#JUNTOSVAMOSMUDARBRASILIA
No meio do caminho tinha uma
bolha chamada Marina
José Augusto Guilhon de
Albuquerque
Chegamos
a um momento sem retorno da eleição presidencial, impossível de ter sido
previsto, mas com consequências previsíveis. O curtíssimo prazo da campanha,
tal como a conhecemos – centrada no palanque eletrônico e nas alianças
estaduais – não poderá reverter a bolha de encantamento que ora favorece a
candidatura de Marina Silva.
Já não
estamos no reino da política, mas da psicologia das massas. Independente de
seus talentos, que são inúmeros, e de seus defeitos, que podem ser
devastadores, o desgaste inevitável da vida real dificilmente se fará sentir
senão a médio ou longo prazo. A curtíssimo prazo, somente outro fator estranho
à política, seja nova fatalidade, seja o completo desmascaramento deste mais
recente fenômeno messiânico em nosso país - provocado por imputações
verdadeiras ou por falsos dossiês - poderia impedi-la de chegar ao segundo
turno, provavelmente, à frente da disputa eleitoral.
E ai de
quem ousar desnudar o Rei, pois, tal como um mensageiro de más notícias, será
abatido junto com sua vítima. Em teoria, parece restar aos ex-protagonistas do
pleito, o PT e o PSDB, demonizados pela profeta como a encarnação da “velha
política”, mudar o foco de suas respectivas táticas eleitorais, poupar-se
mutuamente e tentar polarizar com Marina. Na prática, um jogo de soma zero como
esse apenas reforçaria seu papel de vítima e a levaria ainda mais perto de uma
vitória no primeiro turno.
Em teoria
Marina também poderia sucumbir a uma luta entre Titãs, caso outro ungido dos
deuses se alevantasse mais alto para salvar o próprio legado – o PT e o
lulismo. Mas, que se saiba, Lula não entra em bola dividida e, como se sabe
também, nada tem a ver com as derrotas dos padilhas e dilmas, ou com o mau
desempenho dos haddads e gleydes da vida. Portanto, a bola da vez está nas mãos
dos dois candidatos ainda competitivos, para resgatar ou não seu próprio
destino e a relevância de seus respectivos partidos e coligações, e isso implica
ter como prioridade chegar ao segundo turno.
Para
Marina, tendo chegado ao segundo turno na frente, e em curva ascendente, como é
provável, será uma questão de administrar a própria bolha e não cometer erros
irreparáveis. Por maior que seja o desgaste da polarização inerente ao segundo
turno, será eleita e, por maior que seja o desgaste da transição e da partilha
do botim, o encantamento deverá permitir uma coroação retumbante, à la Lula
2003. O trágico é o que irá ocorrer, num eventual governo Marina, quando,
inexoravelmente, a bolha murchar de vez ou explodir.
Para o PT
e o PSDB é vital chegar ao segundo turno porque, fora do páreo, seus
respectivos eleitorados migrarão para Marina independentemente de qualquer
arranjo de cúpula que, de todo modo, não é compatível com o perfil voluntarista
e onipotente de Marina. E a única via para Aécio ou Dilma chegarem a um
eventual segundo turno é, repito, continuar polarizando entre si sem,
entretanto, deixar Marina correr solta.
Para o
PT, polarizar com o PSDB seria menos arriscado do que polarizar com Marina, que
implicaria poupar Aécio. Mas o desgaste do PT é amplo, geral e irrestrito.
Conquistar votos tucanos não será fácil após mais de uma década de hostilidade
implacável. Reintegrar ex-eleitores lulistas que estão migrando para Marina,
seria ainda mais difícil. Paciência: corrigir doze anos de desmandos não é
fácil mesmo. Além disso, é provável que o PT, devido a sua paixão pela
hegemonia, e Dilma – por ressentimento pessoal – descarreguem suas baterias
preferencialmente contra uma trânsfuga como Marina.
Ainda que
tente conter os danos, o PT como partido, a julgar pela hostilidade
generalizada que vem sofrendo, sairá enfraquecido. Quanto a Dilma, se não
chegar ao segundo turno, pode encomendar o pijama.
Quanto ao
PSDB, a falta de empolgação com a candidatura presidencial não parece afetar
seu desempenho nos Estados. Mas uma derrota no primeiro turno comprometerá não
apenas o futuro de Aécio, mas também a relevância nacional do partido.
Entretanto, sendo um candidato menos rejeitado do que Dilma, e se lograr
capitalizar o bom desempenho dos candidatos tucanos ao governo dos grandes
colégios, Aécio poderá conter a atual sangria polarizando com Dilma. Se for bem
sucedido em expor os graves defeitos de Marina sem agressões – ou seja,
desqualificando-a “com classe” ou levando-a a desqualificar-se por ela mesma –
ainda poderá recuperar parte do eleitorado migrante, além de eventualmente
aumentar o desgaste da adversária estratégica, isto é, Dilma.
