Em vez de uma reforma tributária inteligente e de uma redução nos gastos públicos, a única resposta que o governo tem é o mero aumento de impostos
O governo federal reservou um presente de fim de ano a brasileiros de diferentes estratos sociais: aqueles que viajam ao exterior, predominantemente das classes A e B (embora a possibilidade de conhecer outros países esteja cada vez mais acessível à nova classe C), pagarão mais Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) ao gastar em moeda estrangeira; e, com o reajuste abaixo da inflação na tabela do Imposto de Renda (IR), brasileiros que ganham pouco menos de R$ 1,8 mil e eram isentos até agora passarão a ter imposto retido na fonte.
No caso das viagens ao exterior, a alíquota costumava ser de 0,38% até março de 2012, quando o governo determinou que os gastos com cartões de crédito passassem a pagar 6,38% de IOF, mantendo os 0,38% para saques em dinheiro e despesas com cartão de débito e os chamados “cartões pré-pagos” em moeda estrangeira, adquiridos e carregados no Brasil. Mas, desde o sábado passado, também essas modalidades pagarão os 6,38% de IOF. O Ministério da Fazenda chegou a justificar o aumento alegando “isonomia” entre as diferentes maneiras de gastar no exterior; obviamente, a mesma isonomia poderia ser atingida reduzindo a alíquota do cartão de crédito de volta ao patamar do início de 2012, ou usando uma alíquota comum que ficasse a meio caminho entre os 0,38% e os 6,38%, mas seria demais esperar tal raciocínio da equipe de Guido Mantega.
O reajuste da tabela do Imposto de Renda abaixo da inflação não é uma novidade: vem sendo assim há 18 anos. Até este ano, era isento quem recebia salários menores que R$ 1.710,78. A partir de 2014, quem receber R$ 1.787,78 mensais já terá descontado na fonte o equivalente a 7,5% do salário. O IPCA de 2013 só será conhecido no ano que vem, mas o IPCA-15 do ano já está fechado, e ficou em 5,85%. Um trabalhador que esteja pouco abaixo da linha de isenção pelos valores atuais e receba como aumento salarial a mera reposição da inflação muito provavelmente passará a ter IR retido. Considerando que a regra nas negociações salariais vem sendo o ganho real, acima da inflação (estudo do Dieese publicado em agosto mostrou que quase 85% das negociações do primeiro semestre de 2013 resultaram em aumento real), a conclusão é de que cada vez mais trabalhadores se verão atingidos pelo Fisco. Ironicamente, a tabela do IR foi reajustada em 4,5%, o centro da meta de inflação estabelecida pelo Banco Central e que o governo praticamente já desistiu de perseguir, contentando-se em manter o índice abaixo do teto de 6,5%. Pelo menos agora já se sabe para que serve o centro da meta.
A nova alíquota do IOF gerou reclamações, mas é improvável que ela afaste do exterior os brasileiros. Mesmo com os 6,38%, muitos produtos continuarão muito mais baratos nos Estados Unidos e na Europa que no Brasil, graças a nosso sistema tributário disfuncional, a margens de lucro maiores e ao desestímulo à competição que se vê no Brasil. Pior é a manobra que levará cada vez mais brasileiros a pagar Imposto de Renda, mesmo ganhando quase R$ 1 mil a menos que o valor calculado pelo Dieese para um salário mínimo que contemplasse as necessidades básicas previstas pela Constituição.
Mas revoltante mesmo é a convicção de que a arrecadação adicional pouco fará para trazer os serviços públicos “padrão Fifa” que a população exige: o provável destino do dinheiro (só com a nova alíquota do IOF o governo espera mais R$ 522 milhões por ano) é tentar consertar o rombo que o desperdício e o inchaço da máquina pública vêm causando nos cofres públicos, a ponto de o governo viver recorrendo à “criatividade contábil” para fechar suas contas. Não por acaso, a responsabilidade fiscal, um dos tais “cinco pactos” propostos por Dilma Rousseff após os protestos de junho, nem foi mencionada no pronunciamento de fim de ano da presidente.
O descompasso entre a carga tributária que o brasileiro paga e a qualidade dos serviços que recebe em troca deveria fazer os gestores públicos corarem de vergonha. No entanto, em vez de uma reforma tributária inteligente e de uma redução nos gastos públicos, a única resposta que o governo tem é o mero aumento de impostos, mostrando que não há nenhum compromisso com o uso racional dos recursos públicos.
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