Jornalista Andrade Junior

sábado, 29 de janeiro de 2022

'A criminalização do amor',

 por Brendan O'Neill, da Spiked


Mães e pais no Canadá que têm filhos confusos em relação ao próprio gênero precisam tomar cuidado com o que dizem de agora em diante. Porque é uma infração em potencial desencorajar seu filho ou sua filha a seguir o caminho da transgeneridade. Uma nova lei, promulgada neste mês, atualiza o Código Penal, para criminalizar a “repressão da identidade de gênero de uma pessoa não cisgênero” ou “reprimir… a expressão de gênero que não esteja em conformidade com o sexo designado de uma pessoa ao nascer”. Você é um pai que ama o filho e se recusa a deixá-lo usar um vestido, ou adotar um nome feminino, ou tomar supressores de puberdade? Bom, você pode estar encrencado. Isso pode contar como “repressão da identidade de gênero”. Você pode ir preso por cinco anos.

Essa nova lei significa que o Código Penal do Canadá proibiu a “terapia de conversão”. Mas isso não se refere apenas ao tipo de terapia de conversão que faz a maioria das pessoas de bem ter arrepios — por exemplo, a tentativa pseudopsicológica forçosa de transformar um homem gay em hétero ou de exorcizar os desejos demoníacos de uma lésbica pecadora. Não, terapia de conversão agora significa “qualquer prática, tratamento ou serviço” criados para interferir de alguma maneira na sexualidade, na identidade de gênero ou na expressão de gênero de uma pessoa”. Então, a “prática” de tentar “mudar a identidade de gênero para cis (hétero)” agora conta como terapia de conversão no Canadá e pode resultar em uma punição severa. Apenas imagine o que pode ir parar nessa categoria. A mãe amorosa que simplesmente se recusa a deixar sua jovem filha raspar a cabeça, usar roupas de menino e se tornar “ele” — isso é uma “prática”, e é uma “prática criada para “mudar a identidade de gênero de uma pessoa para cis”? Essa mãe merece cinco anos num presídio?

Gentilmente, o governo canadense faz concessões para que certas conversas sobre identidade de gênero ainda possam ocorrer. Mas essas concessões são tão restritas, e tão normativas, que acabam salientando como essa lei será prejudicial, e não liberal. A lei diz que a definição de “terapia de conversão” não inclui nenhuma “prática, tratamento ou serviço” relacionados à “transição de gênero de uma pessoa”. Ufa! Então isso significa que especialistas e talvez até pais e mães podem ser francos e, quem sabe, até um tanto desencorajadores se acharem que a transição de gênero de uma pessoa não é o melhor caminho, certo? Errado. Muito errado. A lei deixa claro que até mesmo discussões que ocorrerem durante uma transição de gênero “não devem ser baseadas na suposição de que uma… identidade de gênero, ou uma expressão de gênero específica, é preferível a outra”. Entendeu? Diga para uma pessoa confusa em relação ao próprio gênero que seria melhor manter sua versão saudável e natural masculina ou feminina e você pode ir preso.

Moralidade woke

Isso é bem extremado. À guisa de lidar com uma prática que a maioria das pessoas considera repugnante — colocar muita pressão em homossexuais para tentar fazê-los abandonar seus desejos supostamente perversos —, o direito de divergir em questões de “identidade de gênero” e “expressão de gênero” está sendo erodido. O direito dos pais e de outros adultos de dizer a um menino que acha que é uma menina que, na verdade, ele é um menino e vai continuar vivendo como menino está fortemente abalado. Não foram feitas garantias claras de que a possibilidade de pais ou psicólogos terem conversas francas com crianças que querem “fazer a transição” vai se manter intacta. De acordo com Ted Falk, membro conservador da Câmara dos Comuns canadense, críticos perguntaram “repetidas vezes” aos redatores do texto da lei se “conversas com um líder religioso, psicólogo, pai ou mãe continuariam sendo protegidas e possíveis”. “Infelizmente, esses pedidos não foram considerados”, disse ele.