Quanto ao
segundo turno – provável na hipótese de Marina continuar crescendo, mas sem uma
queda acentuada dos demais – ela se beneficiará dos votos lulistas, e de
esquerda em geral, para derrotar os tucanos, ou dos votos de centro e de
direita contra Dilma. O eleitorado do PMDB é vinculado localmente às lideranças
regionais mas, nas eleições presidenciais, segue as linhas do eleitorado em
geral e não as orientações partidárias. O PMDB se guardará para o “terceiro
turno”, isto é, para pesar decisivamente no momento de garantir uma transição
sem demasiados traumas e um início de governo sem impasses decisórios.
Se esse
quadro se revelar correto – desde que a bolha de encantamento não murche nem
exploda sozinha – Marina deveria sair vitoriosa. Porém, mais cedo ou mais tarde
a bolha irá se desfazer no ar, pois é isso que as bolhas fazem. Por motivos
distintos, foi assim com Collor, foi assim com Lula, será assim com Marina.
No caso
específico de Marina, o esvaziamento da bolha resultará de uma combinação de
fatores pessoais e estruturais, estes ligados à dinâmica da democracia
representativa que pode ser sumariamente descrita da seguinte maneira. Nos
regimes presidencialistas o Executivo e o Legislativo são eleitos por colégios
distintos, dando origem a duas maiorias não necessariamente coincidentes e,
portanto, potencialmente divergentes. Para governar num sistema multipartidário
como o nosso, a dinâmica democrático-representativa obriga o chefe do Executivo
a negociar a criação de uma maioria parlamentar governista. Isso implica concessões
de parte a parte ou o emprego dos chamados métodos “não-republicanos”. Entre
estes se inclui o emblemático “mensalão” ou o apelo a forças extra
institucionais, como a intimidação mediante a mobilização das ruas, o emprego
da polícia, do judiciário ou da força militar para fins políticos.
A opção
entre sacrificar seus ideais e seu programa com concessões, ou sacrificar seus
princípios corrompendo ou intimidando os interlocutores, depende de inclinações
pessoais do presidente – como sua habilidade para negociar e sua atitude
conciliatória ou, ao contrário, seu grau de voluntarismo e prepotência. E de
fatores institucionais – como a cultura partidária de sua coalizão ou de sua
facção. Porém, enquanto a escolha entre métodos é uma opção, governar com o
apoio efetivo ou, pelo menos, com o consentimento da maioria da representação
nacional, legalmente eleita, é uma lei de ferro da democracia representativa. O
resto pode ser um regime corrupto, um regime policial, um regime militar, um
regime teocrático, ou todos os acima. Não é um regime de democracia
representativa.
É essa
lei de ferro que Marina chama de “velha política”, e já deixou claro e
explícito que não pretende respeitá-la. Em entrevista ao telejornal da Globo
News, confrontada com o fato de que, se for eleita, não disporá de maioria para
governar, alternou entre várias respostas, ora que é a “sociedade” quem vai
governar, ora que ela vai governar com “os melhores”, ora que a “sociedade” vai
nomear “os melhores”. Mas não admitiu sequer que terá que governar com a
maioria nacional legitimamente eleita para tal.
O que a
leva Marina a vilipendiar a lei de ferro da democracia representativa
tachando-a de “velha política”, em proveito de uma “nova política” tão velha
como a Sereníssima República de Veneza – aquela do tempo dos Borgia - não é apenas uma opção racional baseada em
seu desconhecimento da História e da Política. Trata-se de uma crença enraizada
em suas inclinações pessoais e na cultura política de sua facção – certamente
não na cultura política da Esquerda Democrática que deu origem ao Partido
Socialista. Frases como “o presidente não tem que ser prisioneiro do partido”,
“um homem de bem não pode deixar de colaborar com o (meu) governo”, mostram
que, para ela, e certamente para sua “rede”, negociar é uma coisa corrupta,
fazer concessões é aprisionar-se. Em contrapartida, a virtude de seus ideais, e
dos poucos homens justos que ela reconhece, bastaria para garantir o bom
governo e até o fechamento das contas nacionais – se necessário, com a ajuda
divina.
Pobres de
nós, pecadores, que teremos pela frente um longo calvário de crises e
desgoverno. Mas assim como sobrevivemos ao ippon de Collor, ao mensalão de Lula
e aos apagões de gestão de Dilma, sobreviveremos a um eventual marinaço.
[Recebido, sem indicação de publicação]
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