Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

The Economist: Repressão ao 'comboio da liberdade' pode piorar as coisas no Canadá

 Ao tentar proibir protestos de caminhoneiros, primeiro-ministro agrava as divisões no país


A reputação de boas maneiras impecáveis do Canadá está sob ataque. Nas semanas mais recentes, multidões de caminhoneiros e outros manifestantes contra as restrições impostas para o combate à covid-19 bloquearam estradas públicas e acamparam diante do Parlamento em Ottawa. Muitos agitaram cartazes com mensagens como “Fuck Trudeau”, em referência ao jovem primeiro-ministro do país, usando uma folha de bordo para completar o palavrão. Também foram vistos recados mais agressivos. Um ou dois manifestantes traziam bandeiras decoradas com suásticas, talvez sugerindo, absurdamente, que as restrições do Canadá para o combate à covid seriam comparáveis ao nazismo.

O “Comboio da Liberdade”, como os caminhoneiros se intitulam, começou contra a obrigatoriedade da vacina contra a covid em janeiro. Isso exige que todos os caminhoneiros que chegam ao Canadá vindos dos Estados Unidos, como fazem diariamente milhares de motoristas canadenses, tenham sido vacinados ou se submetam a uma quarentena de duas semanas.

Embora a maioria dos canadenses considere tais regras razoáveis, os manifestantes parecem ter encontrado eco em parte do público. Uma minoria estridente está cansada do fardo das restrições causadas pela pandemia. Muitos dos jovens, que perderam o emprego por causa de lockdowns pensados para proteger os mais velhos, se mostram especialmente insatisfeitos. Os caminhoneiros receberam apoio verbal e monetário do exterior. Donald Trump, a emissora Fox News e toda uma cacofonia de populistas dizem apoiá-los. Outros apoiam o financiamento coletivo da causa.

Diante dessa confusão, o governo do Canadá deveria ter estabelecido uma distinção clara entre atos prejudiciais e palavras irritantes ou tolas. Não há problema em um protesto pacífico; o mesmo não vale para o bloqueio de estradas essenciais com o objetivo de impedir que as pessoas sigam suas vidas. Alguns dos caminhoneiros fecharam ponte pela qual passam 25% do comércio de bens entre Canadá e EUA. A polícia levou seis dias para tirá-los de lá. Levando em consideração que a interrupção do tráfego na ponte deve ter custado cerca de US$ 350 milhões por dia, tal lentidão foi desnecessária.

Precaução

Os caminhoneiros estão errados quanto à obrigatoriedade da vacina na fronteira. Regras desse tipo são uma precaução razoável para retardar a disseminação de uma doença letal altamente contagiosa. O governo do Canadá tem razão em obrigar o cumprimento dessa lei. Mas os caminhoneiros têm todo o direito de manifestar sua insatisfação. Um governo sábio ouviria as queixas deles e responderia com educação, levando as reclamações a sério e explicando pacientemente por que as restrições causadas pela covid são necessárias por enquanto, apesar de onerosas.

Justin Trudeau fez o oposto disso. Primeiro, recusou-se a recebê-los. Então, aproveitando-se do fato de alguns deles serem aparentemente preconceituosos, ele tentou jogar todos para fora dos limites de um debate razoável condenando “o antissemitismo, a islamofobia, o racismo contra negros, a homofobia e a transfobia que vimos desfilando nas ruas de Ottawa nos dias mais recentes”. A polícia já dispõe de amplos poderes para combater a desordem. Mas, em 14 de fevereiro, Trudeau invocou poderes de emergência de acordo com uma lei de 34 anos atrás que nunca tinha sido usada antes. Com isso, o governo poderia declarar os protestos ilegais e congelar a conta bancária dos manifestantes sem a necessidade de uma ordem judicial.

Discurso de ódio

Enquanto isso, seu governo liberal trabalha em duas preocupantes mudanças para as leis de combate ao discurso de ódio no Canadá, já pouco liberais. Uma delas permitiria que o tribunal de direitos humanos impusesse pesadas multas àqueles acusados do uso de linguagem que fomente o ódio. No passado, esse tribunal já mostrou um entendimento amplo do que considera discurso de ódio, e os acusados teriam menos proteções do que sob o direito criminal. A outra mudança proposta permitiria aos indivíduos mover ações preventivamente caso temam que uma pessoa esteja prestes a fazer um discurso de ódio.

Ambas são péssimas ideias. Faz tempo que a Economist defende que a liberdade de expressão seja limitada somente sob circunstâncias excepcionais, como nos casos em que o discursante pretende incitar a violência física. As leis do Canadá já são mais rigorosas do que isso, e a pouco liberal esquerda do país deseja um rigor ainda maior. Acadêmicos foram suspensos ou criticados por escreverem que o Canadá “não é racista” ou por defenderem pontos de vista críticos da teoria dos gêneros. 

As emendas propostas dariam aos ativistas nada liberais ferramentas jurídicas para assediar religiosos, conservadores, feministas tradicionais e muitos outros, simplesmente por sustentarem opiniões que a esquerda considera ofensivas. Pior, elas permitiram que pessoas fossem caladas antes mesmo de falarem.

O Canadá ainda não é uma sociedade dividida por um amargo rancor. Se Trudeau quiser preservar esse estado das coisas, é melhor parar de tentar policiar os pensamentos dos canadenses. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

The Economist














publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/02/the-economist-repressao-ao-comboio-da.html

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