Jornalista Andrade Junior

sábado, 22 de janeiro de 2022

'Califórnia, do sonho ao pesadelo: um breve roteiro',

 por Leonardo Coutinho


Ah, a Califórnia. Quem nunca sonhou em viver a vida sobre as ondas ou ser artista de cinema? Pois afinal, na Califórnia é diferente. É muito mais do que um sonho. Dono de um Produto Interno Bruto de US$ 3,35 trilhões, se fosse um país, o estado mais rico dos Estados Unidos seria a quinta maior economia do mundo. A Califórnia só perde para Estados Unidos, evidentemente, a China o Japão e a Alemanha.

O estado tem um clima interessante, produz bons vinhos, frutas, é o berço e sede das maiores empresas de tecnologia do planeta e tem um mar rico em pescados com uma porta de saída para os mercados do Oriente, pela sua linda e longa costa pacífica. A lista de qualidades é enorme e listá-las não vem mais ao caso. Resumindo, o estado é sensacional. Juro.

Nesta semana, a inglesa BBC exibiu imagens perturbadoras de Los Angeles. A reportagem mostra o trecho de uma ferrovia coalhado de lixo. Caixas e caixas de papelão destruídas e amontoadas sobre e ao lado dos trilhos. Escombros de um estado pré-falimentar.

A paradisíaca Califórnia virou um lugar infernal.

As caixas abandonadas eram as sobras de saques que bandidos fazem diariamente nos trens de carga que atravessam a maior das cidades da Califórnia. A Los Angeles de 2022 tem um visual “Mad Max”, concebido pelo cinema australiano 42 anos atrás.

Os ladrões arrombam os contêineres e roubam à luz do dia o que lhe convêm. Por praticidade e melhor proveito da operação, eles abrem os pacotes, reviram as mercadorias e descartam ali mesmo o que não lhes apetece.

A pilhagem virou regra e ninguém é incomodado. Às vezes a polícia aparece. Dá um susto no pessoal, mas vai embora. Na Califórnia de 2022 se tornou impossível ser punido por esse tipo de crime.

“A Justiça prende muito e prende mal” (alguém já ouviu esta frase antes e em português?).

Em 2014, as leis criminais da Califórnia foram reformuladas e roubos e furtos não entraram mais na categoria de crimes violentos. Para melhorar – pois afinal a mudança veio para deixar a Califórnia ainda mais moderna e humana –, quando o valor do produto pilhado não ultrapassa US$ 950, nem pode se chamar de crime. É só uma contravenção. Para se ter uma ideia, a cota cobre o preço de um iPhone 13, por exemplo.

Por uma coincidência, a procuradora-geral da Califórnia, quando se deram as mudanças, era uma senhora que entraria para história apenas seis anos depois ao ser eleita a primeira mulher vice-presidente dos Estados Unidos.

Kamala Harris, que fique claro, não é a arquiteta das mudanças, mas coube a ela a aplicação. Missão que ela cumpriu com louvor.

Antes da mudança, a Califórnia registrava crimes contra o patrimônio em uma taxa inferior à média nacional. Naquele mesmo 2014, o estado passou a média e os ladrões foram ganhando mais e mais coragem para meter a mão no bolso alheio. A fantástica São Francisco não ficou de fora. Em 2019, a taxa de crimes registrada naquele ano foi mais que o dobro da média do estado. E nunca mais baixou.

Desde o ano passado, a cidade vive uma autêntica pandemia de saques. Lojas de grife tiveram que substituir suas belas vitrines envidraçadas por tapumes de madeira. Câmeras de segurança filmam todos os dias a horda que invade lojas e leva para casa desde relógios de luxo a bolsas que valem alguns milhares de dólares.

Ah! Mas e a cota de US$ 950 para roubar à vontade?

Em São Francisco, a roubança ganhou um reforço. A cidade ganhou em janeiro de 2020 um promotor-geral que não gosta de prisão. Tem pavor de ver gente socialmente desfavorecida na cadeia. E conduziu uma política de tolerância extrema. Derrubou a exigência de fiança para crimes não violentos e derrubou as penas. Tudo para reduzir a população carcerária.

O resultado não poderia ser outro. Além da pilhagem diária nas lojas da cidade, o número de roubo de carros aumentou 22% na cidade, frente ao crescimento médio nacional de 4% em 2020.

Muitos locais querem o promotor Chesa Boudin fora do cargo e organizam um processo de “impeachment”.

Mas Boudin tem um histórico de vida interessante. Seus pais eram membros da organização de esquerda ultrarradical Weather Underground. Ambos foram presos e condenados por assassinatos, roubo a carro-forte e atentados. Seu pai amargou 40 anos na cadeia e só saiu 35 anos antes do previsto porque ganhou o perdão judicial do então governador de Nova York Andrew Cuomo.

Boudin cresceu sem os pais e só os via nas visitas que fazia à prisão. Algo doloroso e que deixa cicatrizes. É compreensível que ele tenha seus traumas. Aliás, são dignos não só de compreensão, mas de compaixão. Mas é não razoável que uma cidade inteira pague por eles.

Boudin gastou tempo para traduzir para o inglês um livro de entrevistas de Hugo Chávez explicando o que a revolução bolivariana tem de melhor e abraçou a agenda mais radical da esquerda americana.

O ponto-chave é o seguinte. A Califórnia não é o único lugar em transformação radical nos Estados Unidos. O esvaziamento das ruas de Washington, D.C, transformou um passeio noturno pela capital em uma experiência tensa. Ladrões do Bronx e de outras quebradas do entorno de Nova York estão desembarcando em Manhattan para roubar e saquear sem serem incomodados, pois por lá as regras também foram afrouxadas depois da onda de redução do tamanho, fundos e prestígio das polícias em meio ao oportunismo que se instalou no país depois da morte de George Floyd na mão de um mau policial.

Mas a culpa é da pandemia. Não falta quem diga que a confusão começou com Trump e se agravou com o racismo. E assim a América vai indo pelo ralo.


Gazeta do Povo











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