Precisamos ser claros sobre o que está acontecendo no Canadá. Aconselhar jovens que estejam confusos sobre seu próprio gênero vai essencialmente se tornar um crime. Tudo o que os adultos podem fazer é reafirmar o que quer que essas crianças lhes disserem. Se seu filho de 7 anos disser a você que ele é uma menina, e você procurar alguma orientação psicológica para dissuadi-lo dessa fantasia ridícula, você pode estar desobedecendo à lei. Essa é uma imposição brutal da moralidade woke do governo, sob o pretexto de defender os direitos das pessoas LGBT. Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense, se gabou da nova lei, declarando que “agora é ilegal promover, divulgar, beneficiar-se de ou sujeitar alguém à terapia de conversão”. “Os direitos LGBTQ2 são direitos humanos”, disse ele, acertando a sigla dessa vez. Trudeau está sendo ambíguo na linguagem. O que de fato se tornou ilegal no Canadá não é a terapia de conversão como a maior parte das pessoas entende — esse tipo de prática é incrivelmente raro em uma nação moderna e progressista como o Canadá. Em vez disso, é o direito de discutir identidade de gênero, discordar do culto à transgeneridade e, sim, dissuadir alguém de adotar um gênero inventado.

Culto da transgeneridade

Essa lei da terapia de conversão tem a ver com impor as opiniões do Estado nas massas. No encalço da cultura woke, enredado pelo culto da fluidez de gênero, o governo canadense do século 21 considera possível nascer com o “sexo errado”. Ele acredita que o sexo é algo “designado” no nascimento, e não algo observando bem antes disso, no útero. E acredita que tratamento hormonal ou cirúrgico para garantir que ocorra um alinhamento entre a “identidade de gênero” de uma pessoa e sua representação corporal externa é uma coisa boa.

E, o pior de tudo, acredita que qualquer um que discorde de qualquer uma dessas coisas, qualquer pessoa que acredite que isso é um monte de enganação pós-moderna que causa um grande dano a adolescentes confusos em especial não deveria poder se envolver na discussão, nem mesmo com os próprios filhos. Essa uma lei tirânica, que pressiona as pessoas do Canadá a se curvar ao culto da transgeneridade. A ironia é enorme — em nome de banir a “terapia de conversão”, essa lei força as massas a se converter à religião woke e seu evangelho de fluidez de gênero, sob pena de encarceramento, e se recusarem ativamente a fazê-lo.

A Nova Zelândia

O Canadá não está sozinho em transformar a heresia das intervenções críticas à questão de gênero em pensamentos e escolhas sendo feitos por jovens confusos em relação ao próprio gênero. França, Brasil, Malta e outras nações também estão trabalhando para proibir a “terapia de conversão”, que tem como alvo a sexualidade ou a identidade de gênero. A Nova Zelândia também transformou em infração empregar “práticas” que desencorajem uma pessoa de expressar ou concretizar sua “identidade de gênero”. Críticos da lei neozelandesa afirmam que ela pode criminalizar pais “por tentar aconselhar uma criança de 12 anos a não tomar supressores de puberdade”. É hilário, e aterrorizante, que um artigo que colocou em dúvida essa ideia de que os pais podem ser transformados em criminosos tenha sido publicado sob a manchete “Why New Zealand’s proposed law banning conversion practices is so unlikely to criminalise parentes” (Por que é tão improvável que o projeto de lei da Nova Zelândia que proíbe práticas de conversão criminalize pais e mães”, em tradução livre). Você tem certeza disso? Nem eu.

A reportagem argumenta que o uso da palavra “prática” na lei neozelandesa, que também aparece no texto canadense, sugere que, para ser transformada em crime, a terapia de conversão precisaria ser um movimento ativo e conjunto. Mas, nos últimos anos, vimos ativistas trans demonizando pais e mães que se recusam a “afirmar” a “identidade de gênero” dos filhos. Não é preciso ir muito longe para prever uma situação em que a mãe ou o pai que dedicam energia a “reprimir” a crença do filho de que ele ou ela nasceram com o “sexo errado” podem ser acusados de realizar uma prática de conversão. E Deus ajude a mãe ou o pai religioso que recorrerem aos serviços de um pastor ou imame para tentar convencer essa criança de que ele ou ela na verdade não são transgêneros, não binários ou algo assim. Esse pai ou essa mãe, e esse líder religioso, sem dúvida estariam do lado errado da lei.

