por Paulo Polzonoff, Jr.
Logo no começo da semana, muita gente fez questão de demonstrar sua repulsa e até nojo do presidente Jair Bolsonaro. Que, num discutibilíssimo esforço de comunicação, apareceu num vídeo se sujando todo de farofa. Diante da imagem algo grotesca e sem uma semiótica política clara, mais de uma personalidade correu para usar as exclamações de sempre e chegar à conclusão conveniente de que precisamos de um novo salvador – mesmo que esse “salvador” seja aquele velho de voz rouca.
Talvez me falte colocar o pé na periferia, mas o fato é que também não entendi o objetivo da farofada de Bolsonaro. Era mostrar que o chefe do Executivo, aquele que não manda nada, é “gente como a gente”? Era um recado de que o presidente da República não está nem aí para a liturgia do cargo ou outras “frescuras de isentões”? Ou era uma sofisticada crítica à democracia que meu espírito cansado e limpinho não foi capaz de compreender?
Seja lá como for, me surpreende que haja mais pessoas enojadas com a sujeira palpável e inofensiva de Jair Bolsonaro do que com a porcalhada retórica carregada de intenções assustadoras que o ministro Luis Fux proferiu na abertura do ano jurídico. “Me surpreende”, neste caso, é só o modo de dizer. Afinal, desde pelo menos 2019 está claro que, para a elite intelectual deste país, a afetação estética é muito mais importante do que qualquer análise séria sobre as reais intenções desse “povo honorário” que nos governa.
Assim como tinha feito em dezembro, na patética cerimônia de encerramento dos trabalhos do STF, Luiz Fux optou pelo discurso político autocongratulatório. A parte da autocongratulação não é novidade. Afinal, o Judiciário é hoje uma instituição composta essencialmente por revolucionários que não querem perder a pompa. Imagine uma Maria Antonieta, mas substitua a lenda infame dos brioches pelo discurso inflamado (fazendo biquinho) de um Marat falando em pão amanhecido, mas se empanturrado de brioches. Acho que dá para ter uma ideia, né?
Seguindo o protocolo bajulatório próprio da instituição que preside, Luiz Fux começou o discurso citando as autoridades presentes. À medida que os nomes iam sendo mencionados, eu não conseguia deixar de pensar no quanto o Supremo Tribunal Federal, a corte mais alta do Brasil, se apequenou, reduzindo-se a um partido de oposição que conta com nomes como o de Felipe Santa Cruz e Ayres Britto em suas fileiras. Já nisso a farofada de Bolsonaro parece muito mais decente do que a revolução cerimoniosa proposta por Fux.
Tapuia, condor ou tapir?
Novamente se vangloriando de sua atuação frente à pandemia de Covid-19 (um assunto “de alta complexidade científica e constitucional”, nas palavras do ministro), Fux passou a mão na própria e vasta cabeleira e, num autoafago pelo “esforço que fizemos para salvar vidas”. Não sem antes mencionar o trabalho “imensurável” do STF no combate à “pobreza extrema e desigualdade social” e na luta pelo “meio ambiente e desenvolvimento sustentável”. Será que Fux não tem um só amigo para avisar que essas pautas, assim pela esquerda distorcidas e reduzidas ao mero jargão de palanque, não são (ou não deveriam ser) atribuições de um tribunal como o STF?
Aí veio a parte mais repugnante e assustadora do discurso. Foi quando Fux deu vida a uma frase do recém-falecido professor Olavo de Carvalho e que anda circulando nas redes: o homem medíocre acredita não no que vè, e sim no que aprende a dizer. Aqui quase me sinto impelido a usar a hashtag #Olavotemrazão. Porque tem mesmo. Ao falar sobre democracia e liberdade de expressão, o mesmo STF que, presidido por Fux, permitiu que tivéssemos pessoas presas por crime de opinião, teve a coragem, não!, a pachorra de dizer que, graças à atuação do STF, vivemos num país onde as divergências coexistem livremente, “sem medo da censura”.
Neste momento, eu ainda estava em dúvida. Não sabia se ria ou chorava. Na indecisão, fui surpreendido com um verdadeiro chamamento às armas que escancara o caráter revolucionário, bolivariano mesmo, do Supremo Tribunal Federal. Depois de mencionar “Os Miseráveis”, obra protocomunista de Vitor Hugo, e de citar Fernando Pessoa como se o poeta português fosse um simples petistinha ganhador do Prêmio Açorianos, Luiz Fux resolveu fazer nada mais nada menos do que um chamamento às armas. Para tanto, mencionou o poeta Gonçalves Dias e sua “Canção do Tamoio”:
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
Neste contexto poético, só resta saber se para Fux e seus colegas de toga que abandonaram a balança da justiça para empunhar a flecha da revolução, os inimigos que estão na mira “do arco que entesa” são “tapuia, condor ou tapir”.
Gazeta do Povo
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