodução

Senado de joelhos

Desde o dia 1º de fevereiro do ano passado, Pacheco permaneceu sentado placidamente na cadeira de presidente do Senado, enquanto ministros do Supremo tentam instalar um Poder Moderador no país. O uso do termo não é exagero. Foi dito diante de câmeras pelo ministro Dias Toffoli em novembro, durante um evento em Lisboa: “Nós já temos um semipresidencialismo com controle de Poder Moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”, disse.

Embora a afirmação remeta à Constituição Imperial de 1824, redigida em benefício de Dom Pedro II, faz algum sentido no Brasil de hoje. De fato, foi o Supremo quem mandou o Senado abrir uma CPI da Covid. O funcionamento da comissão era um assunto interna corporis. Mas Pacheco observou e obedeceu à interferência do Judiciário no Legislativo.

Os crimes de responsabilidade

A frouxidão do senador mineiro é ainda mais gritante quando o tema envolve o Supremo. Ele recebeu dezenas de pedidos de impeachment dos ministros da Corte. O principal deles foi enviado pelo presidente Jair Bolsonaro contra a perseguição de Alexandre de Moraes aos seus apoiadores no inquérito perpétuo dos “atos antidemocráticos”. Pacheco não fez nada.

O inciso II do artigo 52 da Constituição diz que compete ao Senado processar e julgar ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade. É a única Casa com prerrogativa para frear excessos e até crimes cometidos por um dos 11 ministros da Corte.

O pedido apresentado por Bolsonaro enquadra as ações de Moraes na Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950). Diz o artigo 39 que são crimes de responsabilidade: 1) alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou o voto já proferidos em sessão do Tribunal; 2) proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; 3) exercer atividade político-partidária; 4) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e 5) proceder de modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções.

A partir desse pedido, o papel de Pacheco seria simplesmente deixar que os demais 80 senadores analisassem o caso. O artigo 44 da Lei do Impeachment diz: “Recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial, eleita para opinar sobre a mesma”.

O requerimento não foi lido nem encaminhado para uma comissão.

“O instituto do impeachment não pode ser banalizado”, disse Pacheco. “Não pode ser mal usado, até porque ele representa algo muito grave, acaba sendo uma ruptura, algo de exceção. Mais do que um movimento político, há um critério jurídico, há uma lei de 1950 que disciplina o impeachment no Brasil, que tem um rol muito taxativo de situações em que pode haver impeachment de ministro do Supremo”

Diante da conivência de Pacheco, o ministro Alexandre de Moraes seguiu dobrando a aposta. Depois de mandar prender o deputado Daniel Silveira (RJ) no exercício do mandato, um jornalista, o líder de caminhoneiros e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, estrangulou financeiramente canais de YouTube e sites conservadores. Sua última investida foi enviar a Polícia Federal, às 6 da manhã, para apreender computadores e telefones de um grupo de empresários que apoia o governo Bolsonaro.

Nem uma obra, nem uma ideia

A paranoia golpista de Moraes, que censurou empresários com base em trocas de mensagens de WhatsApp, chocou até o consórcio de imprensa. Juristas apontaram abusos. Qual foi a reação de Pacheco? “Não tem como dizer a respeito de uma busca e apreensão se ela foi justa, se não foi justa. Se foi excessiva ou não. É muito difícil essa avaliação de quem está de fora.”

A uma semana do primeiro turno das eleições, o presidente do Senado também fez chegar às redações da velha imprensa a informação de que “já articula sua permanência na cadeira em 2023, independentemente do resultado das urnas”. Segundo o regimento interno, ele pode concorrer a mais dois anos no cargo. Seu plano pode se concretizar se a renovação da Casa for pequena — somente 27 vagas estão em jogo nas eleições deste ano.

Notícia veiculada na CNN Brasil | Fonte: Reprodução

Como na crônica Eça de Queiroz, o Brasil “casualmente” conheceu o personagem. “Pacheco não deu nada ao seu país, nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia. Pacheco era entre nós superior e ilustre unicamente porque tinha um imenso talento”, diz um trecho do texto. Foi escrito no final do século 19, mas cai bem em 2022.


Revista Oeste













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