Ato de amor profundo

Estamos testemunhando a criminalização do amor dos pais. A proibição da preocupação dos pais. A proscrição do instinto materno ou paterno de proteger os filhos de ações potencialmente perigosas. A realidade de fato é: muitas pessoas, possivelmente a maioria, não concordam com o culto da transgeneridade. Elas não acham que seja uma coisa boa se render às fantasias de um filho sobre ser uma menina. E não desejam ver sua filha voltar de seu primeiro semestre na universidade com os seios amarrados, com um bigode feito por remédios e uma aversão às palavras “ela” e “dela”. Elas não concordam que suprimir a puberdade, tão essencial para o desenvolvimento de um jovem, seja uma boa ideia. E não querem que sua filha de 19 anos faça uma cirurgia nos seios ou que seu filho de 18 anos seja castrado.

Mães e pais sabem muito melhor o que é bom para seus filhos do que especialistas

Aliás, elas fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para desencorajar aqueles que mais amam no mundo de buscar essas modificações aberrantes, infelizes e severas. Isso não faz delas antiquadas nem cruéis. Ao contrário, é um ato de amor profundo desencorajar um jovem de acreditar que ele ou ela têm o “sexo errado”. Mães e pais sabem muito melhor o que é bom para seus filhos do que especialistas, valentões da cultura woke ou Justin Trudeau, e sabem que isso não inclui a ideia excêntrica e perturbadora de que modificações corporais são uma reação adequada à confusão mental. E, no entanto, sua possibilidade de expressar seu conhecimento parental amoroso, quanto mais agir nesse sentido, está sendo criminalizada. Isso é repugnante e orwelliano.

A desconexão entre a moralidade do Estado e a moralidade de pais e mães, entre o que as elites descoladas pensam e o que as pessoas comuns pensam não poderia ser maior. As autoridades efetivamente aliciam os jovens à armadilha da ilusão de gênero, enquanto a maior parte das mães e dos pais quer afastar seus filhos desse caminho doloroso. Do Canadá, passando pela França, até a Nova Zelândia, esse conflito de valores entre o Estado e a população, entre nós e eles, está sendo resolvido pela força bruta da lei, que está sancionando a moralidade do governo woke e criminalizando a sabedoria popular das massas de pais e mães.

Qualquer pessoa que ache que isso é uma campanha contra a “terapia de conversão” está se enganando. É uma tomada de poder das elites descoladas contra o direito fundamental de pais e comunidades decidirem por conta própria o que é bom para a próxima geração. Neste momento, o governo britânico está cogitando banir a “terapia de conversão”. Ele precisa pensar sobre isso com muito cuidado. Qualquer proibição para a terapia de conversão que interdite o direito de pais, líderes religiosos ou conselheiros de dizer “pare” para as transições de gênero é uma tirania moral disfarçada de direitos iguais.

Uma das consequências mais perniciosas da cultura woke, do novo autoritarismo que está tomando conta das elites ocidentais, é romper os vínculos entre pais e filhos. Convencidas de que pais e mães estão incutindo ideias e hábitos “retrógrados” nos filhos, as elites descoladas consideram seu dever usar a educação, a socialização e a própria lei para driblar a autoridade dos pais e impor seus próprios valores para a próxima geração. Eles querem coletivizar as crianças, arrancá-las do seio amoroso dos pais e transformá-las na propriedade influenciável de educadores “especialistas” e de outros representantes do Estado. É disso que tratam essas leis de terapia de conversão — não de proteger os direitos dos homossexuais de viver a vida como quiserem, o que a vasta maioria das pessoas concorda ser uma coisa importante, mas de limitar a influência que pais e outros adultos “não descolados” podem ter sobre a próxima geração.

O governo está criando uma barreira entre pais e filhos. Está reivindicando as crianças como responsabilidade do Estado, que tem o dever de formar moralmente. Esse neomaoismo não pode perdurar. O pai “transfóbico” é um modelo muito melhor para um jovem do que o governo “trans-aliado” que quer criminalizar a discordância, proibir o amor parental e afastar a mãe do filho e o pai da filha.

Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast The Brendan O’Neill Show. Seu perfil no Instagram é: @burntoakboy


Revista Oeste













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